De maneira discreta, o grupo francês Casino deu mais um passo em seu lento desembarque do GPA, o grupo dono das redes Pão de Açúcar e Extra. Embora continue no conselho de administração e tenha indicados membros para o novo board, o Casino deu mais um sinal de que não pretender ter laços tão estreitos com a companhia brasileira.

Nesta segunda-feira (14), o GPA informou que recebeu uma carta de seu antigo controlador francês comunicando que vai retirar as garantias financeiras que havia dado em processos fiscais bilionários envolvendo a varejista brasileira. O Casino alega que, devido seu processo de recuperação judicial na França, as garantias oferecidas não seriam mais válidas.

Por trás dessa comunicação aparentemente corriqueira esconde-se uma disputa de R$ 2,55 bilhões entre GPA e Receita Federal relacionada à dedução fiscal de ágio — um valor extra pago em aquisições — em operações realizadas entre 2007 e 2013. Em termos práticos, o GPA caiu na “malha fina”.

A Receita Federal não concorodu com as deduções de impostos feitas pelo GPA em seu imposto de renda e aplicou uma multa ao grupo — pagamento que agora está em discussão.

A dimensão desse problema é significativa: esse valor representa mais da metade dos R$ 4,8 bilhões em contingências fiscais provisionadas pelo GPA, segundo seu último balanço. Essa provisão significa na prática que o GPA reconhece que, mesmo com um risco baixo, poderá ter que desembolsar esses valores no futuro.

A administração do GPA diz em seu balanço que, caso perca a disputa com a Receita, entende que deverá ser indenizada tanto pelo Casino quanto pela Península Participações, holding da família Diniz, fundadora do GPA, que foram seus controladores no período.

Até então, o Casino atuava como fiador do GPA nos processos junto à Receita, dando garantias para cobrir eventuais prejuízos. Agora, caso se efetive a saída das garantias do Casino, o GPA terá que achar outra fiança.

Diante da postura do grupo francês, o GPA reagiu. No comunicado desta segunda-feira, o grupo dono do Pão de Açúcar informou que “discorda da posição” do grupo francês e continuará considerando as garantias “plenamente válidas”, com a promessa de “adotar todas as medidas cabíveis” para defender seus interesses.

A varejista brasileira afirmou que já obteve decisões favoráveis em parte dos processos junto à Receita e que hoje não há impacto imediato em sua liquidez.

Uma situação parecida foi vista recentemente com o Assaí, ex-braço de atacarejo do GPA, cindido do grupo em 2021. O Assaí foi arrastado para cobranças fiscais ligadas a contingências históricas do grupo, com a Receita Federal determinando o arrolamento de seus bens – situação que o Assaí contestou alegando independência operacional.

Além dos R$ 4,8 bilhões já reconhecidos no balanço, o GPA ainda enfrenta disputas tributárias que podem somar até R$ 10,8 bilhões em riscos potenciais (ainda não provisionados no balanço) — parte disso envolvendo o Assaí.

O desembarque

A renúncia às garantias financeiras, que protegiam o GPA de eventuais perdas nestes processos, representa mais um sinal do desinteresse francês em manter qualquer vínculo substantivo com a operação brasileira.

A estratégia de saída discreta remonta a 2023, quando o grupo, em meio à sua recuperação judicial na França, reclassificou o GPA em seu balanço como “ativo para venda”. Este afastamento vem sendo conduzido nos bastidores com precisão cirúrgica. Sem declarações bombásticas, o Casino tem desfeito gradualmente seus laços com o Brasil.

O grupo francês Casino iniciou sua participação no GPA em 1999, adquirindo uma fatia minoritária. Em 2005, aumentou sua participação para 34,3%, e em 2012 assumiu o controle total da companhia, em uma intensa disputa com o empresário Abílio Diniz, filho do fundador do GPA.

Em março de 2024, o Casino teve sua participação diluída de 40,9% para 22,5% após um aumento de capital realizado pelo GPA, perdendo o controle da companhia. O Casino tem hoje 110,5 milhões de ações do GPA, uma participação avaliada em cerca de R$ 435 milhões.

Os pretendentes

Enquanto o Casino executa sua retirada à francesa, outros investidores se movimentam para ocupar o espaço deixado.

O empresário Nelson Tanure, especialista em empresas em situação delicada, foi um dos primeiros a notar os sinais. Em parceria com o Banco Master, o próprio Casino e o executivo Ronaldo Iabrudi, o grupo de investidores solicitou a destituição do atual conselho para formar um novo colegiado com nove membros – dois deles sob a indicação de Tanure, dois do Casino e dois de Iabrudi.

A movimentação não passou despercebida por Rafael Ferri, ex-sócio do TC e fundador da GTF Capital, que também identificou a oportunidade. Com aproximadamente 1,2% do capital, Ferri articulou alianças com outros fundos para somar cerca de 8% de participação, buscando garantir presença na assembleia marcada para 5 de maio. O movimento é coordenado com o grupo Coelho Diniz, que possui supermercados no interior de Minas Gerais.

Em processo de turnaround, o grupo dono do Pão de Açúcar enfrenta um desafio comum – e difícil – ao de outras empresas do varejo: juros altos e controle da dívida. No ano passado, o GPA registrou prejuízo líquido de R$ 2,41 bilhões, ainda pior que os R$ 2,27 bilhões de prejuízo registrado em 2023. Em 12 meses, os papéis sobem 36,2%; em um intervalo maior, de cinco anos, a queda supera os 90%.