O Brasil pode se tornar um país protagonista em políticas voltadas para questões ambientais após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente do Brasil e sua participação na COP27. É o que avaliam especialistas consultados pelo InvestNews. Eles alertam, no entanto, que o desmatamento e estruturação de instituições responsáveis por políticas públicas voltadas ao setor devem ser desafios para o próximo governo.
Entre os principais pontos das propostas ambientais citadas no plano de governo de Lula estão o enfrentamento das mudanças climáticas, avanço na transição energética, cumprimento das metas de redução de emissão de gases associados ao efeito estufa que o país assumiu na Conferência do Clima de 2015, defesa da Amazônia da devastação e combate ao desmatamento ilegal.
Rogerio Aparecido Machado, professor de química e meio ambiente da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é um dos que acreditam na retomada do protagonismo do Brasil nos assuntos relacionados ao meio ambiente, principalmente quanto ao desmatamento da Amazônia, emissão de gases que contribuem para o efeito estufa e a volta de discussões sobre como reduzir de forma efetiva a crise climática mundial.
Na mesma linha, Alexandre Furtado, presidente do comitê de informações ESG da Fundação Getulio Vargas e sócio e diretor de ESG da Grant Thornton, também espera que o novo governo perceba a oportunidade de transformar o Brasil em protagonista mundial nas questões ambientais, principalmente, nas relacionadas ao clima.
“Espero que o novo presidente tenha habilidade em perceber que, para protegermos o meio ambiente, precisamos de muitos recursos financeiros, aproveitando a COP 27, para nos tornarmos um dos principais receptores de recursos financeiros para proteção de nossa fauna e flora. O mundo depende bastante de nossas florestas para manterem as metas climáticas ‘ acordadas’ ”, afirma Furtado.
José Roberto Kassai, mestre em meio ambiente e professor e colaborador da Fipecafi Projetos, também diz estar otimista pela possibilidade de o Brasil voltar de forma proativa ao cenário internacional como indutor, protetor e conservador dos recursos naturais, passíveis de mitigação e também adaptação, suporte, provisão e regulação dos efeitos das mudanças climáticas.
“A sustentabilidade não foi a principal bandeira levantada no governo anterior e nunca se falou tanto da Amazônia e da necessidade de sua preservação, principalmente em nível internacional e, com isso, são esperadas para o setor agropecuário e, principalmente para Amazônia, políticas públicas direcionadas para produção e conservação de forma sustentável ”, aponta Kassai.
Promessas de campanha: o que esperar?
Rogerio Aparecido Machado, professor do Mackenzie, diz acreditar que é possível esperar avanços nas políticas ambientais do Brasil, pois o país regrediu e chegou a estacionar em alguns fatores e que, para isso, é necessário vontade política para avançar nestas questões.
“Colocando apenas a disposição do governo em enfrentar estes pontos, já mostra para o mundo a postura de aceitar ajuda e trabalhar junto com outros países para diminuir a situação crítica pela qual passa o mundo atualmente. Este gesto de boa vontade pode abrir portas para trabalhos em conjunto com países realmente interessados na causa ambiental”, defende Machado.
Furtado também avalia como possível a prática das promessas ambientais do presidente eleito, pois o mundo está com muito dinheiro para financiar projetos sustentáveis que acabem com o desmatamento e que consigam reduzir a zero até o ano de 2050 a emissão de gases nocivos ao efeito estufa.
“O novo governo deu sinais de que vai aproveitar essa oportunidade, já declarou que vai acabar com o desmatamento, e o presidente eleito foi para a COP 27 demonstrar a importância das questões climáticas para o país”, destaca o presidente do comitê de informações ESG da Fundação Getulio Vargas.
Para João Alfredo de Carvalho Mangabeira, gestor de projetos ambientais do NECMA/USP, também é viável a execução das propostas ambientais de Lula e, segundo ele, é possível esperar bons avanços, principalmente no controle e monitoramento do desmatamento, pela redução ou mitigação de redução de gás carbônico e pelo incentivo à produção de agricultura de baixa emissão de carbono, entre outros.
Desafios ambientais no governo Lula
Apesar do otimismo para as questões ambientais com o próximo governo, os especialistas consultados pelo InvestNews destacam que existem alguns pontos que podem ser desafios nesta temática ao presidente eleito.
Para Furtado, entre eles estão: combater o desmatamento, investir em tecnologias de plantio de alimentos e de pecuária que evitem o aumento da emissão de gases nocivos e respeitem o meio ambiente e o país se tornar protagonista e modelo nas questões ambientais.
Segundo o presidente do comitê de informações ESG da Fundação Getulio Vargas, um dos motivos é que o Brasil possui uma das maiores reservas florestais do mundo, consequentemente, é um dos responsáveis pela manutenção do quadro climático favorável para a continuidade da existência do planeta. Por isso, de acordo com Furtado, o país tem a obrigação de mostrar para o mundo que é responsável.
Outro fator desafiador é, segundo Kassai, a reestruturação das instituições federais responsáveis pelas políticas públicas de fomento, avaliação e fiscalização do meio ambiente. Já no âmbito internacional, o professor da Fipecafi Projetos destaca que é necessário promover a valorização das florestas brasileiras, não apenas como sumidouros de carbono, mas, também, como reguladoras do clima e umidade do planeta.
Governo Bolsonaro: questões ambientais ficaram para trás?
Machado avalia que a não priorização das questões ambientais no governo de Jair Bolsonaro deixou uma imagem negativa do Brasil junto a investidores mundiais. Segundo ele, uma das questões deixadas para trás pelo atual governo foi o desmatamento.
“No seu primeiro discurso, o novo presidente já demonstrou que um dos principais pilares de seu governo será a luta contra o desmatamento, dizendo que vai acabar de vez com esse problema. Vamos aguardar para ver, mas acho que essa agenda veio para ficar, até porque está na mesa o desbloqueio de US$ 3 bilhões de recursos do Fundo da Amazônia, bloqueados pelos seus financiadores, Alemanha e Noruega, durante início do governo atual, por exemplo”, avalia Furtado.
Já Kassai destaca o setor agropecuário. Segundo o mestre em meio ambiente, é necessário diminuir os efeitos adversos climáticos para garantir a segurança alimentar, retomar apoio à agricultura familiar, além de ser preciso também reforçar o Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), garantindo, assim, escala de produção para o setor agropecuário e reativar programas como a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), principalmente nos municípios, para aquisição de alimentos para merenda escolar e hospitais.
Para Celso Lemme, professor de Finanças e Sustentabilidade do Coppead/UFRJ, uma série de parcerias importantes ficaram para trás nas questões ambientais do atual governo, mas, segundo o docente, elas podem voltar no governo Lula.
“As condições estão todas colocadas, os processos não foram desarmados, apenas os contatos foram interrompidos. É uma questão de agenda, que ficou parada e pode voltar a caminhar sem um grande esforço. A governança e estrutura estão preparadas para deslanchar esse processo”, diz Lemme.
Meio ambiente: pautas urgentes
De acordo com dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima, as emissões de gases de efeito estufa do Brasil tiveram em 2021 sua maior alta em quase duas décadas. No ano passado, segundo o SEEG, o país emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de CO2 equivalente, um aumento de 12,2% em relação a 2020 (2,16 bilhões de toneladas).
Ainda em 2021, as emissões por desmatamento também foram as principais responsáveis pela elevação. Impulsionadas pelo terceiro ano seguido de crescimento da área desmatada na Amazônia e demais biomas no governo de Jair Bolsonaro, as emissões por mudança de uso da terra (MUT) e florestas tiveram alta de 18,5%. A destruição dos biomas brasileiros emitiu 1,19 bilhão de toneladas brutas no ano passado, mais do que o Japão, contra 1 bilhão de toneladas em 2020.
João Alfredo de Carvalho Mangabeira, gestor de projetos ambientais do NECMA/USP, explica que a alta no desmatamento no ano passado, em especial na Amazônia, colocou o Brasil na contramão do planeta, deixando-o em desvantagem no Acordo de Paris.
Para o professor do Mackenzie Aparecido Machado, desmatamento e exploração desenfreada de minerais na Amazônia, saneamento básico em cidades de pequeno e médio porte, lixões pelo país todo, poluição dos rios em cidades grandes, utilização de agrotóxicos proibidos e aparato para incêndios florestais, como do Pantanal e outros biomas, estão entre as principais urgências climáticas do Brasil.
Lula na COP27: efeitos positivos
Ao participar na semana passada da cúpula do clima da Organização das Nações Unidas (ONU) COP27, no Egito, Lula disse que a mudança climática será o maior destaque de seu governo e que priorizará os esforços para combater o desmatamento.
Furtado, da Fundação Getúlio Vargas, avalia que a ida de Lula à COP 27 foi um grande ponto positivo do novo governo e que pode transformar o Brasil em um dos maiores receptores de financiamento mundial de seus projetos ambientais.
“O Brasil pode virar protagonista mundial das questões climáticas, se aproveitando da oportunidade que outros países e continentes estão dando, como os Estados Unidos, mais preocupados com seus problemas econômicos de inflação. Já a Europa está vivendo problemas econômicos e sociais similares, aumentados pela proximidade com a Guerra da Ucrânia e Rússia e da crise energética. Por fim, a China, que ainda está relutante em sair da lista de maior poluidor mundial para manter alta sua produção industrial e seu PIB elevado”, destaca Furtado.
Na mesma linha, Kassai também avalia a participação de Lula na COP27 como positiva, podendo, segundo o professor e colaborar Fipecafi Projetos, recolocar o Brasil no cenário mundial como ator importante no combate aos efeitos adversos das mudanças climáticas, trazendo ao Brasil apoio e financiamentos internacionais para execução de políticas públicas proativas no combate e mitigação aos extremos climáticos.
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