A perspectiva de um corte de juros pelo Federal Reserve, o banco central americano, trouxe ventos favoráveis para muitos mercados, inclusive para companhias brasileiras. Petrobras, Suzano e Rede D’Or conseguiram captar recursos no mercado internacional nos últimos dias a custos historicamente baixos por meio de emissão de bonds – títulos de dívida corporativa. E, segundo fontes ouvidas pelo InvestNews, outras grandes empresas estão prontas para seguir pelo mesmo caminho – inclusive algumas novatas nesse tipo de operação.

Outras companhias latino-americanas, como a chilena Colbún, de energia renovável, também estão aproveitado o momento muito favorável em termos de liquidez. É que, com essa aposta de que o juro nos Estados Unidos, cresceu muito a demanda por ativos de renda fixa que garantam um retorno ainda mais elevado. No caso das empresas como as brasileiras, que pagam mais do que companhias americanas com o mesmo grau de risco, esse interesse ficou ainda maior. Uma ótima oportunidade para essas companhias se financiarem em condições mais vantajosas do que em qualquer outro momento recente — e talvez em muito tempo.

“Foi um dos inícios [de janela] mais saudáveis que já vimos para emissores latino-americanos”, disse Samy Podlubny, diretor de Debt Capital Markets (DCM) do UBS BB. Segundo ele, praticamente todas as operações recentes saíram com new issue premium (NIP) zero ou negativo, um cenário incomum.

É assim: quando uma empresa vai a mercado para captar recursos, ela precisa pagar um “prêmio” – o NIP – em relação aos papéis que ela já emitiu. Isso acontece para incentivar o investidor a comprar o papel na emissão, em vez de simplesmente comprar esse título no mercado secundário. Só que, desta vez, a demanda estava tão grande que os bonds emitidos pelas empresas brasileiras foram vendidos sem nenhum prêmio ou, em alguns casos, com um “prêmio negativo”. Ou seja, o juro pago na emissão ficou igual ou até menor do que o papel que já estava no mercado.

“Normalmente, o investidor exige um prêmio de 10 a 20 pontos-base acima da curva, mas desta vez aceitou menos”, prossegue Podlubny. Os livros de ordens — também chamados de books — ficaram de quatro a seis vezes maiores do que a oferta, demonstrando um interesse incomum mesmo nessas condições. Isso só acontece porque as empresas que foram a mercado estão muito bem avaliadas. E também porque o cenário para frente é de taxas de juros ainda menores.

Previsibilidade

Foi nesse cenário que a Suzano conseguiu captar US$ 1 bilhão em uma operação que saiu a 5,67% ao ano, com vencimento em 2036. Após quatro anos fora do mercado internacional, a empresa obteve o menor spread de sua história, de 145 pontos-base sobre o Treasury — título público americano que funciona como parâmetro: quanto mais uma empresa precisa pagar acima dele, maior é a percepção de risco.

Marcos Assumpção, CFO da Suzano, lembrou que, por ser um emissor frequente e ter grau de investimento, a companhia monitora o mercado todo o tempo, de olho no melhor momento para fazer a operação. E chegou a ser procurada algumas vezes, nos últimos anos, por bancos de investimento com o objetivo de deflagrar a operação. A espera, no entanto, valeu a pena: a oferta acabou atraindo muitos grandes fundos que investem em papéis high grade (baixo risco), e não apenas aqueles voltados especificamente para emissores emergentes. E isso contribuiu para reduzir o juro pago na operação.

Ele recorda que, entre 2016 e 2021, a empresa emitiu quase um título por ano, construindo uma curva longa de vencimentos que serve de referência para investidores. “É importante que o investidor esteja exposto ao nosso papel para poder acompanhar a empresa”, reforça.

Marcos Assumpção, CFO da Suzano
Marcos Assumpção, CFO da Suzano: empresa de papel e celulose conseguiu emissão a juros atrativos (Divulgação)

Os recursos captados foram usados para gestão do passivo, conhecido também como liability management: junto com a emissão, a Suzano recomprou US$ 1,2 bilhão em títulos que venciam em 2026 e 2027, alongando o perfil da dívida. Ou seja, na prática, o volume de dívida que a Suzano pagou foi maior do que o que ela captou com a emissão do bond.

“Foi uma operação de caixa negativo, mas importante para manter a visibilidade da Suzano junto aos investidores internacionais. Se a gente só recomprasse e não emitisse, eles perderiam exposição ao papel e deixariam de acompanhar a empresa”, afirma Assumpção.

Em outra frente, a Petrobras também concluiu nesta janela uma emissão de US$ 2 bilhões em bonds, divididos em duas tranches. Uma delas, de US$ 1 bilhão, vence em 2030 e saiu com rendimento de 5,35% ao ano; a outra, também de US$ 1 bilhão, vence em 2036 e foi precificada a 6,55% anuais.

A operação teve demanda 3,4 vezes superior à oferta, com quase 190 ordens de investidores de diversas regiões. Segundo a estatal, foi a emissão com menor diferencial de taxa em relação aos títulos do Tesouro americano desde 2001.

Novidade

Enquanto Suzano e Petrobras simbolizam emissores frequentes, com grau de investimento e receita em dólar — a combinação ideal quando se fala em captação externa —, a Rede D’Or fugiu desse script, mas também conseguiu condições bastante favoráveis.

A maior rede de hospitais privados do Brasil levantou US$ 500 milhões em eurobonds de dez anos com taxa de 6,45% ao ano — custo menor que o da própria Petrobras, que um dia antes havia emitido papéis no mesmo prazo a 6,55%. A operação atraiu ordens que somaram quase US$ 3 bilhões, seis vezes a oferta, e foi concluída em apenas 15 minutos de bookbuilding.

Fachada do Hospital São Luiz Campinas, da Rede D'Or
Fachada do Hospital São Luiz Campinas, da Rede D’Or. Foto: Divulgação

Segundo o CFO Otávio Lazcano, a emissão não respondia a uma necessidade imediata de caixa — a companhia tinha R$ 20 bilhões em reservas no fim do segundo trimestre —, mas fazia parte de uma estratégia de diversificar fontes de financiamento e manter presença junto a investidores globais. “

“É uma forma de manter o investidor internacional próximo da companhia e de criar novos pontos na nossa curva de vencimentos. Mesmo sem precisar dos recursos agora, é importante ter essa caixinha de ferramentas disponível”, afirmou Lazcano.

Como a Rede D’Or não tem receita em dólares, é preciso fazer o hedge – operação que permite que toda a dívida em moeda estrangeira seja trocada para reais por meio de swap cambial. Assim, a Rede D’Or não fica exposta à variação cambial sobre uma receita doméstica.

Momento dos juros

O período entre setembro e outubro é a principal “janela” do ano para a emissão de bonds. Nesse período, os números do primeiro semestre ainda estão frescos, oferecendo visibilidade adicional aos investidores estrangeiros.

A expectativa é que a temporada siga aquecida nas próximas semanas, com pelo menos duas ou três estreias no mercado internacional e a possibilidade de bancos como BTG Pactual, Itaú e Bradesco também testarem a demanda.

Mas a avaliação no mercado é que dificilmente o cenário se repetirá com a mesma intensidade nos próximos meses. O efeito combinado da sazonalidade com a expectativa de início dos cortes de juros pelo Fed criou uma condição considerada única até por veteranos do setor.

Para as empresas brasileiras, essa pode ser a última grande oportunidade de levantar recursos antes que as incertezas eleitorais comecem a pesar sobre o risco de crédito. “Em anos eleitorais, o volume de emissões costuma cair pela metade. E 2026 promete ser turbulento, e por isso existem empresas que estão se antecipando”, resume Podlubny, do UBS.