A medida afeta diretamente as stablecoins, criptos que são atreladas a outros ativos, como o dólar. Esses tokens, que recebem o nome de ‘dólar digital’ (quando são ligados à moeda americana), vêm sendo usados por brasileiros em viagens e remessas ao exterior – só em outubro, o volume mensal chegou a R$ 10 bilhões – justamente por serem isentos do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), hoje em torno de 3,5% nas transações com cartões internacionais.
Por enquanto, porém, as stablecoins continuam isentas do imposto. Em coletiva realizada nesta segunda, o diretor de Regulação do BC, Gilneu Vivan, afirmou que a definição sobre a equiparação cambial e eventual cobrança do IOF caberá à Receita Federal, mas ainda não há prazo para isso.
Tiago Severo, advogado especialista em regulação de criptomoedas e sócio do Panucci, Severo e Nebias Advogados, diz que essa resolucão cria sim o gatilho potencial para que a Receita Federal e o Ministério da Fazenda passem a interpretar ou regulamentar a incidência do IOF. No entanto, segundo ele, ainda será necessário editar uma norma específica sobre o tema.
“Essa mudança tem caráter eminentemente regulatório, não tributário: o Banco Central passa a supervisionar tais fluxos dentro do Sistema de Câmbio, exigindo registro e reporte, mas não cria, por si só, uma nova hipótese de incidência do IOF. A norma disciplina “quem pode” e “como pode” operar, sem alterar a regra-matriz tributária do imposto”.
Outras medidas
A regulacão é composta por três resoluções. Além da inclusão das operações com criptoativos no mercado de câmbio (BCB nº 521), ela trata também da autorização e funcionamento das prestadoras de serviços de ativos virtuais (SPSAVs) e da segregação patrimonial, regra que exige a separação entre as criptomoedas dos clientes e os recursos próprios das empresas.
A Resolução BCB nº 520, que entra em vigor no dia 2 de fevereiro de 2026, trata da estrutura e governança das prestadoras de serviços de ativos virtuais (SPSAVs), como exchanges e plataformas de custódia. As empresas que já operam no país terão até 270 dias após a entrada em vigor da norma para solicitar autorização ao BC e se adequar às novas exigências.
A resolução também define as categorias de atuação das empresas:
- Intermediárias de ativos virtuais: realizam compra, venda, troca, emissão ou staking (renda passiva);
- Custodiantes: responsáveis pela guarda e controle das chaves privadas;
- Corretoras: podem exercer tanto a intermediação quanto a custódia.
Além das SPSAVs, instituições como bancos múltiplos, comerciais, corretoras e distribuidoras de valores mobiliários e de câmbio também poderão oferecer serviços com ativos virtuais, desde que autorizados.
O texto também determina que os ativos dos clientes deverão ser mantidos em carteiras separadas do patrimônio da própria empresa, medida conhecida como segregação patrimonial. O objetivo é evitar o uso indevido dos recursos dos usuários e proteger seus saldos em caso de falência ou insolvência da corretora – uma resposta direta aos episódios que abalaram o setor, como a quebra da FTX em 2022.
Boa parte das corretoras locais já faz isso. Para reforçar a confiança, no entanto, as prestadoras terão de realizar provas de reserva e auditorias independentes a cada dois anos, com relatórios públicos de transparência, segundo a nova norma do BC.
Erik Oioli, sócio do VBSO Advogados, destaca que essas normas alinham o Brasil às melhores práticas internacionais. Ao exigir autorização prévia, capital mínimo e padrões rigorosos de governança e segurança cibernética, a confiança e interesse nesse mercado deve crescer mais.
Autorização e requisitos
Já a Resolução BCB nº 519, primeira do pacote, detalha os critérios para autorização das empresas que prestam serviços relacionados a criptoativos. As exigências incluem comprovação da capacidade econômico-financeira dos controladores, origem lícita dos recursos usados no capital social e reputação ilibada dos administradores.
O Banco Central também passa a exigir autorização prévia para eventos como início de operação, mudança de controle societário, alteração de estrutura societária e fusões entre prestadoras. Essa regra também entra em vigor no dia 6 de fevereiro do próximo ano.
Rodrigo Caldas Borges, sócio no Carvalho Borges Araujo Advogados, lembra que as resoluções incluem o Brasil no grupo de países que têm uma regulação clara. É o caso daqueles que cumprem em integralidade as diretrizes do GAFI, uma organização intergovernamental que promove políticas nacionais e internacionais de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.