A guerra comercial entre China e EUA e os desinvestimentos de multinacionais americanas no mercado de papel e celulose abriram uma via de crescimento para a Klabin na China. A empresa calcula ter multiplicado sua exportação para o país asiático em quase 10 vezes nos últimos meses, embora não tenha revelado a proporção desse aumento das vendas.

No terceiro trimestre deste ano, a receita proveniente da China foi de R$ 616 milhões, fatia de 4% da renda global da Klabin. Mas, segundo a empresa, o volume de vendas para o país asiático se ampliou neste fim de ano.

Não é por acaso que isso acontece. Empresas como a Georgia-Pacific (GP) e a International Paper (IP), protagonistas desse mercado em âmbito global, fizeram desinvestimentos importantes recentemente. 

A primeira anunciou o fechamento permanente de seu centro de tecnologia e inovação e de sua fábrica de celulose em Memphis, Tennessee, citando as condições desafiadoras do mercado. Já a IP está se desfazendo de sua divisão global de fibras de celulose para se concentrar em seu negócio principal de embalagens sustentáveis. A empresa firmou um acordo para vender sua divisão de celulose para a American Industrial Partners (AIP) por cerca de US$ 1,5 bilhão.

“O fato de os Estados Unidos terem puxado o tarifaço fez com que os clientes deles, os parceiros, buscassem alternativas”, afirma o CEO da Klabin, Cristiano Teixeira.

O executivo diz que a empresa tem ganhado terreno apostando em mercados fora do campo estratégico dos norte-americanos. Num contexto conhecido como nearshoring, as empresas estadunidenses de papel e celulose estão investindo, sobretudo, no México. Nesse caso, Teixeira diz preferir disputar em outras geografias. “Como uma empresa multinacional, que exporta para vários lugares, você tem que estar muito atento com o que pode prejudicar o seu portfólio de produtos”, complementa.

“A Klabin tem essa característica de que ela talvez seja uma empresa da América do Sul copy-paste de uma empresa norte-americana. Por ter fibra longa, por estar na embalagem, e assim por diante. Quando a gente é copy-paste de uma empresa americana, significa que a gente está competindo. Portanto, são raros os produtos que eu exporto para os EUA. Mas eu compito com os EUA em qualquer lugar do mundo hoje”, diz Teixeira.

Durante apresentação a investidores da companhia nesta terça-feira (9), o diretor comercial de papéis da Klabin, José Soares, deu o tom do impacto das mudanças recentes no mercado para a empresa brasileira. “Hoje, o mercado chinês já passou a ser um dos maiores mercados nossos. A gente vinha com uma presença pequena na China. Nos últimos cinco meses tem crescido: multiplicamos por quase 10 o volume exportado para a China, e com preço”, afirmou.

Além das exportações para o mercado chinês, a empresa tem usado sua máquina de papel 28 (MP28), na unidade fabril de Ortigueira (PR), para ampliar a produção de sua linha de papel kraft, além de passar a investir em cartões brancos, onde pode atender ao mercado farmacêutico, de cosméticos e editorial, para capas de livros. O movimento se deu graças a um cenário mais desafiador no mercado de papel-cartão tradicional.

Ao investir em embalagens para o setor farmacêutico, o CEO vislumbra uma via de crescimento por meio da maior adoção das chamadas “canetinhas emagrecedoras”, como o Ozempic, por exemplo. “O potencial de uso, mesmo a gente vendo um dinamismo muito grande da economia, se vier realmente o uso em escala maior dos remédios de emagrecimento, são pílulas que vão em caixas de cartão. Será um produto de altíssimo valor agregado para a gente”, diz Teixeira.

M&A no setor

Teixeira diz ver espaço para movimentos de consolidação no mercado de papel e celulose, mas frisa que a empresa, que concluiu seu ciclo de investimentos recentemente, tem como desafio conter seu endividamento. Ou seja, não há espaço, ao menos para o curto prazo, para aquisições por parte da Klabin.

“Se você pegar um grande player na América do Sul, onde estão as principais empresas em custo caixa do mundo, e combinar com um player do Hemisfério Norte, que seja integrado e que vai usar essa fibra do Hemisfério Sul, quando você combina essas coisas, mesmo você considerando o efeito frete aqui, eu acho que existe um potencial de criação de valor muito grande quando esses grandes M&As acontecerem”, disse Teixeira. “É mais que um potencial. Isso vai acontecer no futuro dado que o mercado é mais forte lá e aqui é melhor em custo caixa. Essas fábricas vão fechar na América do Norte e, com isso acontecendo, vai precisar de fibra e a fibra vem da América do Sul.”

O executivo, no entanto, diz que a Klabin está segura frente à possibilidade de receber uma oferta hostil de alguma multinacional norte-americana ou asiática. Os papéis preferenciais da empresa caem mais de 15% no acumulado do ano, enquanto as ações ordinárias declinam mais de 20%.

“A companhia tem duas classes de ações e os controladores detêm quase 55% das ações que dão direito a voto. Isso protege a companhia a qualquer proposta hostil, mas eu não vejo esse movimento hostil acontecendo na nossa região. O que pode acontecer são discussões de oportunidade, mas, com o desconto que tem o papel hoje, obviamente seria o pior momento para se pensar em um M&A. A companhia tem um valor intrínseco que é mais que duas vezes e não pode estar pensando em M&A a esse valor”, afirma Teixeira.

Projeção futura

Terminado o ciclo de investimentos de R$ 30 bilhões, a Klabin informou que os aportes previstos para este ano somam R$ 2,9 bilhões, volume inferior ao estimado anteriormente, na faixa de R$ 3,3 bilhões. Para 2026, é estimado um aporte de R$ 3,3 bilhões. Em 2027, R$ 2,8 bilhões. A maior parte disso se dará para continuidade operacional e modernização da planta de Monte Alegre, no Paraná.

O endividamento líquido da companhia atualmente está na faixa de R$ 26 bilhões. Há um ano, estava em R$ 29,5 bilhões. “A dívida líquida está numa tendência de leve queda, o que é bom. No momento, a relação de dívida líquida sobre Ebitida está em 3,3 vezes. Chegou a ser 4,1 vezes no ano passado”, afirma o analista João Abdouni, da Levante Inside Corp.

Para Abdouni, a estratégia de negócios da empresa tem sido positiva frente a um cenário mais desafiador do preço da celulose a nível global. “A empresa está caminhando bem. Está em um processo contínuo de alocação de capital em maquinários. Com isso, você reduz a volatilidade da celulose colocando mais maquinários. À medida que os ciclos econômicos forem melhorando, os resultados da companhia vão ser cada mês mais ascendentes”, complementa.

Na última segunda-feira, a Klabin uma distribuição de R$ 1,11 bilhão em dividendos intercalares, além de um aumento de capital com bonificação de ações. O valor corresponde a R$ 0,18 por ação e será pago em quatro parcelas ao longo de 2026, com base na posição acionária de 15 de dezembro de 2025.