Comprar dólar para viajar ao exterior e usar cartão de crédito na gringa ficaram mais caros após o aumento da alíquota do imposto sobre operações financeiras (IOF) neste ano. Mas uma alternativa vem ganhando cada vez mais adeptos no Brasil: as stablecoins.

As stablecoins são criptomoedas atreladas a outros ativos, como dólar, euro, ouro, real. As maiores do mercado são ligadas à moeda americana – daí o apelido carinhoso de “dólar digital”. Juntas, essas moedas somam um valor de mercado de US$ 222 bilhões – o equivalente a três vezes o valor da Petrobras.

No Brasil, as stablecoins ainda não são enquadradas oficialmente como instrumentos de câmbio. Por causa disso, as operações com essas moedas ficam de fora da cobrança do IOF, o que tem barateado o uso em viagens internacionais.

Há três principais formas de usar stablecoin no exterior:

A forma mais simples de usar dólar digital é por meio dos cartões cripto, que funcionam como cartões pré-pagos com bandeiras Visa ou Mastercard. Corretoras como OKX, Bitget e Crypto.com oferecem versões próprias, assim como aplicativos como Kast Finance e RedotPay.

O processo é simples: o usuário compra stablecoins (como USDC ou USDT) em uma exchange ou banco digital, usando reais, e depois transfere os ativos para o cartão previamente adquirido. A partir daí, pode usar o saldo em qualquer estabelecimento que aceite a bandeira.

Esses cartões não têm IOF. Alguns também não cobram taxas nem spread cambial — aquela margem que as instituições financeiras adicionam sobre a cotação do dólar. Já nos cartões tradicionais (crédito, débito ou pré-pago internacional), há IOF de 3,38% mais um spread que costuma variar entre 4% e 7%.

Quem testou esse modelo foi Ricardo Natali, educador financeiro associado à ABEFIN (Associação Brasileira de Educadores Financeiros). Ele conta que, em uma viagem recente à Europa, usou um cartão cripto carregado com stablecoins para pagar cafés, passagens de metrô e compras do dia a dia.

Segundo Natali, a própria cotação do dólar é mais barata em stablecoins, justamente pela ausência de impostos. “Se fosse no cartão de crédito, eu teria gastado 15% a mais na compra da moeda norte-americana. Na prática, se gastasse R$ 1.000, pagaria R$ 150 a mais”, explicou. Com o cartão cripto, a compra do dólar comercial fica apenas entre 2% e 4% superior, dependendo da conversão e do provedor, disse.

Outra forma é comprar stablecoins em uma exchange local e transferi-las para uma carteira cripto – um aplicativo em que é possível fazer a autocustódia dos ativos digitais e em que a responsabilidade pela segurança é totalmente do usuário. Algumas das carteiras mais conhecidas são MetaMask, Trust Wallet e Coinbase Wallet.

Muitos estabelecimentos no exterior já aceitam pagamentos em criptomoedas. Portanto, daria para pagar com stablecoins simplesmente abrindo o app e encostando na máquina do estabelecimento. Também seria possível sacar stablecoins convertidas em dólares em caixas eletrônicos específicos. Hoje, há 12.988 desses caixas nos EUA que permitem saques de USDT e USDC, segundo a plataforma CoinAtmRadar.

“Em caso de necessidade de dinheiro vivo, o saque em dólares pode ser feito em caixas eletrônicos internacionais (ATMs), com taxas simbólicas – muitas vezes gratuitas nas primeiras operações e, posteriormente, fixas em torno de US$ 1,50 por saque”, disse Felipe Martorano, analista da Levante Inside Corp.

As stablecoins também vêm sendo usadas para envio de dinheiro ao exterior – e fica mais em conta também. Sarah Uska, analista de criptoativos do Bitybank, fez uma simulação comparando o envio tradicional, via sistema SWIFT, com o envio em stablecoin. O valor considerado foi R$ 5 mil.

Via Swift Stablecoin
IOF 3,5% 0%
Taxas Média de US$ 20 por operação, mais spread de 1% a 2% Spread entre 0,1% e custo fixo de 0 a US$ 10 de taxa da rede blockchain (mineração)
Prazo 2 a 5 dias úteis 5 a 15 minutos
Valor final R$ 4.638 R$ 4.969

Na simulação, a transação com stablecoins é cerca de 6,65% mais barata.

“Com o aumento do IOF, remessas tradicionais, como envios de dinheiro para familiares ou contas pessoais no exterior, o uso de stablecoins tende a crescer bastante. Isso porque transferências em USDT, por exemplo, ainda não sofrem esse imposto diretamente, além de evitar os custos elevados de spread cambial”, disse Sarah.

Crescimento no Brasil

O uso dessas moedas digitais disparou no país. Segundo a empresa de análise em blockchain Chainalysis, o Brasil movimentou US$ 318,8 bilhões em criptoativos entre julho de 2024 e junho de 2025 – e 90% desse volume corresponde a stablecoins.

O governo também acompanha o movimento de perto – e já estuda tirar uma casquinha. No fim do ano passado, o Banco Central abriu uma consulta pública para discutir a equiparação das stablecoins ao câmbio, e novas discussões foram abertas neste ano. Por ora, porém, as criptomoedas estáveis (outro nome aportugueizado para essas criptos) seguem fora de uma legislação específica.

Riscos

Apesar dos benefícios, as stablecoins também têm riscos. Um deles é o regulatório. Como se trata de um mercado ainda recente, as regras estão em construção em vários países – e eventuais mudanças podem afetar diretamente essas criptomoedas.

Outros dois pontos são o lastro e a confiança na empresa emissora. Em tese, cada stablecoin precisa ser totalmente coberta por ativos de valor equivalente. Ou seja, para cada token emitido em dólar, deve haver a mesma quantia em caixa, títulos públicos ou outros instrumentos financeiros seguros.

No passado, porém, a Tether – emissora do maior “dólar digital” do mercado, o USDT – enfrentou questionamentos sobre a solidez de suas reservas e chegou, em alguns momentos, a perder em um episódio em 2023 a paridade com o dólar americano.

Além das stablecoins lastreadas em ativos, existem as stablecoins algorítmicas, que mantêm a paridade por meio de mecanismos automáticos de oferta e demanda, sem reservas em dinheiro. O modelo, no entanto, é mais arriscado. Em 2022, por exemplo, uma delas – a TerraUSD (UST) – entrou em colapso, desencadeando uma das piores crises do mercado cripto.