A Brookfield Asset Management apostava em lucros constantes quando assumiu o controle de três rodovias com pedágio em Lima, no Peru. Em vez disso, tropeçou em um campo minado político. Os pedágios geraram protestos públicos sobre os custos para os moradores de Lima, acusações de corrupção contra uma autoridade local e disputas entre a Brookfield e Lima.

Atualmente, um prefeito populista apelidado de Porky fez da rescisão do contrato de pedágio seu único objetivo, e a mais recente arbitragem da Brookfield alega que o Peru confiscou ilegalmente as rodovias.

Conhecido como Rutas de Lima, o projeto da Brookfield está impedido de cobrar pedágios importantes, perdendo dinheiro a cada dia e — de acordo com a S&P Global Ratings — correndo o risco de inadimplência a curto prazo. A empresa peruana de pedágios apresentou fluxo de caixa negativo nos últimos dois anos, de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto, que pediu para não ser identificada devido à sensibilidade da situação.

Se os investidores da Brookfield conseguirão um retorno decente ou sofrerão perdas significativas, isso pode depender dos tribunais. A empresa, em sua nova arbitragem contra o Peru, busca US$ 2,7 bilhões, o que a Brookfield afirma ser o valor da empresa (enterprise value) do projeto, segundo a fonte.

Parceria com a Novonor

A provação serve como um alerta para investidores que buscam projetos lucrativos em economias em desenvolvimento. Infraestrutura é uma das apostas mais promissoras em todo o mundo, já que governos com dificuldades financeiras não têm recursos para consertar pontes, ferrovias e redes elétricas em ruínas — e os mercados emergentes respondem pela maior parte dessas necessidades de investimento, de acordo com analistas da Aberdeen Investments. Mas essas apostas não são isentas de riscos.

Poucos meses depois de a Brookfield assumir participação majoritária no projeto em 2016, sua parceira no negócio se declarou culpada de suborno relacionado a outros projetos. Essa parceira, o conglomerado brasileiro Odebrecht (agora, Novonor), posteriormente enfrentou acusações semelhantes sobre as rodovias pedagiadas — as quais nega.

Lima e Brookfield já se enfrentaram tantas vezes em painéis de arbitragem e tribunais americanos por alegações de que a empresa obteve o contrato de pedágio por meio de corrupção que, em um parecer escrito, um juiz de Washington comparou a situação ao Dia da Marmota, em que o personagem de Bill Murray revive o mesmo dia repetidamente.

“Nossa confiança no Peru como um país para investir foi abalada e não podemos considerar o Peru para novos investimentos a menos que essas questões sejam resolvidas em tempo hábil”, disse Ben Vaughan, diretor de operações do Grupo de Infraestrutura da Brookfield, em um comunicado.

Autoridades peruanas disseram que a disputa não desencorajou outros investidores. Raúl Perez-Reyes, que foi ministro dos Transportes do Peru antes de se tornar ministro da Fazenda em maio, disse que tribunais e painéis de arbitragem lidarão com a disputa.

“É aí que isso precisa ser resolvido”, disse Perez-Reyes. “Não recebemos nenhuma reclamação ou pergunta sobre a Rutas de Lima de investidores de infraestrutura que nos visitaram.”

A Odebrecht, que mudou seu nome para Novonor, nega ter pago propina para obter o contrato das Rutas de Lima.

A Brookfield concordou em comprar a maior parte do projeto de pedágio da Odebrecht por US$ 430 milhões no início de 2016. O Peru estava crescendo rapidamente na época, e as estradas vinham com um acordo de 30 anos para reajustes regulares de preços.

Menos de um ano depois, a Novonor se declarou culpada em um tribunal federal dos EUA por subornar funcionários públicos em todo o mundo. A Odebrecht e outra empresa concordaram em pagar US$ 3,5 bilhões para resolver acusações com autoridades nos EUA, Brasil e Suíça, marcando o maior caso de suborno estrangeiro da época, de acordo com o Departamento de Justiça dos EUA. O ex-CEO da empresa foi condenado a 19 anos de prisão por corrupção.

Protestos em massa

Em Lima, uma cidade congestionada onde o salário mínimo equivale a cerca de US$ 300 por mês, os novos pedágios oneraram muitos motoristas, mesmo que viessem de estradas melhores. Assim, muitos cidadãos de Lima ficaram indignados com os novos pontos de cobrança na única rodovia que liga a cidade ao norte do país. Protestos em massa se seguiram. Manifestantes destruíram cabines e atiraram pedras contra a polícia. Dezenas foram presos.

O governo da cidade e os tribunais locais acabaram cancelando alguns pedágios, mantendo outros em operação. Isso fez com que a Brookfield arrecadasse apenas cerca de metade de sua receita prevista, o que pesou sobre as finanças do projeto.

Embora o projeto tenha apresentado lucro em alguns momentos, a S&P Global rebaixou a classificação de crédito da Rutas de Lima pelo menos quatro vezes em cerca de dois anos, a mais recente para CCC- em maio, situando-se em um patamar de risco elevado.

A agência de classificação de risco afirmou que a empresa pode entrar em default ainda este ano, o que representaria uma perda rara para a unidade de infraestrutura da Brookfield, bem como para os credores detentores de dívida da Rutas de Lima.

O projeto de pedágio recebeu inicialmente a classificação de grau de investimento da S&P Global.

A Brookfield vem lutando contra a cidade de Lima para restabelecer os pedágios — e vencendo — em vários fóruns há anos. Lima rebateu as ações da empresa alegando que o contrato era corrupto, mas dois painéis de arbitragem rejeitaram essas alegações e concederam à Brookfield cerca de US$ 200 milhões. A juíza Ana Reyes confirmou ambas as decisões em março de 2024 em um tribunal federal dos EUA.

Lima contratou novos advogados e está tentando anular as arbitragens, alegando que seus advogados anteriores tinham conflito de interesses. Reyes se mostrou cética em relação a esse novo argumento em uma audiência em maio.

A Brookfield não fez “nada de errado”, disse ela. “Tudo o que eles fizeram foi apresentar um caso e vencê-lo — e vencê-lo, e vencê-lo, e vencê-lo, e vencê-lo”, acrescentou. “Eles podem vencê-lo novamente.”

Vaughan, diretor de operações do grupo de infraestrutura, disse estar confiante de que sua empresa será “devidamente remunerada”. A gestora de recursos não efetuou a baixa contábil do valor do ativo, segundo pessoas familiarizadas com o assunto. Sua participação de 57% foi estimada em US$ 1,3 bilhão, segundo um relatório anual do ano passado.

A Brookfield sustenta que o caso é simples: a cidade deve a ela e a seus parceiros por todos esses anos de pedágios perdidos. A empresa recorreu também à ação contra o Peru, sob o Acordo de Livre Comércio Canadá-Peru, alegando que sua capital, Lima, não pagará a sentença arbitral confirmada em tribunal federal.

Autoridades em Lima afirmam que a disputa não é tão simples. Em documentos judiciais e em aparições públicas, elas argumentam que todo o acordo sobre a rodovia com pedágio é inválido por ter sido resultado de atos de corrupção.

Acusações de suborno

Em 2022, promotores peruanos apresentaram uma denúncia contra a ex-prefeita de Lima, Susana Villaran, sobre o contrato original de pedágio. Ela deve ir a julgamento em setembro para enfrentar as acusações de ter recebido propina da Odebrecht quando aprovou o contrato, cerca de 12 anos atrás.

A ex-prefeita nega qualquer contrapartida, mas reconheceu ter recebido uma contribuição de campanha da Odebrecht para apoiar uma campanha anti-recall em 2013, que ela acabou vencendo.

A Odebrecht afirmou que a contribuição teve “caráter estritamente eleitoral, sem qualquer contrapartida ou benefício para a empresa”.

O atual prefeito de Lima, Rafael López Aliaga — um católico rico e conservador que adotou o apelido de Porky devido à sua semelhança com o personagem de desenho animado — disse em entrevista à Bloomberg que está lutando contra as rodovias com pedágio para defender “os mais pobres e os cidadãos da cidade”. “Não é para mim”, disse o prefeito.

O prefeito está em desacordo com a Brookfield desde o início de seu mandato em 2023. Ele se recusou a pagar os valores concedidos à empresa de investimentos pelos árbitros e chamou os procedimentos de arbitragem de “fraude” na entrevista.

Os árbitros envolvidos no caso não responderam a um pedido de comentário.

Em um comunicado anexado ao processo de arbitragem das Rutas de Lima, o Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio de Lima afirmou que “a arbitragem tem todas as garantias do devido processo legal”.

“Contrariar ou ignorar decisões arbitrais viola os próprios fundamentos do Estado de Direito, os tratados de proteção de investimentos e o desenvolvimento econômico do país”, continuou o comunicado, acrescentando que desrespeitar tais decisões deteriora a imagem do Peru “como um país civilizado e respeitável”.

Em público, o prefeito se refere ao projeto como Ratas de Lima — ou Ratos de Lima.

Mais recentemente, López Aliaga adotou uma abordagem diferente — aparentemente se apoiando em seus laços com o presidente dos EUA, Donald Trump. Lopez Aliaga contratou o advogado Martin De Luca, da Boies Schiller Flexner, ligado a Trump, para assumir os casos contra a Brookfield. Durante a semana da posse de Trump, Lopez Aliaga postou uma foto nas redes sociais com o bilionário mexicano Carlos Slim e De Luca, que representou o Trump Media & Technology Group em processos judiciais não relacionados. O prefeito de Lima usou as hashtags #Trump e #MAGA.

“O povo de Lima está lutando para defender seus direitos contra a corrupção”, disse De Luca em um comunicado por e-mail. “A Brookfield está lutando para proteger sua avaliação de US$ 2,7 bilhões.”

A Brookfield contratou sua própria representante republicana, a ex-deputada da Flórida Connie Mack IV, que criou um site, chamando as táticas legais do prefeito de Lima de “frívolas” e “desesperadas”.

Alguns analistas temem que o imbróglio das Rutas de Lima tenha potencialmente manchado a reputação do Peru junto aos investidores. O país construiu, ao longo de décadas, uma posição como uma região relativamente favorável aos negócios, embora propensa a convulsões políticas.

As ações de Lima contra o projeto da rodovia pedagiada “deterioraram o processo de construção de confiança do país”, disse Gonzalo Tamayo, especialista em infraestrutura da Macroconsult e ex-ministro de Energia e Minas.

Luis Miguel Castilla, ex-ministro da Fazenda, disse que ficaria preocupado se o Peru não cumprisse suas obrigações com a Brookfield. Isso poderia dissuadir outros investidores, disse ele, estabelecendo “um precedente muito ruim”.