O CEO da Americanas (AMER3), Leonardo Coelho, citou à CPI trocas de e-mails entre auditores da KPMG e da PWC com a diretoria nas quais a intenção seria amenizar os termos da auditoria sobre os resultados, assim como escrever sobre operações de risco sacado de forma que elas não ficassem tão claras. Embora o caso tenha chamado atenção, não é a primeira vez em que empresas de auditoria são envolvidas em casos de fraude de documentos.
Relembre a seguir casos fraudulentos, com desfecho na justiça e na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) envolvendo empresas e auditorias e seu desfecho:
PwC e IRB Brasil
Em fevereiro de 2020, a gestora Squadra questionou o IRB Brasil (IRBR3) por práticas suspeitas na contabilidade da empresa e pela prestação de informações falsas de que a Berkshire Hathaway fazia parte do seu quadro acionário, o que causou a queda dos principais executivos da resseguradora além de processos na CVM.
Após os resultados da companhia serem quationados, uma vez que , investidores entraram na Justiça contra a IRB e a PwC. Na época, o prejuízo estimado pelos acionistas foi de R$ 95 milhões. A Securities and Exchange Comission (SEC), autoridade reguladora do mercado de capitais dos Estados Unidos, também processou a resseguradora pela divulgação de informações falsas.
À época, o presidente da companhia e o vice-presidente financeiro e de relações com investidores renunciaram.
O IRB admitiu que as demonstrações financeiras de 2019 estavam “incorretas em alguns aspectos”, e por isso, foram substituídas por novas edições. A empresa também apontou que seu ex-diretor e outros funcionários estavam envolvidos nas irregularidades.
Delloite e Banco Panamericano
Em 2020, a Delloite foi condenada a pagar mais de R$ 433 mil à CVM por um processo envolvendo sua auditoria nas demonstrações financeiras do Banco Panamericano, atual Banco Pan (BPAN4), entre 2001 e 2010. A consultoria deu seu aval para a contabilidade do banco, que se mostrou fraudulenta após investigações.
Segundo a “Folha de S.Paulo”, o Panamericano vendia carteiras de crédito para outras instituições financeiras, mas continuava contabilizando como seus os ativos já vendidos. Havia também negócios que eram registrados acima do valor real e casos em que um mesmo crédito era negociado mais de uma vez.
A fraude, que levou a um rombo na casa dos R$ 2,5 bilhões, induzia a erro sócios minoritários, investidores, o Banco Central e a CVM, segundo a Justiça. À época das irregularidades, o banco era controlado por Sílvio Santos. A instituição foi vendida em 2011 para o BTG Pactual. Mas a maquiagem no balanço fez com que a avaliação do mercado sobre as ações fosse positiva e a captação foi considerada um sucesso na época.
Sete ex-diretores do banco foram condenados à prisão. Já outros dez acusados foram absolvidos, segundo a Folha.
Delloite e Gol
Já um outro caso emblemático, também com a Delloite, envolvia a companhia aérea Gol (GOLL4). A consultoria foi acusada de emitir relatórios falsos sobre o balanço da aérea em 2010, de tentar acobertar as irregularidades e ainda atrapalhar as investigações. Foi feito um acordo avaliado em R$ 5,3 milhões com a CVM além de a auditoria ter recebido a maior multa já aplicada por um regulador americano, o Public Company Accounting Oversight Board (PCAOB).
O regulador estrangeiro, que fiscaliza auditores independentes, multou a Deloitte Brasil em US$ 8 milhões por conta do caso. Essa foi a maior multa já imposta pelo órgão sediado em Washington, nos Estados Unidos, até então. Além da empresa, 12 antigos sócios e auditores foram implicados no caso e pagaram multas de até US$ 20 mil cada. Eles também foram suspensos de trabalhar com firmas de auditoria que avaliem balanços de companhias americanas.
Mas a Deloitte Brasil também foi acusada de irregularidades na auditoria de um outro emissor de papéis no Brasil. No entanto, a empresa não é nomeada no processo. A informação da própria Deloitte, segundo o JusBrasil, é que esta empresa seria a Tele Norte Leste Participações (TNL), que depois fez parte da Oi (OIBR3).
Delloite e Carrefour
Em 2010, a rede varejista auditada pela Deloitte descobriu um rombo de R$ 1,2 bilhão – meses depois do escândalo envolvendo o Banco Panamericano.
Os números do balanço do Carrefour foram inflados devido a manobras contábeis nos estoques das lojas e bonificações recebidas dos fornecedores, segundo o “Financial Times”. O caso foi semelhante ao da Americanas via contratos de verba de propaganda cooperada e instrumentos similares (VPC).
O Carrefour fazia um planejamento prevendo os descontos que iria conseguir com os fornecedores. Só que, ao longo do ano, o montante não era confirmado e, mesmo assim, o valor inicial era lançado na contabilidade gerando uma receita artificial. Somado a isso, os estoques não eram atualizados.
Caso Americanas
Na CPI, o CEO da Americanas, Leonardo Coelho, citou trocas de e-mails entre os auditores da KPMG e diretores da varejista nas quais a intenção era amenizar os termos da carta da auditoria sobre os resultados da companhia.
No texto, que originalmente continha a expressão “deficiências significativas” foi depois entregue com o termo “recomendações que merecem a atenção da administração”. Coelho explicou que a troca foi estratégica: a primeira versão precisaria ser comunicada ao Conselho de Administração; a segunda, não necessariamente traria essa exigência.
Já sobre outra troca de e-mails, desta vez entre a PwC e a diretoria da Americanas, Coelho diz que o documento carece de contexto, mas que pode indicar que a auditoria teria sugerido como redigir questões ligadas a operações de risco sacado de forma que as operações não ficassem tão claras.
28/03/2023
REUTERS/Adriano Machado
Os documentos exibidos por ele na CPI também apontam suposta modificação da redação de documentos contábeis por bancos, incluindo Itaú Unibanco e Santander Brasil após pedidos de diretores da Americanas. No entanto, o CEO da varejista disse também que os indícios recolhidos até então não revelam participação do conselho de administração ou dos acionistas de referência da companhia.
Segundo o advogado e sócio da consultoria OnBehalf Brasil, Luiz Deoclecio Fiore, dentro de um contexto, uma auditoria pedir ajuste de texto além de troca de opiniões com a companhia “é normal”, uma vez que é recorrente.
“A troca de informações é uma prática comum; fazer recomendações não quer dizer que seja um erro, é mais um ajuste da forma de se falar”, disse ao Investnews.
Luiz Deoclecio Fiore, advogado e sócio da consultoria OnBehalf Brasil,
No entanto, apesar deste ser um procedimento cotidiano do mercado, há controvérsias quanto à responsabilidade de comitês de auditorias por garantir que o reporte de balanços financeiros das companhias sejam devidamente reportados.
Na avaliação de Felipe Pontes, da L4 Capital, os conselhos e comitês de auditorias são responsáveis por garantir que as coisas funcionem como deveriam funcionar. Logo, houve falha que não deve ser atribuída apenas aos ex-executivos da companhia.
Já na visão de Fiore, falar que os ex-diretores participavam da fraude e que a auditoria sabia, “não quer dizer nada”.
“Eles [ex-diretores] podem ser inocentados por situações cotidianas que eles podem alegar. Desde a verba de propaganda cooperada e instrumentos similares (VPC) – que é uma prática de mercado e que pode ter inconsistência – como os covenants”, apontou.
O jurista explica que provas eletrônicas [neste caso os e-mails] podem ser facilmente anulados por falta de contexto. “Não adianta pegar um item solto e dizer que é uma forma de provar o ato de fraude”.