A menina do RH, a vizinha do 506, sua prima e até o seu cunhado. De repente, parecia que todo mundo estava comprando na Shein, a varejista de origem chinesa que virou sinônimo de roupa barata e de entrega rápida – no Brasil e no resto do mundo.

Você sabe: o Brasil tem feito escola quando o assunto é erguer barreiras tarifárias contra a Shein e outras plataformas. Mas o país não está sozinho, de forma alguma.

A ascensão meteórica da empresa está gerando uma poderosa reação de vários países – sensíveis às pressões dos varejistas locais e preocupados com os impactos econômicos da ‘invasão’ dos produtos made in China.

Nos EUA, então, nem se fale. Embalado pelo discurso protecionista e nacionalista que tomou conta da eleição presidencial dos Estados Unidos, Joe Biden prometeu uma lei que vai criar por lá uma espécie de Remessa Conforme – o programa da Receita Federal brasileira que impôs novas regras de importação para o comércio eletrônico.

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Por aqui, a Receita obrigou as plataformas a identificar cuidadosamente os produtos vendidos, o que facilitou a cobrança dos impostos e acalmou os ânimos de varejistas nacionais. Foi o primeiro passo para dar fim à brecha que permitia a importação de produtos de até US$ 50 sem que houvesse a cobrança de impostos. Agora, até este valor, paga-se 20% de imposto de importação (ante 60% para compras mais caras), além do ICMS.

Comparado ao Brasil, os Estados Unidos não têm uma brecha, têm um porta da esperança: isenção de impostos para mercadorias importadas que custam até US$ 800. A empresa de dados Measurable AI calcula em US$ 71 o pedido médio do americano na Shein. Ou seja, praticamente tudo comprado ali entra nos States sem pagar impostos.

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Foto: Adobe Stock Photo

O efeito por lá foi o mesmo que o daqui: rapidamente, a Shein se tornou uma das principais plataformas de compras dos americanos, especialmente as mulheres mais jovens e cujo padrão de consumo é muito sensível aos preços.

Concorrentes locais como a Gap reconheceram a perda de espaço para a Shein e um estudo da consultoria de inteligência de mercado Sensor Tower estimou que mais de 30 milhões de americanos eram usuários ativos da Shein no terceiro trimestre de 2023, o dobro do calculado no mesmo período de 2021.

Biden está sob pressão de fabricantes e lojistas locais assim como Lula se amoldou às investidas públicas de representantes das varejistas – o CEO do Magalu, Frederico Trajano, disse que plataformas estrangeiras funcionavam como “camelódromo digital” e o então CEO da Marisa, João Nogueira Batista comentou “cara de pau!” em um post no LinkedIn no qual um executivo da Shein dizia que a empresa “é tão brasileira quanto as outras”.

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A Shein também teve seu modelo de negócios prejudicado por barreiras tarifárias impostas em mercados como a África do Sul e a Turquia. A União Europeia também estuda maneiras de proteger as cadeias têxteis locais. No Velho Continente estão as raízes de marcas globais como a H&M, da Suécia, e a Zara, propriedade da espanhola Inditex.

Mas, além das práticas comerciais, o impacto ambiental gerado pela Shein e também as políticas de transparência da companhia têm sido colocadas em xeque.

Nesta semana, autoridades da Itália abriram uma investigação contra a Shein. O governo italiano acusa a empresa de mentir sobre suas práticas de sustentabilidade e de enganar os consumidores italianos, especialmente nas coleções que recebem o selo “evoluShein”, cujas peças poderiam ser recicladas e seriam fabricadas a partir de fibras consideradas ecologicamente corretas.

A Itália também aponta inconsistências nos números apresentados pela Shein quanto à emissão de carbono total da sua atividade.

Em fábrica, homem costura tecido multicolorido vibrante em máquina industrial Jack, cercado por pilhas de material.
Trabalhadores costuram roupas em uma fábrica da Shein em Guangzhou, na China.

Créditos: Gilles Sabrie/WSJ

De volta aos Estados Unidos: parlamentares têm dito que a Shein não conseguiu comprovar que não compra algodão da região de Xinjiang – segundo esses congressistas, os chineses se valem de trabalho forçado por lá. A Shein tem repetidamente dito que tem “tolerância zero” com trabalho forçado.

A pressão ocidental já fez a Shein desistir de listar suas ações em Nova York e levou a empresa a transferir sua sede para Singapura a fim de tentar contornar as crescentes tensões entre Estados Unidos e China. Agora, a empresa tenta abrir capital em Londres.

Segundo o The Wall Street Journal, a Shein também está gastando mais em lobby, especialmente nos Estados Unidos, e aumentou a cooperação com os governos. No Brasil, o governo anunciou com estardalhaço um acordo de produção entre a Shein e a Coteminas, mas ele não saiu do papel. A Coteminas, aliás, está em recuperação judicial.

O modelo da Shein

A Shein contrata milhares de fábricas de tecidos na China que produzem rapidamente novas peças em pedidos relativamente pequenos. As encomendas são feitas a partir de uma permanente análise de demanda – por exemplo: se detectarem um boom de gente usando cartola lilás no TikTok, é possível que peçam para acelerar a produção de cartolas lilases.

Os produtos são enviados por via aérea para consumidores em mais de 150 países em uma cadeia logística complexa, mas eficiente, o que reduz os custos e é essencial para a estratégia de preços ultrabaixos.

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No Brasil e em alguns outros países, a Shein expandiu seu modelo para o marketplace, permitindo que outros lojistas pluguem seus estoques à plataforma. Nessa modalidade, a Shein ganha uma participação das vendas feitas por outros lojistas.

No primeiro trimestre deste ano, a empresa anunciou que estudava oferecer sua complexa cadeia produtiva para outras marcas e estilistas, o que foi visto como um movimento para diversificar o modelo de negócios – dados os desafios regulatórios que a Shein enfrenta.

Em pouco tempo, o mundo e as brechas que viabilizaram a ascensão da Shein estão deixando de existir. A questão é se ela já criou músculos suficientes para prosperar em uma realidade mais hostil.