Na Bahia, o fazendeiro Moisés Schmidt está desenvolvendo a maior fazenda de cacau do mundo.

Seu plano é revolucionar a forma como o principal ingrediente do chocolate é produzido, cultivando cacaueiros de alto rendimento, totalmente irrigados e fertilizados, em uma área maior do que a ilha de Manhattan, que atualmente não é conhecida pela produção das amêndoas.

O plano de US$ 300 milhões de Schmidt é o maior e mais inovador da região, mas não é o único. Há projetos superdimensionados semelhantes em desenvolvimento, alguns deles quase tão grandes, já que grupos agrícolas bem capitalizados buscam aplicar a experiência em agricultura em escala industrial à produção de cacau para lucrar com os preços altíssimos do produto.

Se esses planos derem certo, o centro de gravidade do setor poderá se deslocar da África Ocidental para o Brasil.

“Acredito que o Brasil vai se tornar importante região para o cacau no mundo”, disse Schmidt à Reuters, enquanto caminhava em meio a fileiras e mais fileiras de novos cacaueiros na região do Cerrado.

Ele estima que até 500 mil hectares de fazendas de cacau de alto rendimento poderiam ser implantadas no Brasil em dez anos, o que produziria até 1,6 milhão de toneladas de cacau.

Em comparação, o Brasil produz atualmente apenas cerca de 200 mil toneladas, enquanto a Costa do Marfim, maior produtor mundial, colhe dez vezes mais do que isso. Gana, o segundo maior produtor global, produz cerca de 700 mil toneladas de grãos.

Atualmente, o setor global de cacau está em crise. A produção está falhando na Costa do Marfim e na vizinha Gana, que, juntas, cultivam mais de 60% do cacau do mundo. Uma combinação potente de doenças nas plantas, mudanças climáticas e plantações envelhecidas levou a três anos consecutivos de queda na produção.

Isso tem sido uma má notícia para os amantes do chocolate. Os preços do cacau quase triplicaram em 2024, atingindo um recorde de US$ 12.931 por tonelada métrica em dezembro. Desde então, o preço caiu para cerca de US$ 8.200, mas continua bem acima das médias históricas.

Oportunidade na crise?

Para Schmidt e outros agricultores no Brasil, a crise é vista como uma oportunidade.

A empresa familiar Schmidt Agrícola começou a se preparar para cultivar cacau em 2019 depois de concluir, com a ajuda de uma avaliação interna do mercado de cacau, que haveria um déficit de fornecimento no futuro.

“Simplesmente não imaginávamos que isso aconteceria tão cedo”, disse ele, enquanto caminhava pelas estufas de mudas da fazenda.

Sua fazenda planejada de 10 mil hectares deixaria pequenas as propriedades da África Ocidental, que normalmente se estendem por algumas dezenas de hectares. Há grandes fazendas em outros países produtores, como Equador e Indonésia, algumas delas com mais de mil hectares, mas ainda muito menores do que o gigante planejado por Schmidt.

O plano é aplicar técnicas de agricultura em larga escala à fazenda de cacau totalmente irrigada, como se fosse um campo de soja ou milho. As árvores da fazenda, no município de Riachão das Neves, no oeste da Bahia, serão agrupadas, deixando apenas espaço suficiente entre elas para a irrigação mecanizada e a aplicação de fertilizantes e pesticidas.

Schmidt está plantando 1.600 árvores por hectare nas novas áreas, em comparação com apenas 300 árvores em fazendas convencionais. A concentração deve significar um rendimento muito maior por hectare.

“A única coisa que ainda não é mecanizada é a colheita de frutas das árvores”, disse o agricultor.

Alguns veem esse método de cultivo como um divisor de águas.

“Daqui a cinco anos, tudo o que sabíamos sobre a produção de cacau terá mudado”, disse Tales Rocha, agrônomo de cacau da TRF Consultoria Agrícola, uma empresa que presta consultoria a agricultores no Brasil.

Rocha disse que a região do Cerrado no oeste da Bahia tem a topografia ideal para a agricultura de larga escala, com suas extensas áreas planas.

Grupos agrícolas como a Schmidt Agrícola já produzem soja, milho, algodão e frutas em milhares de hectares no oeste da Bahia, uma região com amplo suprimento de água.

Sementes de cacau
Sementes de cacau. Foto: Bloomberg

Milhões de mudas

Nas novas fazendas, os cacaueiros são cultivados a céu aberto, com muita luz solar. Isso contrasta com as plantações tradicionais de cacau em outras partes do Brasil e do mundo, onde os cacaueiros dividem espaço com outros tipos de árvores e recebem alguma sombra.

Schmidt está desenvolvendo árvores de alto rendimento por meio de uma operação de mudas que ele administra desde 2019. Sua equipe produziu novas variedades de cacau por meio da chamada seleção positiva, um projeto de anos em que as mudas são multiplicadas a partir de material retirado das plantas que produziram a maior carga de frutos em campos de teste.

As árvores de alto rendimento plantadas em cerca de 400 hectares na primeira fase do projeto estão produzindo cerca de 3 mil quilos por hectare (kg/ha), ou dez vezes a produtividade média das áreas tradicionais de cacau no Brasil. Schmidt disse que sua meta é passar de 4 mil kg/ha. Isso seria oito vezes o rendimento médio de 500 kg/ha do maior produtor, a Costa do Marfim.

Produções muito altas, acima de 2 mil kg/ha, foram alcançadas em pequenos campos de teste administrados pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), a agência de pesquisa de cacau do Brasil, usando alta densidade de plantas.

Os pesquisadores, no entanto, disseram que os resultados precisariam ser confirmados com o plantio em maior escala e acrescentaram que havia dúvidas sobre a viabilidade econômica dessa prática, que exigiria cuidados extensivos com a cultura e mão de obra.

A instalação do viveiro de Schmidt, que opera como uma empresa separada chamada BioBrasil, usa maquinário de propagação da fabricante de equipamentos florestais dinamarquesa Ellepot, com capacidade para produzir 10 milhões de mudas por ano. Ele produz as árvores para a fazenda gigante planejada e também vende mudas para outros projetos de cacau no Brasil.

Algumas pessoas no mercado, no entanto, não têm tanta certeza de que esse tipo de expansão ocorrerá de fato no Brasil.

“Como sempre, o preço é o principal fator determinante. Em torno de US$4.000 por tonelada, o Brasil mal se interessou”, disse Pam Thornton, veterana consultora de cacau e comerciante de grãos.

“Depois de conversar com muitos fazendeiros brasileiros e visitar várias grandes fazendas comerciais, acredito que os preços mundiais precisam demonstrar que permanecerão próximos aos níveis atuais por mais um ano ou mais para que eles expandam a área cultivada e, provavelmente, vários milhares de dólares a mais para que isso ocorra de forma significativa”, disse ela.

Schmidt diz que o cacau de sua operação seria lucrativo mesmo a cerca de US$ 4 mil por tonelada. “Acima de US$ 6 mil, é muito lucrativo, muito melhor do que a soja ou o milho”, disse ele.

As projeções de oferta e demanda de longo prazo parecem positivas para os preços, considerando que a produção na África Ocidental está estável ou “presa em um longo ciclo de resultados decrescentes”, disse o veterano corretor e analista de cacau dos EUA, Marcelo Dorea, CEO da M3I Capital Management.

“O mercado deve, portanto, buscar fontes alternativas de produção significativa”, disse ele, acrescentando que o Brasil parece ser uma opção natural, considerando o know-how do cacau e a disponibilidade de terras.

‘Big Cocoa’ de olho

A Schmidt Agrícola cultiva mais de 35 mil hectares com soja, milho e algodão na Bahia. Ela tem acordos preliminares por meio de memorandos de entendimento com produtores de chocolate e comerciantes de cacau, disse Schmidt.

A Cargill, uma das maiores comerciantes de commodities e processadoras de alimentos do mundo, já é parceira na fase inicial, que abrange os 400 hectares, e está em negociações para expandir a parceria.

Schmidt disse que quase todos os grandes comerciantes de cacau ou empresas de chocolate estão conversando com ele e com outros agricultores no Brasil sobre acordos de expansão e fornecimento.

As parcerias incluiriam investimentos para desenvolver os projetos e, em troca, as empresas investidoras garantiriam o fornecimento de cacau, disse ele.

“Estamos trabalhando nos contratos agora”, disse ele, recusando-se a nomear as empresas, citando cláusulas de não divulgação.

A Barry Callebaut, maior fornecedora mundial de produtos de cacau e chocolate, está em negociações para fazer parceria com o grupo agrícola Fazenda Santa Colomba em um investimento para formar uma fazenda de cacau de 5 mil a 7 mil hectares no município de Cocos, no oeste da Bahia, disseram à Reuters duas fontes familiarizadas com a negociação.

A Santa Colomba não quis comentar.

A Barry Callebaut confirmou que assinou uma parceria com um grupo de agricultores no Brasil para uma fazenda de cacau de 5.000 hectares na Bahia, mas não quis citar o nome do grupo. O acordo faz parte da Future Farming Initiative, programa lançado pela empresa para impulsionar a agricultura de cacau de alta tecnologia e diversificar sua presença geográfica.

“Estamos fazendo um bom progresso com a FFI e continuamos a ver o interesse de parceiros, clientes e investidores em todo o mundo”, disse.

A Mars, produtora americana de barras Snickers e M&Ms, montou um campo de testes de cacau não muito longe da fazenda de Schmidt em Riachão das Neves.

A empresa disse que seu campo de testes na área faz parte de seus esforços para lidar com as mudanças climáticas e a queda da produtividade do cacau em todo o mundo.

“A Bahia é atraente devido à topografia plana, solos férteis, disponibilidade confiável de água e infraestrutura agronômica estabelecida”, disse Luciel Fernandes, gerente do Centro de Ciência do Cacau da Mars no Brasil.

Riscos potenciais

Uma das principais pesquisadoras de cacau no Brasil, no entanto, está preocupada.

A fitopatologista Karina Peres Gramacho, que trabalha para a Ceplac, acredita que há riscos para os planos de extensas plantações de cacau no oeste da Bahia.

O fato de cada um desses megaprojetos se basear em milhares de clones do mesmo tipo de árvore poderia deixar os futuros campos vulneráveis a doenças, que são muito comuns no cultivo do cacau.

O Brasil já foi o segundo maior produtor de cacau, atrás apenas da Costa do Marfim, mas um fungo devastador na década de 1980, conhecido como Vassoura de Bruxa, dizimou milhares de hectares de plantações de cacau.

Gramacho apoia a ideia de usar variedades mais desenvolvidas e adequadas à região, geralmente híbridas que combinam qualidades de mais de um genótipo.

Alguns analistas do setor também têm dúvidas sobre a qualidade do cacau que seria cultivado sob a luz direta do sol, pois os frutos produzidos na sombra são normalmente considerados de sabor superior.

Cristiano Villela Dias, diretor científico do Centro de Inovação do Cacau (CIC) do Brasil, diz que alguns testes iniciais com os frutos produzidos no oeste da Bahia não indicaram nenhuma diferença perceptível no sabor.

“A qualidade das amêndoas é muito semelhante ao melhor cacau produzido no Brasil ou em outros países”, disse Villela, acrescentando que o tratamento pós-colheita ideal, especialmente com fermentação e secagem, faria uma diferença maior na qualidade das amêndoas.

A Mars disse que testou o cacau produzido na área e não identificou “uma diferença fundamental no sabor ou na qualidade que esteja direta e exclusivamente associada ao cultivo a pleno sol”.

(Reportagem de Marcelo Teixeira)