O Brasil verá um 2026 de dupla personalidade. A primeira metade do ano vai ser parecida com o momento atual, ou seja, de alta da bolsa, fluxo estrangeiro para a renda variável e uma renda fixa lotada de recursos dos brasileiros. Mas daí, a partir do segundo semestre, começam as grandes incertezas.

Aqui no Brasil, as eleições para presidente, governador e Congresso prometem tornar os mercados mais voláteis. No mínimo. Só que tem mais: lá nos EUA vai ter a renovação de parte relevante do Congresso, em novembro, e mudanças no comando do Fed, o banco central americano, a partir de maio. Enquanto isso, teremos cortes de juros no Brasil e, possivelmente, nos Estados Unidos, um dólar ainda fraco, preocupações com uma eventual bolha de inteligência artificial e os mercados tentando digerir tudo.

De qualquer forma, a visão do executivo-chefe de investimentos (CIO) do UBS Wealth Mangement, Luciano Telo, e da chefe de macroeconomia no Brasil do banco suíço, Solange Srour, é de copo meio cheio: a bolsa vai continuar a valer a pena, assim como manter ações de big techs na carteira. É claro que tudo será temperado com uma boa dose de volatilidade.

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Quem tem medo da bolha de IA? O UBS não. Telo até reconhece que as bolsas americanas operam com valuations elevados, ou seja, valores de mercado que incorporam uma visão de resultados futuros para lá de exuberantes. Porém, não se trata de uma interpretação pontual dos investidores. A inteligência artificial é uma realidade e vai se manter como a principal influência sobre a economia dos EUA ao longo dos próximos anos.

Ou seja: quem tentar antecipar momentos de correção pode perder o bonde, já que é razoável a chance de não ocorrer uma queda substancial.

Emergentes ganham espaço

Na avaliação do UBS, os mercados emergentes devem se consolidar como uma das grandes estrelas dos portfólios globais em 2026. A questão central para os investidores é: os recursos de fora vão continuar a migrar para as bolsas e outros ativos dos países em desenvolvimento? A resposta do CIO do UBS WM é “sim”.

Com a expectativa de um dólar que vai se manter fraco e em meio a continuação de cortes de juros pelo Fed, os mercados emergentes passam a ocupar um papel mais relevante nas projeções para 2026.

O Brasil, por exemplo, surge como um potencial destino de recursos internacionais. Esse fluxo marcou o desempenho positivo do Ibovespa ao longo de 2025. E deve se estender, pelo menos, na primeira metade do ano que vem. Os especialistas do UBS veem ainda muitos fatores para as ações se manterem em alta. Conforme Telo, os ativos brasileiros seguem descontados em relação a outros emergentes.

Além disso, mesmo que o BC comece a cortar os juros no início do ano, as taxas do país vão se manter atrativas por um longo tempo. O cenário base do UBS é que o ciclo de reduções da Selic comece em março ou abril de 2026 e a taxa básica termine o próximo ano em 12,5%. As ações brasileiras, por sua vez, vão continuar a se beneficiar do dólar fraco e dos juros globais mais baixos.

E quais motivos para manter o otimismo com a renda variável no ano que vem? O afrouxamento monetário duplo, aqui e lá fora, vai funcionar como o principal catalisador para o desempenho das ações. Taxas de juros menores vão reduzir o custo de capital para as empresas listadas. As mais endividadas ganham um alívio com a redução das pressões financeiras.

Além dos juros menores, o banco espera um crescimento de lucros das companhias brasileiras de cerca de 18% no próximo ano. A alta seria resultado de uma demanda doméstica estável, salários reais em alta e investimentos estrangeiros crescentes.

O que pode dar errado?

A partir do fim do primeiro trimestre, a sucessão no Fed vai se tornar um evento importante para o mercado. Ainda que o mandato do atual presidente da autoridade, Jerome Powell, termine apenas em maio, a partir do momento em que o presidente americano, Donald Trump, confirmar um nome para a sucessão, o BC dos EUA passará, na prática, a ter dois chefes para o mercado. Isso porque os investidores vão começar a prestar tanta atenção às falas do futuro chairman quanto do atual.

Srour alerta que, caso o mercado interprete os sinais do novo presidente do Fed como sendo de alguém que vai se submeter à vontade do governo, isso poderia causar uma perda de credibilidade. Como a pressão de Trump é por juros mais baixos a qualquer custo, o mercado começaria a alimentar preocupações sobre uma volta dos riscos inflacionários e, com isso, novas turbulências vão atingir as bolsas e os juros. Em tal cenário, as taxas longas dos títulos americanos podem subir, exigindo prêmio maior do Tesouro dos EUA e das companhias para captar recursos.

Além disso, um presidente do Fed inclinado aos cortes de juros mais amplos não necessariamente implicaria em um dólar mais fraco, se o cenário de desconfiança se enraizar. Ao contrário, a incerteza poderia até levar a uma valorização global da moeda americana. Juros longos mais altos e dólar apreciado são uma combinação ruim para países como o Brasil, porque torna muito mais caro o financiamento externo.

O câmbio é um calcanhar de Aquiles

Mas tem ainda um outro lado da moeda. O Fed tem sinalizado que pode pausar os cortes de juros no início de 2026. O BC dos EUA enfatiza que as reduções atuais têm como objetivo combater o enfraquecimento do mercado de trabalho e evitar um aumento mais forte do desemprego. Por outro lado, os integrantes da autoridade sempre que podem manifestam o incômodo com o nível da inflação corrente ainda longe de sua meta de 2% ao ano.

Se o Fed tomar um rumo visto como mais duro ou hawkish, no jargão do mercado,  o dólar pode voltar a se fortalecer. Srour calcula que, nesse cenário de desvalorização do real frente à moeda americana, pode haver um repasse de cerca de 10% para a inflação brasileira por meio de preços de importados e bens transacionáveis. Ou seja: de cada 1% de inflação no Brasil, 0,10% viria de uma eventual alta da moeda americana.

Um outro fator será o cenário de votação. Conforme a eleição se aproximar no Brasil, alguns tópicos voltam a ganhar força. Srour reforça que o Brasil vai precisar enfrentar a questão fiscal, seja qual governo for eleito.

Com juros reais no maior patamar da história recente, desaceleração do PIB e esgotamento do impulso fiscal dos últimos anos, a trajetória da dívida pode se tornar insustentável sem reformas significativas. O déficit nominal (que conta os gastos do governo com os juros da dívida) alcançou 8,05% do PIB, e a dívida bruta deve fechar 2025 em cerca de 80% do PIB, níveis que elevam o prêmio de risco e deixam o câmbio sensível a choques.

A economista ressalta que qualquer governo eleito terá de apresentar um plano estruturado logo no início do mandato, com medidas impopulares e foco no controle de gastos obrigatórios — não apenas em aumento de arrecadação, que já está no recorde histórico. Se essa sinalização ocorrer ao longo da campanha, o mercado pode reagir de maneira otimista. “Programas críveis de ajuste fiscal geram reação imediata do mercado”, afirma.

2025 termina melhor que o esperado

Apesar dos choques externos, como as tarifas impostas durante o ano, os especialistas do UBS lembram que 2025 vai terminar de maneira bem mais benigna do que se imaginava no início do ano.

A economia global segue surpreendendo positivamente, com comércio internacional resiliente e inflação desacelerando em vários países. Esse ambiente tem ajudado a sustentar o desempenho dos emergentes, inclusive o Brasil, que deve encerrar 2025 com um crescimento do PIB próximo de 2% e inflação em torno de 4,5%, no teto da meta do BC.

O Brasil, portanto, vai navegar em 2026 entre avanços econômicos concretos e desafios estruturais que ainda demandam solução — especialmente no campo fiscal, como sempre.