Securitizadora é a empresa que transforma recebíveis ou dívidas em ativos financeiros que podem ser negociados. No caso dos CRIs, recebíveis imobiliários.
O InvestNews apurou que a securitizadora em questão é a Virgo, a segunda maior do país, com R$ 90 bilhões sob gestão fiduciária. Ela utilizou recursos do fundo de reserva para investir em um veículo que serviu para dar “garantia firme” (compromisso de compra) de uma outra operação de CRI estruturada por ela mesma. A operação não teve a demanda esperada, e o fundo em que estavam os recursos de reserva foi usado para comprar os papeis, concentrando o dinheiro em um ativo de baixa liquidez.
O responsável pela decisão, que é considerada uma quebra de governança, foi um executivo de alto escalão da Virgo, que foi afastado pela empresa assim que a situação foi descoberta, segundo fontes próximas à securitizadora.
Entenda a operação
Quando uma operação de CRI é montada, parte do valor levantado com a emissão é destinada a um fundo de reserva de despesas. Esses recursos servem para garantir que, em qualquer situação, haja o pagamento de juros, amortizações e outras despesas da operação. E também para proteger o investidor de uma eventual inadimplência ou problemas no fluxo da operação. Por isso, esse fundo tem que estar sempre disponível e separado dos recursos da própria securitizadora.
No caso da Virgo, recursos de fundos de reserva de CRIs da própria empresa foram aplicados, por decisão do ex-executivo, em um fundo chamado Allocation. O dinheiro desse fundo, por sua vez, foi utilizado para honrar uma “garantia firme” em uma nova operação de um novo CRI, da Oncoclínicas, no modelo built-to-suit — quando um imóvel é construído sob medida para o inquilino, com contrato de aluguel de longo prazo.
Por conta da baixa demanda de investidores pelos papeis da Oncoclínicas, a colocação do CRI não teve sucesso – e a garantia firme precisou ser exercida. Então, o fundo Allocation teve que ficar com o papel na carteira, concentrando parte do seu patrimônio em um ativo considerado de risco alto e pouco líquido.
Depois desse episódio, o executivo responsável pelas operações – que não tiveram anuência ou conhecimento dos fundadores da Virgo – foi demitido e a governança da companhia foi revista para evitar qualquer dano ou prejuízo aos cotistas.
Proteção aos investidores cotistas
A manobra do executivo que foi demitido descumpriu as melhores práticas do mercado. A legislação não especifica quais ativos devem compor o patrimônio dos fundos de reserva, mas, como pertencem aos investidores cotistas dos CRIs, esses recursos devem ser usados no melhor interesse deles.
Por esse motivo, é fundamental – e amplamente praticado no mercado – que esses recursos estejam alocados em ativos seguros, líquidos e de baixa volatilidade. É isso que permite a preservação do capital e o acesso rápido ao dinheiro no caso de qualquer intercorrência.
O fundo Allocation, conforme seu regulamento, tem a liberdade de aplicar o dinheiro em qualquer produto e ativos do mercado – inclusive naqueles com alto risco de crédito e que poderiam gerar “perdas substanciais do seu patrimônio líquido”. Dessa forma, considerando a segurança dos investidores, ele não serviria como alternativa aos recursos do fundo de reserva.
Além da falha na governança, a operação indica um potencial conflito de interesses. Afinal, o executivo da Virgo utilizou o dinheiro de fundos de reserva para aplicação em um produto que deu garantia para uma operação em que a própria empresa também estava envolvida (a securitização do CRI da Oncoclínicas).
Nos bastidores, alguns clientes decidiram interromper negócios com a Virgo diante da situação. A preocupação era de que o dinheiro dos cotistas do fundo de reserva pudesse estar comprometido. Segundo relatos obtidos pela reportagem, a operação também causou preocupação entre investidores dos CRIs originais.
Fontes familiarizadas com a operação destacam, porém, que, apesar da manobra envolvendo o fundo Allocation, recursos do fundo de reserva seguem aplicados também em produtos de elevada liquidez, o que não compromete o patrimônio dos cotistas – embora parte do dinheiro ainda possa estar exposto à operação de risco. Conforme as pessoas próximas ao caso, não houve prejuízo aos cotistas.
Procurada pelo InvestNews, a Virgo informou que “não comenta operações específicas nem rumores de mercado, mas reafirma que todas as suas atividades seguem estritamente a legislação vigente, as normas dos órgãos reguladores e as melhores práticas do mercado de capitais”.
“Desde sua fundação, a companhia já estruturou mais de 900 operações sem qualquer registro de atuação irregular por parte da securitizadora. Nenhuma dessas operações resultou em prejuízo a clientes ou investidores”, diz o comunicado.
A securitizadora também afirma que os compromissos assumidos vêm sendo cumpridos integralmente, com preservação do fluxo normal de pagamentos, resgates e demais obrigações contratuais.