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Economia

Nacionalismo da China complica a vida de empresas ocidentais

Chineses estão comprando cada vez mais produtos de marcas locais, como Huawei e BYD

Quando Gina Raimondo começou seu périplo de quatro dias pela China no fim de agosto, a secretária de Comércio dos Estados Unidos não imaginava que sua imagem seria jocosamente usada para afirmar o orgulho nacional chinês. Em montagens e memes, Raimondo aparecia endossando o Mate 60 Pro, celular da Huawei que levou o governo dos EUA a abrir uma investigação. 

Os americanos tentam descobrir como a Huawei foi capaz de produzir um smartphone tão avançado apesar de todas as restrições impostas à China – e que são parte do trabalho de Gina Raimondo. E falsear uma imagem para fazer da secretária americana uma garota-propaganda da capacidade tecnológica chinesa é enviar uma mensagem clara aos consumidores da segunda economia do mundo: buy China

O crescimento chinês não virou expressão popular à toa. O total das riquezas produzidas dividido pela população – o PIB per capita – estava em US$ 959 no ano 2000. Em 2022, chegou a US$ 12.270.

Só metade da população faz parte da classe média para cima na China. Mas, como são 1,4 bilhão de habitantes, estamos falando em 700 milhões de pessoas com bom (ou ótimo) potencial de consumo. Não dá para ignorar um mercado desses. Assim, a China se tornou um dos alvos prioritários das marcas ocidentais, de Apple a Zara. 

Novo smartphone da Huawei, Mate Pro 60. Crédito: Bloomberg.

De volta ao Mate 60 Pro. Ele rapidamente virou um fenômeno de vendas, devolveu à Huawei o primeiro lugar do mercado de smartphones na China e impôs um alto custo à Apple. A maçã viu as vendas de iPhones no mercado chinês – o maior do mundo – desabarem 24% nas primeiras seis semanas deste ano na comparação anual. No mesmo período, as vendas da Huawei subiram 64%. 

Os consumidores atenderam ao chamado de Gina Raimondo nos memes. 

A evolução das marcas chinesas

A má-fama dos produtos feitos na China está ficando para trás a passos largos. Primeiro porque é até difícil encontrar produtos que não sejam made in China – a começar pelos da Apple. 

Além disso, as próprias marcas chinesas estão fazendo a lição de casa quando o assunto é branding e seguem conquistando a confiança dos consumidores. Em 2011, quando Elon Musk foi questionado sobre a competição com a chinesa BYD no mercado de veículos elétricos, o dono da Tesla gargalhou e emendou um “você já viu o carro deles?”, em total desdém. No último trimestre de 2023, a BYD tomou da Tesla o posto de maior fabricante de carros elétricos do mundo. 

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A consultoria de marcas Interbrand escreveu em seu relatório de 2023 sobre o mercado chinês que as companhias do país “entraram em uma nova era econômica, com as empresas amadurecendo suas construções de marca enquanto alcançam um desenvolvimento de alta qualidade”. 

“Tomando a BYD como exemplo, apesar da concorrência acirrada na indústria de veículos movidos a novas energias, a marca se fortalece continuamente por meio de inovações tecnológicas, como as baterias de lâmina”, segue o relatório, citando as inovadoras baterias da BYD que hoje equipam também carros de outras montadoras, entre elas a Tesla. 

À semelhança do que fez com a Huawei em 2019, os EUA agora tratam as montadoras chinesas de carros elétricos como uma uma ameaça à segurança nacional, o que pode levar a restrições de vendas no mercado americano. Sorte de Musk, que disse neste ano ver as montadoras da China como “as marcas mais competitivas do mundo”. 

“Se não forem estabelecidas barreiras comerciais, elas [as montadoras da China] praticamente vão demolir a maioria das outras empresas automobilísticas. Elas são extremamente boas.”

ELON MUSK

A Volkswagen perdeu para a BYD o primeiro lugar em vendas na China no ano passado, e agora outras marcas chinesas tentam ganhar espaço – o mercado de automóveis por lá também é o maior do mundo. A Xiaomi já recebeu mais de 120 mil encomendas do seu elétrico SU7, e a lista de espera está na casa dos sete meses. 

O nacionalismo de Xi Jinping

“O amor ao nosso país, o sentimento de devoção e de apego à nossa pátria, é um dever e uma responsabilidade de cada chinês. Na China contemporânea, a essência do patriotismo é amar o país, o Partido e o socialismo. Tudo ao mesmo tempo”. As palavras do presidente Xi Jinping, ditas em 2022, mostram como o nacionalismo é um tema central para o líder do país. 

No comando da China desde 2012, Xi Jinping deu início em 2022 a um inédito terceiro mandato, o que foi possível após abolir o limite de dois termos que restringiu o poder de seus antecessores. Para muitos especialistas, Xi Jinping é o mais poderoso e autoritário líder chinês desde Mao Tsé-Tung. 

Em seus discursos, além de exaltar o senso patriótico dos chineses, o presidente frequentemente critica a desigualdade no país, “convidando” os empresários chineses a serem patriotas, dedicados à prosperidade comum.

O discurso de valorização da China por meio do consumo também está presente e ressoa pelo país, alimentando grupos nacionalistas que se organizam nas redes sociais chinesas e promovem boicotes contra marcas estrangeiras ou mesmo contra companhias da China que não sejam consideradas “chinesas o suficiente”. 

O presidente da China, Xi Jinping

Em março, a Nongfu, uma empresa que vende garrafinhas de água, virou alvo de nacionalistas por estampar na embalagem um caractere chinês cujo estilo seria parecido com um memorial a militares japoneses que cometeram crimes de guerra na China durante a Segunda Guerra Mundial. Pode parecer específico demais, mas o boicote coloca pressão sobre o dono da Nongfu: Zhong Shanshan, que não é um empresário qualquer. Com uma fortuna de US$ 65,2 bilhões, ele é hoje o homem mais rico da China.  

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Nas últimas semanas, Xi passou a usar seus discursos para incentivar que os chineses troquem seus bens de consumo antigos por modelos mais novos, ajudando a financiar a indústria nacional e o desenvolvimento tecnológico do país. 

Não chega a ser uma surpresa. Em 2018, em visita a uma fábrica de uma companhia estatal, Xi Jinping deixou claro que sua visão é China first mesmo:

“Está cada vez mais difícil para a China conseguir tecnologias avançadas internacionalmente. O isolacionismo e o protecionismo comercial estão em alta, nos forçando a trilhar um caminho de auto-suficiência. Isso não é uma coisa ruim. Em última análise, a China não terá outra escolha a não ser confiar em si mesma para se desenvolver”. 

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