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O Brasil virou peça-chave para as montadoras chinesas. E uma nova onda de carros vem aí

GWM e Chery dobram a aposta no Brasil enquanto novas marcas, como Zeekr, Neta e GAC desembarcam por aqui

Jaecoo, marca que a Cherry quer lançar no Brasil. Créditos: Adobe Stock

Não tem mais volta: na nova ordem do mercado automobilístico global, é a China quem dá as cartas. Enquanto as montadoras chinesas prosperam lá dentro e expandem suas atuações para outros países, players americanos, europeus e japoneses fazem o que podem para proteger seus mercados – inclusive apelando para o velho protecionismo.

Nessa nova ordem, o Brasil se tornou um campo de batalha incontornável. Agora, está em marcha no país uma nova onda chinesa, com mais e mais montadoras da Terra do Meio traçando estratégias para fincar os pés no nosso mercado, o sexto maior do mundo.

Esta é a terceira onda de carros chineses no Brasil. A primeira acabou em trauma, em 2011, quando o lobby da indústria automobolística nacional – isto é, montadoras estrangeiras que produzem por aqui já há décadas – levou a então presidente Dilma Rousseff (PT) a aumentar em 30 pontos percentuais o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de carros importados de fora do Mercosul. Isso frustrou os planos de empresas como Jac Motors e Chery – esta última acabou se aliando à Caoa para permanecer relevante no Brasil, um casamento que agora está à beira do divórcio.

A segunda onda ocorreu nos últimos dois anos, protagonizada por BYD e GWM. Ambas aprenderam com os erros de suas antecessoras e desembarcaram no Brasil com estratégias comerciais mais robustas. Chegaram com planos – que estão de fato saindo do papel – para produzir localmente, um sinal de foco no longo prazo e de interlocução com os governos federal e estaduais.

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E mais importante: elas praticamente inventaram o mercado de elétricos por aqui – da noite para o dia. Em 2024, até agosto, foram vendidos 40,5 mil modelos 100% elétricos. Trata-se de um aumento de 617% em relação ao mesmo período de 2023. BYD e GWM respondem por 84% das vendas nesse mercado. Um domínio absoluto – com a BYD bem na frente, diga-se; o market share dela nesse filão é de 77%; GWM vem em segundo, com 11%.

Entre os modelos híbridos – segmento em que mesmo as montadoras tradicionais têm seus representantes no Brasil –, 43% das vendas são de montadoras chinesas.

A nova onda, agora, é composta por novos projetos das chinesas já instaladas por aqui e também por estreantes, caso de Zeekr, Neta e GAC. A maior parte delas foca nos carros para a classe média alta, com SUVs e sedãs parrudos.

“Primeiro eu importo e testo mercado. Começo a fazer as primeiras vendas, defino os parceiros e estruturo a rede concessionária. Depois, venho com a produção nacional”.

Ricardo Bastos

O resumo feito pelo executivo Ricardo Bastos ao InvestNews é a respeito da estratégia da GWM, da qual ele é diretor de relações institucionais, mas vale também para outras montadoras chinesas que chegam ao Brasil. Neta e GAC, por exemplo, também devem testar as águas do mercado por meio de modelos importados.

Bastos, que também é presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico, explicou que a GWM quer estrear a produção local na fábrica de Iracemápolis (SP) ainda no primeiro semestre de 2025. A unidade já pertenceu à alemã Mercedes-Benz e agora vai fabricar o Haval H6, campeão de vendas da chinesa.

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Por aqui, a estratégia comercial da GWM difere da adotada na China e em outros mercados. O que costumam ser marcas separadas no exterior, no Brasil são linhas de produtos sob uma só GWM. Lá fora, Haval e Ora são quase como se fossem montadoras diferentes. Aqui, não: é “GWM Ora”; GWM Haval”.

E nos próximos meses devem aportar por aqui duas novas linhas: a Wey, de SUVs urbanos à la VW T-Cross, e a Tank, de SUVs com carinha mais off-road, como o Ford Bronco.

A Chery também tem novos planos para o Brasil, mas antes precisa resolver seu imbróglio com a Caoa. A montadora foi a primeira entre as chinesas a realizar o sonho da fábrica própria no Brasil, tendo inaugurado em 2014 sua planta em Jacareí (SP). As vendas, porém, iam mal. E em 2017 a Chery aceitou, por US$ 60 milhões, se tornar parte de uma joint venture com a Caoa.

Nasceu ali uma nova montadora, a Caoa Chery – cujo futuro segue indefinido. A Chery mudou a estratégia global e decidiu restringir sua marca ao mercado chinês. Internacionalmente, quer atuar com as marcas Omoda e Jaecoo – e quer fazer isso sozinha, sem sócias como a Caoa. O problema é que metade da fábrica no interior de São Paulo – onde quer produzir os Omodas e Jaecoos – pertence à Caoa, que reluta em vender o ativo. A planta está fechada desde 2022.

SUV da Jaecoo. Créditos: Adobe Stock

A Chery quer estrear as novas marcas no Brasil também nos primeiros seis meses do ano que vem, mas é difícil que isso aconteça sem que o casamento com a Caoa seja devidamente encerrado.

Quem não está nem aí pra fábrica própria é a Zeekr. A marca pertence à gigante chinesa Geely – também dona da Volvo e da Lotus – e sabe que não vai inundar as ruas do Brasil com seus carros elétricos de luxo. Apelidada por especialistas do setor como a “Porsche elétrica”, a marca foca nos endinheirados e vai importar da China carros que deverão custar a partir de R$ 300 mil – caro para o mercado “normal”, barato pra quem costuma comprar BMW e Mercedes.

“É uma tremenda experiência por um custo bem menor do que este consumidor está acostumado a pagar”, explica Ronaldo Znidarsis, CEO da Zeekr Brasil, que fala em trazer ao país um “carro de luxo mundial”. E 100% elétrico.

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Sem o objetivo de atingir as massas, a Zeekr não é adepta da estratégia da verticalização – quando a própria montadora produz o máximo possível de componentes do carro. O que ela faz é priorizar fornecedores de renome, como Yamaha, Bosch, Qualcomm e Continental. Seus carros são desenhados pelo estúdio de Stefan Sielaff, designer que fez carreira na Audi.

Interior de carro da Zeekr, do grupo Geely. Créditos: Adobe Stock

Como a China chegou lá

A China aprendeu a fazer carros bons. E, no caso dos elétricos, tornou-se rapidamente a maior fabricante do mundo. Em termos de tecnologia automobilística, os últimos 40 anos foram revolucionários para o país comandado por Xi Jinping.

Nos anos 1980, marcas ocidentais como a Volkswagen viram na China seu Eldorado e toparam fazer parcerias com fabricantes locais – vários deles estatais –, o que significava transferência de tecnologia. Conforme a China se tornou a grande fábrica do mundo, o país desenvolveu tecnologia própria na produção de baterias, tudo regado a muito incentivo fiscal.

Quando a eletrificação dos carros finalmente virou realidade, por volta de uma década atrás, a China estava com a faca e o queijo na mão para virar uma potência automotiva.

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No ano passado, superou a marca de 30 milhões de carros fabricados – os EUA vêm num distante segundo lugar, com apenas 10 milhões. No mesmo ano, tornou-se também a maior exportadora de veículos do mundo, deixando para trás referências como o Japão e a Alemanha.

Como quase toda a indústria chinesa, a automobilística também passou a produzir para a exportação, o que tem rendido reclamação de montadoras como Tesla, Volkswagen e Stellantis, que acusam o regime comunista de financiar indevidamente a produção local para suplantar a concorrência mundo afora.

Por que o Brasil?

Com o lobby das montadoras tradicionais, Estados Unidos e União Europeia começaram a subir barreiras para evitar que seus mercados sejam inundados por carros chineses. A UE abriu investigação para apurar os subsídios dados por Pequim às montadoras locais. Nos EUA, o presidente Joe Biden impôs uma tarifa de 100% aos elétricos chineses.

Com os grandes mercados ocidentais se fechando aos chineses, fabricantes de lá focaram em outros países. E o Brasil, sexto mercado do mundo, virou prioridade para muitas delas. Cada um joga com as cartas que tem.

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