Faz alguns meses que Benjamin Steinbruch, controlador e CEO da empresa de siderurgia e mineração CSN, tem visitado com mais frequência do que o habitual o escritório da companhia em Nova York. De forma discreta, o empresário vem prospectando possibilidades de retomar a operação em solo americano como uma maneira de tirar proveito da guerra tarifária deflagrada pelos Estados Unidos, apurou o InvestNews. Na semana passada, o presidente dos EUA dobrou a tarifa de importação sobre o aço, para 50%.
A busca por novos negócios no exterior, a depender do tamanho do investimento, pode soar como um passo arriscado para uma empresa que está com uma dívida líquida de R$ 35,8 bilhões, 7,2% acima do valor de um ano atrás. Analistas e investidores já têm torcido o nariz para o atual nível de endividamento da CSN — de 3,33 vezes o lucro operacional (Ebitda) após sucessivas mudanças de guidance para esse indicador ao longo de 2024.
Só que, para quem acompanha a CSN há anos, esse movimento apenas reforça o estilo Benjamin — na maior parte do tempo, bem-sucedido — de fazer negócio.
A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) está entre as 30 maiores empresas do Brasil. Com faturamento anual superior a R$ 40 bilhões, está presente em quase todo o Brasil, além de unidades na Alemanha e em Portugal. Privatizada em 1993, a empresa foi arrematada por um consórcio liderado por Benjamin. Desde 2002, quando foi feito o descruzamento de participações com a Vale, a família Steinbruch exerce o controle da companhia, por meio da Vicunha Aços e da Rio Iaco Participações.
Muita gente atribui o sucesso da companhia, que deixou de ser apenas uma empresa siderúrgica e tornou-se um conglomerado com atuação nos setores de mineração, energia e cimento, à visão apurada de negócios e à forte inclinação ao risco de seu controlador.
Benjamin — chamado de BS por sua equipe — é guiado pelo mantra: “onde há uma crise, há uma oportunidade”. O problema, na visão de quem monitora a evolução da empresa, é que alguns passos acabam custando caro, justamente porque são dados à custa de mais dívida.
Sucessão e sistema solar
BS costuma dar de ombros às críticas. Até aqui, seu jeito arrojado de fazer negócio tem levado a CSN adiante. Mas é aí que entra outra questão, comentada em voz baixa nos corredores da CSN e em volumes mais altos entre concorrentes e analistas: a ausência de um plano de sucessão e o fato de o negócio depender hoje muito de Benjamin, que está às vésperas de completar 72 anos.
Esse, sim, é o verdadeiro calcanhar de Aquiles da CSN.
O organograma da companhia dá pistas do quanto o empresário centraliza o poder: ele ocupa tanto a cadeira de CEO como a de presidente do Conselho de Administração — que, simplificadamente, é o órgão que fiscaliza as decisões do CEO e teria poder para demiti-lo.
Essa estrutura desagrada analistas porque fere princípios de governança recomendados para empresas de capital aberto. E dá à gestão uma característica muito personificada na figura de Benjamin.
A cúpula da CSN é composta por executivos experientes e qualificados, que participam das discussões sobre as decisões estratégicas da empresa. Já passaram por ali nomes com ampla bagagem no mercado e até no meio político. É o caso de Bruno Dantas, hoje ministro do Tribunal de Contas da União (TCU); do ex-ministro Ciro Gomes; do ex-presidente do Banco do Brasil Paulo Rogério Caffarelli; e do ex-ministro Luiz Paulo Barreto. Mas não adianta o tamanho da experiência: a palavra final é sempre de BS.

Uma metáfora usada por uma fonte que trabalhou diretamente com o CEO resume bem o funcionamento da empresa: a estrutura seria como o sistema solar — os planetas são os diretores e o sol, claro, é o empresário. Como no universo, estar muito perto do sol pode elevar o calor a um nível quase insuportável. Mas ficar distante demais leva ao ostracismo.
Essa dinâmica ajuda a explicar a alta rotatividade no 20º andar do prédio da Av. Faria Lima onde está a sede da CSN, em São Paulo. Um executivo que trabalhou na empresa contabilizou a passagem de mais de 50 pessoas em cargos de diretoria num período de quatro anos.
Sobrevivem aqueles que entendem a regra tácita: a de que a empresa tem um líder. Conquistar a confiança de Benjamin leva tempo, mas é possível. O círculo de BS é restrito e tem na diretora de Compliance, Eliane Pereira, funcionária do grupo há quase 30 anos, seu braço direito.
Mesmo sem afagos, ele é descrito como alguém que escuta. “Às vezes parece que ele nem te ouviu, mas dias depois você vê ele seguindo alguma sugestão que você deu”, diz outra fonte.
O segundo sol
Em 2022, faltando um ano para completar 70 anos, o empresário começou a falar sobre a possibilidade de se aposentar. E a sucessora natural seria a filha Victoria, a primogênita. Aos 30 anos, ela passou a ocupar uma cadeira na diretoria e hoje tem uma posição ativa na gestão — mas nunca conquistou plenos poderes.
Victoria é descrita por quem conviveu com ela como uma executiva dedicada, com formação primorosa e muito distante do estereótipo da herdeira. Sua marca registrada, porém, é uma certa obsessão por corte de custos. Segundo fontes, ela domina as planilhas, mas não conhece o chão de fábrica — o que faz com que algumas medidas de redução de gastos sejam consideradas por quem cuida da operação como nem sempre as mais acertadas.

Outra característica herdada do pai é a forma dura de comandar. Essa firmeza, em alguns momentos, parece um esforço de impor autoridade à força — uma autoridade que ainda não foi conquistada junto a diretores e funcionários. Mas, diferentemente de Benjamin, falta a ela um certo jogo de cintura, segundo pessoas que convivem ou já conviveram com os dois – ao longo dos últimos meses, o InvestNews entrevistou cerca de uma dúzia de fontes próximas. “O pai faz o jogo do morde e assopra. A filha só morde”, diz um ex-executivo.
A CSN não tem hoje um cargo de vice-presidente. Reza a lenda que essa cadeira está reservada para o futuro sucessor de Benjamin.
Alguns executivos disputaram esse posto — e saíram “queimados” pelo sol. O fato de Victoria também nunca ter sido alçada ao cargo é visto como sinal de que o pai ainda não decidiu se vai entregar o comando da empresa a ela. E a principal razão, segundo fontes próximas, seria a avaliação de que ainda falta à executiva a maleabilidade exigida para o cargo.
Outros dois filhos de Benjamin também trabalham na CSN, mas não há qualquer sinal de que sejam cogitados como sucessores. Felipe é o CEO da Inova, braço de inovação da empresa. Alessandra, que deu ao pai seu primeiro e único neto, cuida das áreas de marketing e ESG. Já o caçula, Mendel, ainda não concluiu os estudos em Nova York e permanece distante dos negócios.
Brilho próprio
Pensar em um sucessor para um empresário com o perfil de Benjamin Steinbruch não é tarefa simples. Ele tem apetite ao risco, boa capacidade de antecipar movimentos do mercado, habilidade política e uma preocupação constante com custo e o valor dos seus ativos. E o que são considerados seus pontos fracos dificultam ainda mais a tarefa: BS é centralizador e tem pouca disposição em desenvolver novas lideranças.
Benjamin é o tipo de executivo que quer ser consultado para qualquer decisão importante — seja nas quase 20 plantas industriais do grupo ou nos escritórios. Ativo no WhatsApp, o “ok” de BS costuma vir rápido. “O que tira o Benjamin do sério é ele se sentir deixado de lado ou passado para trás”, diz uma fonte.
Ao mesmo tempo, qualquer conversa sobre novos negócios é iniciada — e concluída — por ele. Isso o sobrecarrega. Foi assim na venda de uma fatia de 11% da CSN Mineração, que rendeu cerca de R$ 4 bilhões e teve como objetivo reduzir a alavancagem da empresa.
Também coube a ele conduzir a negociação para a compra da InterCement, cimenteira que pertencia à Mover (ex-Camargo Corrêa). E foi sua a decisão de desistir do negócio. Aliás, a própria entrada da CSN no setor de cimento — hoje consolidada na CSN Cimentos — foi ideia de Benjamin.
Na época, a escolha foi bastante questionada por analistas. Hoje, a CSN Cimentos opera próximo da capacidade máxima, impulsionada pelo avanço da construção de moradias populares. “O cimento tem futuro certo no Brasil”, disse Steinbruch a um grupo de analistas durante apresentação de resultados. “É um produto que está faltando, e só não vendemos mais porque falta capacidade de produção.”

Ele também lidera o esforço para retomar a produção nos Estados Unidos — uma ambição antiga. Em 2001, a companhia chegou a comprar a Heartland Steel, em Indiana, rebatizada como CSN Llc. A operação, que custou US$ 105 milhões à CSN, foi vendida em 2018 por US$ 400 milhões.
Hoje, a CSN mantém apenas operações comerciais e de distribuição nos EUA. Mas, segundo fontes, Steinbruch já voltou a olhar com interesse para novas aquisições por lá. Ter produção dentro do território americano seria uma forma de driblar os efeitos da concorrência do aço chinês no Brasil e, ao mesmo tempo, acessar um mercado mais protegido após as tarifas impostas por Donald Trump. Outra siderúrgica brasileira, a Gerdau, teve 49% do seu resultado operacional no primeiro trimestre vindo da operação norte-americana.
Gosto pelas disputas
Se na CSN o lado centralizador de Benjamin é o que prevalece, fora dela muitos destacam o gosto do empresário por disputas, no mercado e na família.
A mais ruidosa é com a Ternium, por causa da Usiminas. Desde 2011, a CSN sustenta que a compra de 27,7% das ações votantes pela rival caracterizou uma troca de controle e, portanto, passível da exigência de uma oferta pública de aquisição (OPA).
Depois de anos de disputa judicial, a Terceira Turma do STJ decidiu, em junho de 2024, que a Ternium deve indenizar a CSN em até R$ 5 bilhões. A decisão foi mantida em dezembro, com ajustes na correção monetária.
A Ternium, no entanto, anunciou que vai recorrer — e a controvérsia continua. Paralelamente, a CSN ainda precisa cumprir uma ordem do Cade, reafirmada na Justiça, para reduzir sua participação na Usiminas — um entrave adicional nessa longa novela societária.

Há também ruídos dentro de casa. Pessoas próximas dizem que as rusgas entre os Steinbruch ganham mais força em momento de maior endividamento da empresa e, consequentemente, menor distribuição de proventos aos acionistas.
Em 2018, os primos Léo e Clarice Steinbruch entraram na Justiça pedindo a dissolução das sociedades em comum com Benjamin. O conflito só terminou em novembro de 2022, com um acordo que redesenhou o controle acionário: a holding dos primos ficou com 10,25% da CSN e firmou um novo acordo de acionistas com duração de dez anos.
Ainda em órbita
Prestes a completar 72 anos no fim deste mês, Benjamin é um homem de poucos hobbies, um deles são os cavalos e até tomou para a si de a missão de salvar o Jockey Club de São Paulo. Sua rotina mesmo é a CSN, da qual não se sabe quando deixará o comando. Mas uma coisa parece clara: ele não pensa em parar.
Apesar das dúvidas sobre a sucessão, o empresário segue se movimentando com intensidade — e não apenas no mundo corporativo. Nos bastidores da política, alimenta um velho desejo de se envolver mais diretamente no jogo público. Em 2018, chegou a flertar seriamente com a ideia de ser vice na chapa presidencial de Ciro Gomes (PDT), com quem tem afinidade pessoal.
No passado, também não escondia que se sentiria tentado caso fosse convidado a ocupar uma cadeira no governo, especialmente o Ministério da Indústria e Comércio — uma pasta que, para ele, faz parte do que mais entende: produtividade, risco e poder de execução.
Benjamin ainda quer mais. O centro da CSN talvez um dia mude — mas, por enquanto, o sol segue rei.
Procurados pelo InvestNews, CSN e Benjamin Steinbruch não atenderam aos pedidos de entrevista.