Enquanto os investidores penalizavam as ações da Gol (GOLL4) nesta segunda-feira (15) após notícia de uma eventual recuperação judicial, analistas avaliavam as possibilidades sobre a mesa. A conclusão é de que as chances de sucesso do processo são relativamente boas, a exemplo do que ocorreu com a Latam em 2022. No entanto, a avaliação também é de que há pontos que colocam a companhia em desvantagem sobre as concorrentes – o que deve representar obstáculos importantes. Entre os principais, a receita da empresa e seus locais de operação.
O possível pedido de RJ não foi confirmado oficialmente pela Gol, mas o rumor é de que o processo seria feito nos Estados Unidos, onde a aérea brasileira também tem papéis negociados em bolsa de valores (os chamados ADRs). Segundo a “Folha de S.Paulo”, a companhia se prepara para aderir ao chamado Capítulo 11 da lei de falências norte-americana.
Questionada pelo InvestNews, a Gol não confirmou se estuda lançar mão da medida, mas enviou nota informando que “está em discussões com seus stakeholders financeiros sobre diversas opções que tragam maior flexibilidade financeira, incluindo capital adicional para financiar as operações”.
Considerando um pedido de RJ nos EUA, o processo seria semelhante ao que aconteceu com a Latam, que entrou em recuperação no país em 2020 com dívida total estimada à época em US$ 18 milhões, e encerrou o processo em 2022, com uma redução de 35% de sua dívida e um plano de reorganização de US$ 8 bilhões. A dívida da Gol é estimada em R$ 20 bilhões.
Os benefícios para a Gol em acionar a Justiça norte-americana em vez de pedir recuperação no Brasil seriam semelhantes ao processo da Latam. “É mais vantajoso que no próprio Brasil fazer isso. Isso abre mais possibilidades de financiamento no exterior e também traz uma previsibilidade para os credores”, comenta Gustavo Biserra, analista da Nova Futura Investimentos.
Já Hugo Queiroz, sócio da L4 Capital, cita pontos em comum que levam a crer que seja possível para a Gol seguir a trilha de Latam, que tem sede no Chile e operações no Brasil. Segundo ele, o fator do Chile ajuda (a Latam), “mas (na Gol) também tem listagem lá fora.”
“Se realmente tiver como concretas essas informações, pode ser uma medida interessante para a companhia entrar no eixo de novo e continuar suas operações de forma saudável, equilibrar suas contas ou todos os seus compromissos.”
Hugo Queiroz, sócio da L4 Capital.
Por outro lado, há motivos também para acreditar que uma RJ nos EUA não seja possível para a Gol. Um deles é que, ao contrário da Latam, a Gol não tem uma presença tão forte nos EUA para ajudar a sustentar a justificativa do pedido por lá.
“Pode não dar certo, porque a operação dos nos Estados Unidos da Gol é baixa. Pode ser que a Justiça Americana recuse, e aí a Gol vai ter que abrir essa recuperação judicial no Brasil”, diz Biserra, da Nova Futura.
De qualquer maneira, no Brasil ou lá fora, Queiroz avalia que a probabilidade de a Gol entrar mesmo em recuperação judicial “é alta, sim”, dado o nível de endividamento da empresa. “E o que agrava essa desalavancagem é a geração de caixa, conversão, que é muito baixa”, diz ele, citando ainda “volatilidade de receita”.
Buscando saídas
As companhias aéreas reestruturaram suas operações para se segurar após o baque da pandemia, cada uma à sua maneira. Como resultado, as três principais empresas que operam no mercado brasileiro conseguiram reduzir o prejuízo entre 2021 e 2022, conforme levantamento da plataforma Valor Pro. No entanto, a redução do rombo da Gol foi menor que das demais. Veja abaixo:
Já considerando os resultados mais recentes, a Gol voltou ao prejuízo no terceiro trimestre de 2023 após ter recolocado as operações no positivo no final de 2022, num movimento semelhante ao ocorrido com Azul (AZUL4).
Os números mostram que estratégias e modelos diferentes levaram a resultados diferentes. Nesse aspecto, especialistas comentam que, no caso da Gol, há pontos de dificuldade na comparação com Azul e Latam. E um deles é a condição de cada uma das empresas para enfrentar o descasamento cambial entre custos e receitas.
“O principal problema dessas empresas é que a maior parte dos custos delas é em dólar, enquanto as receitas são em real. Isso significa que a volatilidade no câmbio gera um impacto significativo nos resultados”, explica Ygor Araújo, analista da Genial Investimentos.
Nesse cenário, Queiroz, da L4, afirma que Azul e Latam saem na frente porque “têm receitas oriundas em dólar, então aquele chamado hedge natural acaba beneficiando em detrimento de Gol”. “Gol tem um pouquinho de parcela, faz voo para o Caribe, alguma coisa ali para Miami, mas é muito pequeno no todo da companhia”.
Araújo, da Genial, acrescenta que a Gol já operava de maneira mais alavancada antes da pandemia, e compara a situação também na busca de soluções de capital.
“A Latam entrou no Chapter 11 ali no pós-pandemia para tentar se reestruturar e conseguiu fazer o dever de casa e saiu da recuperação judicial. A Azul teve um processo de gestão de passivos muito bom, ajudada por um contato próximo com as empresas fornecedoras de aeronaves”, lembra.
“A Gol ainda tem uma dívida muito grande pela frente, com compromissos vencendo no curto prazo. A frota da Gol também é mais antiga, o que gera custos de manutenção mais elevados e atrapalha os resultados. A Gol até está conseguindo gerar caixa, mas os gastos com amortizações e pagamento de juros é muito grande, as variáveis de custo causam uma preocupação grande para a companhia.”
Ygor Araújo, analista da Genial Investimentos.
Essa preocupação se traduz nos números: em 12 meses até o terceiro trimestre de 2023, a relação entre dívida líquida e expectativa de geração de caixa medida pelo Ebitda (Lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) da Gol estava em 2,26, contra 2,04 da Azul.
Nesse cenário, Virgilio Lage, especialista da Valor Investimentos, considera que “hoje, a melhor empresa em melhor situação financeira é Azul”, que “está menos alavancada”.
Panorama das concorrentes
As três principais companhias do mercado brasileiro fecharam 2023 com aumento nos números de tráfego e taxas de ocupação.
A Azul teve um ano de tráfego de passageiros consolidado (RPKs) 12% maior que em 2022, com taxa de ocupação de 79,8%, aumento de 2,2 pontos percentuais. Já Latam teve alta de 23% do RPK e ocupação de 83,1%, alta de 1,7 p.p. A Gol, por sua vez, teve um aumento de tráfego menor que as concorrentes, de 8%, e taxa de ocupação de 82%, alta de 2 pontos.
Questionada pelo InvestNews, a Gol não comentou os números, enquanto Latam enviou nota dizendo que os resultados já eram esperados pela companhia, que “havia iniciado o ano com 100% do número de passageiros em relação à pré-pandemia”.
“A expectativa é de que este crescimento se mantenha, sem desaceleração, e com novas rotas, sendo quatro já neste mês (janeiro): Galeão-Manaus, Galeão-Recife, Galeão-Natal e Porto Velho-Manaus”, adiantou a companhia.
Os números da Azul também vieram dentro do esperado, conforme comentou André Mercadante, diretor de Alianças, Planejamento e RM da companhia. Para ele, os resultados “refletem o esforço da Azul em ampliar o número de destinos nacionais e internacionais, além da oferta de voos”.
Os números da Azul mostram particularmente uma diferença considerável nos segmentos de voos domésticos e internacionais. O crescimento do tráfego de passageiros em voos internacionais foi muito superior ao mercado doméstico (62,9% contra 2,5%).
Sobre esse ponto, Mercadante aponta que “a companhia ampliou sua malha internacional em 2023, o que é percebido no crescimento do (indicador) Clientes consolidados (RPKs)”. Somente em 2023, a Azul inaugurou 7 rotas internacionais, e atualmente voa para sete destinos em outros países: Paris, Lisboa, Orlando, Fort Lauderdale, Curaçao, Montevidéu e Punta del Este.
Enquanto isso, na concorrência, a estratégia da Latam também aponta para um reforço nas rotas para outros países. Com crescimento de 54% no número de viajantes internacionais em 2023, a empresa colhe os resultados da joint venture com a companhia norte-americana Delta, “que aumentou em 75% a capacidade combinada das empresas”.
A informação também foi enviada em nota pela empresa, que não ignora, porém, que precisou ajustar a operação nos últimos anos.
“A LATAM adotou medidas de recuperação ao longo da pandemia com o objetivo de suportar o período de crise e sair dela mais eficiente, e esta operação se revela hoje absolutamente assertiva, na medida em que a companhia está mais forte e eficiente do que em 2019. A LATAM se tornou uma organização com um balanço muito sólido.”
Como objetivo para 2024, a Latam definiu a meta de “adicionar 10 mil assentos à sua operação no Brasil todos os dias em 2024, pressionando o preço para baixo”, enquanto espera que as operações internacionais “continuem em recuperação gradual e para que volte ao patamar de 2019 em meados de 2024”.
O InvestNews também questionou a Gol sobre o cenário do mercado e mudanças na operação, mas não houve resposta. A companhia disse, no entanto, que “continua seus esforços anunciados anteriormente para melhorar a lucratividade e fortalecer seu balanço”.
*Colaborou Gregory Prudenciano.
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