Walter Schalka, o executivo que nos últimos 11 anos comandou a Suzano, maior fabricante de celulose do mundo, teve nesta segunda-feira (1) seu primeiro dia de férias de verdade em muitos anos. Schalka deixou a cadeira para seu sucessor, Beto Abreu, e está assumindo um assento no conselho da companhia. Na semana passada, em meio a despedidas e ao processo de passagem de bastão, ele abriu uma brecha para um desabafo e um wake up call (chamada de atenção) para executivos e empresários.
“Os executivos precisam olhar para fora da cerca das suas empresas. Há uma certa omissão de boa parte da sociedade e isso ajuda a explicar o status de baixo crescimento econômico do país”, disse Schalka ao InvestNews, reforçando que trazia sua visão pessoal sobre o tema.
Para o agora ex-CEO da Suzano, os executivos precisam se expor e defender reformas e mudanças estruturais no país, ainda que essa exposição custe acusações de ação em favor de um ou outro lado político, como já aconteceu com o próprio Schalka.
“Não sou Lula, nem Bolsonaro. Sou brasileiro”, desabafa o executivo.
Schalka foi uma das vozes a criticar o governo Bolsonaro por não conter o desmatamento na Amazônia. E também foi um dos signatários da Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito, de julho de 2022. Em janeiro de 2024, manifestou-se contra a política de subsídios à indústria adotada pelo governo Lula, que, na visão do executivo, não deram certo.
“Quando eu, de forma positiva, criticava ações do governo Bolsonaro, fui acusado de fazer o ‘L’ [expressão usada para se referir a quem apoiou a eleição do presidente Lula], coisas desse tipo. E quando eu falo do governo Lula, sou acusado de ser bolsonarista”, conta. “O Brasil precisa de reformas importantes, estruturantes. Mas temos a mania de querer endereçar o problema de curto prazo colocando band-aids.“
A classe empresarial, diz Schalka, costuma pensar que sua responsabilidade está restrita às questões internas: fazer a empresa ser melhor, ganhar eficiência na operação, gerar dividendos e emprego. “Isso é responsabilidade, sim, mas não é a única. É preciso olhar para fora da cerca e fazer as transformações”, diz.
A lista dos problemas elencados por ele é longa e conhecida: ineficiência do Estado, educação inadequada e que não prepara para o futuro, déficit de infraestrutura, invasão dos poderes legislativos, falha na segurança pública. O adiamento dessas soluções limita o crescimento potencial do país, que hoje é perto de 2%, mas poderia – e deveria, segundo ele – estar em 5% ou 6%.
Ver o país patinando nesses aspectos há décadas frustrou algumas vezes, admite Schalka. “Mas tenho resiliência. Temos uma responsabilidade geracional de endereçar algumas questões.”
“Tudo não terás”
Schalka foi CEO por 33 anos – antes da Suzano, ocupou essa mesma posição na Votorantim Cimentos. Nesse período, diz que não teve um único dia em que não checou e-mail e mensagens de WhatsApp. “A agenda do CEO é sequestrada”, afirmou, lembrando situações em que teve jantares com investidores em fim de semana, viagens internacionais bate-e-volta para atender clientes ou reuniões com governadores em dias, teoricamente, de descanso.
Para executivos de alto nível, como Schalka, essa dedicação costuma ter um custo alto para a família. Em meio às 30 reuniões individuais com diretores, visitas a todas a unidades da Suzano e um encontro virtual com todos os colaboradores, foi da família que veio um dos depoimentos mais emocionantes do processo de despedida de Schalka.
Mônica, com quem está casado há 39 anos, estava ao lado de Schalka no encontro virtual com os cerca de 40 mil colaboradores da Suzano. Os três filhos – Andréa, Beatriz e Gustavo – participaram virtualmente. Eles lembraram que, em meio à agenda atribulada do pai, houve sempre tempo para brincadeiras, para escorregar na grama com papelão, para buscar nas baladas de madrugada e para prestigiar todas as formaturas. “Na verdade, a gente teve tudo”, disseram.
Eles se referiam ao lema “tudo não terás”, que o pai sempre usou, em casa e no trabalho. O lema ajudou Schalka a gerenciar a frustração de quem esteve ao seu lado, mas também foi o que levou o executivo a ser considerado uma das vozes mais equilibradas no meio empresarial.
Novo ciclo
Schalka assumiu em janeiro de 2013 a posição de CEO da Suzano. Desde então, o valor de mercado da companhia saltou de US$ 3,82 bilhões para US$ 13,1 bilhões. Crescimento que reflete, em boa medida, negócios como a aquisição do negócio de tissue (como lenços de papel) da Kimberly-Clark no Brasil, concluída em 2023, e a inauguração da fábrica da WoodSpin, joint venture entre a Suzano e a finlandesa Spinnova, instalada na Finlândia, responsável por produzir fibra têxtil sustentável, reciclável e biodegradável. Agora em junho, fechou ainda a compra de 15% da Lenzing, também acionista da Spinnova.
Em julho, a companhia deve inaugurar o projeto Cerrado, um dos maiores empreendimentos da história da companhia. Localizada em Ribas do Rio Pardo (MS), a nova fábrica recebeu investimentos de R$ 22,2 bilhões e terá capacidade de produção de 2,55 milhões de toneladas por ano de celulose de eucalipto.
Depois disso tudo, segundo Schalka, estava claro que a Suzano passaria por um novo início de ciclo de investimento. “Quando se inicia um novo ciclo, é importante que alguém que tenha o horizonte inteiro desse ciclo esteja liderando esse processo”, explica. A missão foi entregue para Beto Abreu, que assume o posto de CEO.
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Schalka permanecerá na Suzano como membro do conselho de administração e de comitês. Também estará no conselho da Vibra e seguirá participando de projetos voltados para educação.
Antes disso tudo, tira “longas” férias de duas semanas. E diz que já está preparado emocionalmente para seu telefone tocar muito menos. “O que me move é ser um agente transformador”, diz o torcedor do Santos, que prometeu para a esposa que não passaria a almoçar em casa todo dia, como ela chegou a perguntar, brincando. Schalka terá um escritório na holding e diz que está longe o momento de colocar pijama.
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