Por muito tempo, as criptomoedas foram um tema restrito às rodas de conversas de grupos específicos, como geeks e anarcocapitalistas (pessoas que defendem a abolição dos Estados). Com o passar dos anos, no entanto, esse cenário mudou.
Os criptoativos conquistaram espaço no mainstream, transformando-se em uma classe de investimento que atrai tanto investidores de varejo como grandes players do mercado financeiro. Mas quem decide entrar nesse mercado normalmente tem uma dúvida: quanto devo investir em criptomoedas?
Este guia do InvestNews responde a essa pergunta e explica como investir em criptoativos de forma segura e alinhada ao seu perfil de investidor. Explora também os principais riscos e vantagens associadas à alocação em criptomoedas, além de oferecer dicas essenciais para proteger seus ativos digitais e armazená-los com segurança.
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O que considerar antes de investir em criptomoedas?
A pessoa interessada em investir em criptomoedas deve considerar inicialmente seu perfil de investidor, segundo especialistas do mercado. O conservador normalmente busca mais segurança, o moderado está disposto a assumir um pouco mais de risco e o arrojado preza pelo lucro, mesmo que exista certo perigo. Bancos, corretoras e até exchanges de criptomoedas costumam oferecer plataformas para os investidores descobrirem seus perfis.
O investidor também precisa entender que o setor cripto é mais arriscado e volátil do que o mercado tradicional. Veja o caso do Bitcoin, maior criptomoeda do mercado, por exemplo. Entre o início de 2020 e o começo de 2024, segundo levantamento da Fidelity Digital Assets, a cripto foi de três a quase quatro vezes mais volátil do que vários índices de ações, como o S&P 500 e o índice de small caps dos Estados Unidos.
Outro ponto a considerar é a complexidade desse segmento. Há conceitos próprios, milhões de criptomoedas com propostas diferentes e blockchains (sistema por trás das criptomoedas) com mecanismos distintos. Por isso, é ideal que o investidor estude bem como a indústria funciona, entenda pelo menos o básico sobre essa tecnologia e fique por dentro das constantes inovações.
Qual é o valor mínimo para começar a investir em criptomoedas?
Murilo Cortina, diretor comercial da QR Asset Management, disse que alocar em criptomoedas significa investir em um mercado ainda em construção, caracterizado por grandes variações de preço, tanto para cima quanto para baixo. Portanto, diz, o melhor indicador sobre quanto investir é o “indicador do sono”.
“Isso significa que você deve alocar uma quantia que, caso veja seu investimento em criptomoedas cair 20%, 30% ou mais, não faça você perder o sono. Em outras palavras, deve ser um valor que não comprometa seu orçamento nem esteja reservado para custos essenciais anuais”.
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Quanto da minha carteira devo alocar em criptomoedas?
Após separar para o investimento em criptomoedas apenas o valor que você esteja disposto a arriscar, sem comprometer seu bem-estar financeiro em caso de quedas nos preços, especialistas sugerem que uma alocação saudável deve ser baseada no perfil do investidor.
Conservador
Pedro Gutiérrez, diretor Latam da CoinEx, afirma que cerca de 1% a 2% do portfólio pode ser ideal para uma abordagem conservadora. “Isso permite exposição ao potencial de valorização das criptomoedas sem arriscar muito capital em um mercado volátil”. Luiz Pedro, analista-chefe de criptoativos da Nord Research, tem visão semelhante e diz que uma “carteira conservadora deve ter no máximo 3% de cripto”.
Moderado
Para investidores mais experientes ou com maior tolerância ao risco, as alocações podem chegar a 5% ou mais, segundo Gutiérrez, dependendo da confiança no mercado e do conhecimento sobre tecnologia blockchain. Já Pedro sinaliza algo entre 3 e 6%.
Arriscado
Para carteiras de investidores mais arrojadas, Pedro sugere que 10% são o limite “para que a posição de cripto ajude no índice sharpe (um indicador que avalia o risco e o retorno de um determinado investimento a longo prazo) e não tenha uma inferência dominante no resultado da carteira”.
Aposta da BlackRock em Bitcoin
Em dezembro de 2024, a gestora BlackRock sugeriu em relatório que uma alocação de 1% a 2% em Bitcoin à carteira é considerada uma “faixa razoável”. A gigante dos investimentos considerou um portfólio 60/40 (60% em renda variável e 40% em renda fixa), bastante conhecido e usado por investidores internacionais, principalmente nos Estados Unidos.
Segundo a BlackRock, é útil comparar o papel do Bitcoin no portfólio com as “7 Magníficas” — grupo formado pelas big techs Alphabet, Amazon, Apple, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla —, que têm um perfil de risco parecido com o da criptomoeda.
A gestora diz que a perspectiva de adoção ampla de Bitcoin no futuro é a tese para o investimento na criptomoeda. “Acreditamos que é no período que antecede a adoção em larga escala que o maior potencial de retorno futuro pode estar”. No entanto, a empresa alerta que há o risco de essa adoção nunca se concretizar, ressaltando que incertezas sobre esse aspecto já ocasionaram liquidações no passado.
Quais as principais criptomoedas do mercado?
O mercado de criptomoedas cresceu de forma explosiva nos últimos anos e, hoje, conta com milhões de tokens em circulação. Enquanto alguns projetos têm fundamentos sólidos e propostas inovadoras, outros não têm tanta utilidade e sobrevivem apenas por causa de suas comunidades engajadas, como é o caso das memecoins. Além disso, há uma parcela significativa de criptos que, na verdade, são golpes disfarçados, exigindo atenção redobrada dos investidores.
Confira as principais criptomoedas já consolidadas na indústria:
Bitcoin (BTC): Lançado em 2008, o Bitcoin foi criado por Satoshi Nakamoto, um pseudônimo cuja identidade real segue desconhecida. Originalmente idealizado como uma forma de dinheiro digital para viabilizar transações diretas entre usuários sem a necessidade de intermediários, o ativo se transformou ao longo do tempo, tornando-se também uma opção de investimento de risco.
Ethereum (ETH): Segunda maior criptomoeda em valor de mercado, o Ethereum foi idealizado em 2013 pelo programador russo-canadense Vitalik Buterin e lançado oficialmente em 2015. Sua blockchain se destacou por introduzir os smart contracts, contratos programáveis que permitem a criação de diversas aplicações, como plataformas de empréstimos, lojas virtuais e outras criptomoedas. Esse diferencial atraiu uma ampla base de desenvolvedores.
XRP (XRP): Foi criada em 2012 por três engenheiros — David Schwartz, Jed McCaleb e Arthur Britto —, que já naquela época eram fãs do Bitcoin. A principal função do token, que figura entre os cinco maiores do mercado, segundo dados da plataforma CoinGecko, é atuar como uma ponte para facilitar transações internacionais.
Tether (USDT): Primeira stablecoin do mercado, o USDT surgiu em 2014 com a proposta de manter paridade com o dólar americano. Cada token emitido é equivalente a US$ 1. Apesar de sua popularidade, a criptomoeda enfrentou críticas pela falta de transparência em relação às reservas reais. O projeto foi idealizado por Brock Pierce, empreendedor americano e ex-ator mirim.
BNB Coin (BNB): O token da Binance, a maior corretora de criptomoedas do mundo, foi lançado em 2017. Em 2019, o projeto passou por uma reformulação e se aproximou do modelo do Ethereum, permitindo o desenvolvimento de aplicações descentralizadas em sua blockchain. Hoje, o projeto é usado por desenvolvedores interessados em lançar plataformas de empréstimos, tokens digitais e outros projetos no ecossistema cripto.
Solana (SOL): Desenvolvida por Anatoly Yakovenko, cientista da computação, a Solana foi projetada em 2017, mas só entrou no mercado em 2020. Sua blockchain, que suporta contratos inteligentes e aplicativos descentralizados, é reconhecida pela alta capacidade de processar um grande volume de transações por segundo, atraindo a atenção de desenvolvedores e novos projetos. A plataforma é bastante utilizada para o lançamento de memecoins.
Dogecoin (DOGE): A Dogecoin, criada no final de 2013 por Billy Markus e Jackson Palmer, começou como uma piada para satirizar o entusiasmo em torno das criptomoedas. No entanto, a memecoin conquistou uma legião de fãs e alcançou destaque no mercado, especialmente com o apoio de figuras públicas como Elon Musk, CEO da Tesla e SpaceX. Hoje, é uma das principais criptomoedas em circulação.
Quais criptomoedas escolher para a carteira?
Luiz Pedro, analista-chefe de criptoativos da Nord Research, sugere que investidores iniciantes no mercado cripto comecem pelo Bitcoin para entender o funcionamento e a volatilidade do mercado. Esse investimento inicial seria um “teste de apetite a risco”.
O curto prazo, diz, precisa ser ignorado, pois “pode ser cruel”, e o investidor precisa olhar para o longo prazo. “Depois desse teste, vale buscar a diversificação em cripto com altcoins (termo usado para identificar qualquer cripto diferente do BTC), de maneira gradual”, aponta.
Um portfólio conservador equilibrado de criptos poderia incluir 70% em Bitcoin como um “ativo estável e comprovado”, 20% em Ethereum para exposição à principal plataforma de smart contracts (contratos inteligentes) e 10% em stablecoins (criptos estáveis), como Tether (USDT) ou USD Coin (USDC), “para liquidez e mitigação de riscos”, segundo Gutiérrez, da CoinEx.
Um investidor moderado, aponta Gutiérrez, poderia alocar 50% em Bitcoin para ancorar o portfólio, 30% em Ethereum para capturar potencial de crescimento e 20% em altcoins, especialmente tokens de blockchains de primeira camada (camada base de uma rede blockchain), como Solana (SOL) ou Cardano (ADA), e projetos de finanças descentralizadas (DeFi), como Aave (AAVE) ou Uniswap (UNI), que oferecem maiores retornos com risco moderado.
Para um investidor arrojado, o foco pode ser no crescimento, com 30% em Bitcoin como base, 20% em Ethereum pelo ecossistema robusto e 50% em altcoins de alto potencial, incluindo tokens emergentes, tokens não fungíveis (NFTs) ou projetos de metaverso, como The Sandbox (SAND) e startups em estágios iniciais.
“Em todos os perfis, a diversificação, o rebalanceamento regular e uma compreensão clara dos riscos são essenciais para otimizar retornos e proteger investimentos”, afirma Gutiérrez.
Quais são os riscos de investir em criptomoedas?
Antes de decidir quanto investir em criptomoedas, os investidores precisam ficar atentos aos riscos desse mercado. Confira abaixo os principais:
Volatilidade: As oscilações de preço na indústria cripto ainda são constantes. “No caso da tecnologia blockchain, ainda há baixa adoção em comparação com seu potencial, o que gera maior volatilidade em relação a mercados tradicionais, como a B3, que inclui empresas cujos produtos e serviços usamos no dia a dia. Essa instabilidade é natural em um mercado em desenvolvimento”, diz Cortina, da QR Asset Management.
Custódia: O investidor pode optar por manter suas criptomoedas em custodiantes, como exchanges ou fundos, por exemplo. Além disso, podem fazer a autocustódia de seus próprios tokens. Em todos os casos, é recomendado escolher boas empresas e plataformas, que investem em segurança e seguem as regras estabelecidas. “É essencial investir por meio de empresas confiáveis e amplamente reguladas”, diz Cortina.
Operacional: A tecnologia é um pilar essencial do setor cripto, mas também representa um ponto de vulnerabilidade. Embora as blockchains de ativos consolidados, como Bitcoin e Ethereum, tenham demonstrado estabilidade ao longo do tempo, plataformas de projetos emergentes, especialmente no universo DeFi, nem sempre oferecem a mesma segurança. Problemas técnicos, como erros de código, falhas nos sistemas ou interrupções operacionais, podem causar prejuízos significativos a investidores, corretoras e outros participantes do mercado.
Regulação: Diversos países estão empenhados em criar regulações para o setor de criptomoedas. No Brasil, o Marco Legal das Criptomoedas, aprovado em 2022, estabeleceu diretrizes para as empresas que atuam na área. Na Europa, um pacote regulatório foi acatado em 2023, enquanto os Estados Unidos ainda debatem suas próprias medidas. Apesar dos avanços, a incerteza sobre mudanças regulatórias pode trazer instabilidade ao mercado. Um exemplo marcante foi a proibição da mineração de Bitcoin pela China em 2021, que resultou em um impacto significativo nos preços do ativo.
Golpes: Mesmo com uma redução nas fraudes envolvendo criptomoedas, o mercado continua suscetível a atividades ilícitas. De acordo com o “The 2024 Crypto Crime Report”, produzido pela empresa Chainalysis, endereços associados a golpes movimentaram US$ 24,2 bilhões em 2023, um recuo em relação aos US$ 39,6 bilhões registrados em 2022. Apesar da queda, a presença de esquemas fraudulentos, ransomware e outros ataques digitais ainda exige atenção dos investidores. Além disso, pirâmides financeiras disfarçadas como oportunidades de investimento continuam a vitimar investidores, reforçando a necessidade de cautela ao ingressar nesse mercado.
Quais as vantagens de investir em criptomoedas?
Apesar dos riscos, investir em criptomoedas oferece uma série de vantagens para os investidores, principalmente aqueles interessados em diversificar a carteira em um mercado em ascensão, segundo especialistas consultados.
Horário expandido: O mercado cripto opera globalmente, 24 horas por dia, “sem depender de intermediários ou estar limitado por barreiras geográficas, permitindo acesso a ativos fora do tradicional”, diz, por nota, a exchange de criptomoedas OKX.
Valorização: Apesar da alta volatilidade, as criptomoedas oferecem potencial de valorização. Veja o exemplo do Bitcoin: em 2024, ano marcado por instabilidade no mundo todo, o Bitcoin subiu 183,25%, marcando seu melhor desempenho desde 2020, segundo levantamento da consultoria Elos Ayta. O Ibovespa, para efeito de comparação, caiu pouco mais de 10% no mesmo período.
Inovação: Além do potencial de valorização, muitas criptomoedas oferecem funcionalidades inovadoras, como os smart contracts, que estão transformando setores como finanças, saúde e logística, segundo a OKX.
Acesso e transparência: Outra vantagem é a crescente democratização do acesso: qualquer pessoa pode começar a investir com valores relativamente baixos, segundo a OKX. Além disso, segundo a exchange, a blockchain, tecnologia por trás das criptomoedas, garante transações seguras e transparentes.
Onde comprar criptomoedas?
Criptomoedas podem ser adquiridas diretamente em diversos locais, como exchanges, bancos e diretamente de outros investidores, e indiretamente via produtos financeiros, como em fundos oferecidos por gestoras e ETFs (fundos negociados em bolsa) disponíveis na B3.
Em algumas plataformas, o valor mínimo para investimento é acessível, começando a partir de R$ 1. Na hora da aquisição, é importante estar atento às tarifas cobradas, que podem incluir custos para saques, negociações, taxas de administração, entre outras.
Como guardar suas criptomoedas?
Após adquirir criptomoedas, é essencial armazená-las de forma segura para evitar perdas ou ataques cibernéticos. A maneira ideal de guardar os ativos varia, conforme o objetivo do investidor e o nível de familiaridade com o universo cripto. Confira as principais alternativas disponíveis:
Custódia de terceiros: Este método é geralmente oferecido pelas exchanges e é indicado para usuários iniciantes por sua praticidade. A principal vantagem é a facilidade na negociação das criptomoedas. Por outro lado, o investidor não tem controle sobre as chaves privadas (senha para acessar as criptos), o que pode aumentar os riscos em caso de falhas ou problemas na plataforma.
Carteira quente (hot wallet): É um tipo de carteira digital conectada à internet. Embora seja mais conveniente para quem realiza transações frequentes, essa conexão constante a torna mais suscetível a ataques virtuais. O usuário é responsável pela proteção das chaves privadas, assumindo total responsabilidade pela segurança dos ativos.
Carteira fria (cold wallets): As cold wallets, por sua vez, operam de maneira offline, sem conexão à internet, o que reduz os riscos de ataques cibernéticos. Elas são ideais para investidores que desejam armazenar suas criptomoedas a longo prazo. Contudo, essa opção pode dificultar transações rápidas, sendo menos prática para quem precisa de agilidade no dia a dia.