Apesar do recorde de R$ 2,5 bilhões em geração de caixa, analistas avaliaram que o número reflete uma antecipação de resultados, puxada por venda de estoques e recebimentos antecipados, e não uma expansão sustentada da margem do negócio.
Após a teleconferência de resultados, os papéis do frigorífico despencaram em um dia em que o Ibovespa renovou sua máxima histórica. As ações da Minerva recuaram 13,48%, a R$ 6,42, enquanto o principal índice da B3 teve uma leve alta de 0,03%.
O CFO Edison Ticle afirmou que o desempenho refletiu “liberação natural de estoques e recebíveis” e projetou que o ano deve encerrar com R$ 1,5 bilhão de geração positiva de caixa, mesmo em cenário conservador.
O fluxo de caixa recorde foi composto por R$ 1,6 bilhão, que vieram da venda antecipada de estoques nos Estados Unidos, R$ 670 milhões de adiantamentos de clientes e cerca de R$ 500 milhões de financiamento de fornecedores.
O sell side, porém, colocou essa avaliação em dúvida. Para o BTG Pactual, são fatores que melhoram momentaneamente o caixa, mas não se repetem trimestre após trimestre.
“Foi um trimestre excepcional, mas difícil de sustentar”, escreveram os analistas Thiago Duarte e Guilherme Guttilla, observando que o chamado ciclo de caixa negativo — quando a empresa recebe antes de pagar — é raro entre frigoríficos e tende a se normalizar.
Custos
A percepção de que o resultado representa um pico de ciclo ganhou força porque o próprio balanço mostra aumento dos custos de gado em praticamente todas as origens.
O preço médio da arroba no Brasil foi de R$ 305,70, cerca de 20% a 25% acima do registrado um ano antes. No Paraguai, o avanço foi de 36%; no Uruguai, 29%; e na Argentina, 13%, segundo o panorama setorial da companhia.
Essa alta generalizada reduziu o diferencial competitivo que historicamente favorecia a Minerva — a capacidade de compensar o boi mais caro em um país com animais mais baratos em outro. Com o movimento sincronizado, a margem bruta caiu para 16,5%, uma das menores dos últimos anos.
Ticle reconheceu a alta de custos, mas disse que o corte de despesas operacionais ajudou a compensar parte da pressão. Analistas, porém, veem um cenário mais desafiador: o rebanho sul-americano entra em fase de recomposição, encarecendo o boi e comprimindo a diferença entre o preço pago pelo animal e o preço da carne vendida.
Para o BTG, o setor “entra em uma fase de custos ascendentes”, e a diversificação geográfica “perde efeito” quando todos os países enfrentam o mesmo movimento. O Itaú BBA reforçou que as margens devem continuar apertadas, mesmo com as sinergias dos ativos adquiridos da Marfrig em 2024.
Mercado externo
O cenário externo continua favorável, mas com riscos à frente, apontam os relatórios. As exportações seguem fortes, impulsionadas pela demanda da China, que responde por quase 60% das vendas da Minerva.
O CEO Fernando Galletti de Queiroz afirmou que “a América do Sul segue ampliando a produção e entregando volumes maiores, enquanto a China, um dos maiores consumidores mundiais de carne bovina, retomou o crescimento nas importações”.
Por outro lado, o CFO Edison Ticle reconheceu que a empresa “decidiu aumentar o inventário nos Estados Unidos por causa de preços mais altos e também por causa das tarifas”, numa referência ao tarifaço americano sobre a carne brasileira, que já começou a reduzir embarques e pode redirecionar volumes para a Ásia — o que tende a pressionar margens e preços.
Dívida e dividendos
Com a alavancagem — relação entre dívida e geração de caixa — em 2,5 vezes o Ebitda, Ticle confirmou que o pagamento de dividendos será discutido no conselho até o fim do ano. Ele também afirmou que a empresa poderá antecipar a distribuição caso avance a proposta de tributação sobre lucros e dividendos em 2026.
Apesar da sinalização positiva, o mercado manteve a leitura de que o trimestre representou o pico do ciclo de geração de caixa — sustentado por exportações aquecidas, ajustes de estoque e um custo do gado que tende a seguir em alta nos próximos meses.
No terceiro trimestre, a Minerva registrou receita líquida de R$ 16,3 bilhões no trimestre, alta de 81% sobre o ano anterior. O Ebitda subiu 71%, para R$ 1,4 bilhão, com margem de 8,9%, dois pontos abaixo de 2024. O lucro líquido avançou 47%, para R$ 245,5 milhões, refletindo o ganho de escala após a incorporação dos ativos da Marfrig, mas também o impacto do gado mais caro na região.