A disputa entre o banco Bradesco (BBDC3 e BBDC4) e a Americanas (AMER3) chamou a atenção nesta semana após a varejista protocolar um documento em que insinua a participação do Bradesco na fraude sobre os números da empresa. Apesar da repercussão, o caso dificilmente terá impactos sobre a recuperação judicial da empresa, segundo especialistas.

As acusações contra o banco foram recusadas pelo desembargador Ricardo Negrão, da 2ª Câmara de Direito Empresarial, por serem levantadas de forma inadequada, segundo a avaliação do magistrado. O documento foi anexado em uma ação já existente e movida pelo próprio Bradesco desde janeiro.

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Segundo a decisão, o Bradesco não poderia ser investigado pois é o próprio autor da ação, que busca produzir provas sobre o rombo contábil de R$ 20 bilhões anunciado em janeiro pela varejista.

“O processo não é um fim em si mesmo. O objetivo dele é construir provas para uma eventual responsabilidade”, analisa Gustavo Mizrahi, sócio do escritório Vieites Mizrahi Rei Advogados. Para o jurista, é uma tentativa de aproximar a fraude do trio de acionistas de referência da Americanas – Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira.

Caso o processo de produção de provas chegue ao fim antes da Assembleia Geral de Credores, será possível pressionar por melhores condições na recuperação judicial. Porém, a especialista Grasiele Roque da Silva, do escritório Benício Advogados, acredita que esse cenário é improvável, visto que faltam poucas etapas para a votação do plano de recuperação pela Assembleia.

A ação Bradesco e a recuperação judicial são ações separadas, inclusive correndo em fóruns diferentes em São Paulo e no Rio de Janeiro, respectivamente. “No atual cenário, essas discussões travadas são paralelas”, diz Silva.

Desdobramentos possíveis da ação do Bradesco

“Esse é um procedimento muito mais de natureza investigativa”, afirma Mizrahi sobre a ação do Bradesco. “Tudo que está acontecendo pode de alguma maneira mudar a condição do plano de recuperação a ser votado.”

Thiago Massicano, sócio do Massicano Advogados, destaca que o banco é hoje credor do maior valor devido pelas Americanas: cerca de R$ 4,8 bilhões. “Hoje, uma recuperação judicial chega a perder em média 70% de ágio”, diz. 

“O interesse do Bradesco é acionar judicialmente os acionistas que detém condição financeira de salvar na integralidade a dívida com o banco”

Thiago Massicano, sócio do Massicano Advogados

Porém, os acionistas não podem ser implicados na dívida a não ser que seja comprovada sua participação direta na fraude. “Eles não são avalistas da empresa (…) A responsabilidade deles está sujeita somente aos atos que eles cometeram”, diz Massicano. 

Grasiele Roque da Silva explicou ao Investnews que, caso o plano de recuperação judicial já esteja aprovado quando houver a conclusão da investigação, ainda será possível utilizar as provas para embasar outras ações indenizatórias contra os responsáveis pela fraude.

Disputa jurídica não impacta ações na bolsa

Analistas do mercado financeiro analisam que, apesar de preencherem manchetes, as últimas notícias sobre a disputa judicial não impactaram as ações das empresas.

“O Bradesco já reconheceu o que ele deveria reconhecer, relacionado a provisões para devedores duvidosos, para possível inadimplência, no começo do ano”, diz Gabriel Bassotto, analista chefe de ações do Simpla Club.

Já no caso da Americanas, a ausência de repercussão se deve a queda acumulada pelo papel da empresa desde janeiro. As polêmicas e a dificuldade em fechar uma história unânime sobre o escândalo já deixaram suas marcas nos últimos meses. “Então, não vejo uma mudança radical de fundamentos”, continua Bassotto.

Uma mudança de cenário ocorreria apenas com a conclusão da ação movida pelo banco. “Caso o Bradesco tenha êxito (…) é possível esperar que as ações do banco (BBDC3, BBDC4) se valorizem”, afirmou em nota Milton Rabelo, da VG Research.