Angra 3 é problema do governo. Quarenta anos depois do início das obras e com R$ 12 bilhões já enterrados no projeto, caberá à capacidade e à vontade política de Brasília a decisão sobre o futuro da usina nuclear.

A Eletrobras, agora privatizada, contratou o BTG Pactual para encontrar um comprador para sua fatia na Eletronuclear, a estatal responsável pelas usinas de Angra dos Reis (RJ). A Eletrobras detém hoje 35,9% das ações ordinárias (com direito a voto) e 67,95% do capital total. O movimento já era esperado.

Em fevereiro, Eletrobras e governo firmaram um acordo que liberou a ex-estatal da obrigação de investir em Angra 3, uma exigência que remonta à privatização conduzida pelo governo Bolsonaro e levada a cabo em 2022. A cláusula foi uma condição imposta para mitigar os riscos da privatização e uma tentativa de garantir que Angra 3 não fosse deixada de lado – o que virou um passivo pesado no balanço e um incômodo para os investidores privados da Eletrobras.

Já o novo governo se incomodou mesmo com a subrepresentação no conselho de administração da Eletrobras. Mesmo tendo ficado com cerca de 40% das ações da empresa, a União teve direito a somente um dos nove assentos, o que levou a uma batalha jurídica logo no começo do governo Lula. O impasse foi resolvido com o acordo de meses atrás: o governo ganhou mais duas cadeiras no conselho – que passou a ter 10 assentos – e a Eletrobras foi liberada dos compromissos com Angra 3.

Mais que isso: o acordo também prevê que a União apoiará a Eletrobras caso a companhia decida vender a totalidade de sua participação na Eletronuclear – exatamente o que está acontecendo agora.

O desafio é encontrar interessados. Com a Eletronuclear sob o controle da ENBPar e um novo diagnóstico em elaboração pelo BNDES, a expectativa nos bastidores é de que se tentem retomar os diálogos com estatais estrangeiras. Entre abril e maio, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, se encontrou com executivos da chinesa CGN e da russa Rosatom.

Qualquer solução que se apresente, no entanto, precisa respeitar a Constituição: a Carta Magna impede o controle direto de instalações nucleares brasileiras por empresas estrangeiras. Ainda assim, há margem para modelos de parceria ou consórcios que não infrinjam a legislação.

Enquanto isso, a saúde financeira da Eletronuclear se deteriora. A estatal acumula uma dívida de cerca de R$ 8 bilhões e solicitou a suspensão do pagamento dessa dívida até o fim de 2026, buscando um alívio de R$ 800 milhões por ano. Apenas para manter o canteiro de Angra 3 conservado, o custo é de R$ 220 milhões anuais. Sem uma definição, esse valor tende a subir — e o risco de sucateamento do projeto cresce.

Roda viva

O BNDES trabalha em um novo estudo técnico, econômico e jurídico sobre Angra 3. A entrega está prevista para o final de 2025 e deve atualizar as conclusões de um relatório anterior, que estimava R$ 23 bilhões para concluir a usina e R$ 21 bilhões para desmontá-la. A nova versão do estudo é necessária justamente porque a estrutura de financiamento e governança mudou. A saída da Eletrobras e a busca por um novo sócio mudam as premissas do projeto — e, com elas, o custo, o cronograma e o desenho institucional.

Nos bastidores, fontes com trânsito no setor relatam que o modelo de buscar um parceiro internacional que banque a construção de Angra 3 já era discutido mesmo antes da privatização da Eletrobras. O governo Bolsonaro incluiu Angra 3 no Conselho do Programa de parcerias de Investimentos (PPI), que encomendou ao BNDES um relatório sobre a viabilidade da obra e o melhor modelo para terminá-la. A demanda ao banco de fomento foi feita em outubro de 2019.

O conjunto de 16 estudos foi entregue pelo BNDES à Eletronuclear em novembro de 2022. Ao longo de 2023, coube a uma equipe técnica do TCU fazer a análise da modelagem. O BNDES passou então a revisar os estudos. Os dados foram à publico só em setembro de 2024.

Nesse período, as condições políticas e econômicas para seguir com os planos para findar Angra 3 – seja pelo desmonte, seja pela conclusão final – já estavam desfeitas.

Agora governo que está à frente da Eletronuclear é o governo Lula – e um novo estudo está em curso. Esse relatório servirá como base para uma decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

Até lá, paira a indefinição — e também o risco político. Com a eleição de 2026 no horizonte, decisões mais espinhosas podem, de novo, acabar sendo empurradas para o próximo governo.