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Negócios

Em meio à desconfiança do mercado, Grupo Vamos mostra suas armas para os tempos de juro alto

Analistas se preocupam com inadimplência, mas empresa diz que menor atividade econômica traz oportunidades

A mudança das expectativas para a economia brasileira que ocorreram neste primeiro semestre colocaram as empresas de capital intensivo – aquelas que precisam se endividar mais do que as outras para crescer – na direção defensiva. 

Para algumas companhias, a postura de maior cautela pode trazer oportunidades. É o caso da Vamos, do Grupo Simpar, que trabalha com locação de caminhões, equipamentos e máquinas agrícolas e tem ações negociadas na Bolsa desde 2021. A empresa divulgou seu balanço na segunda (5) e o mercado reagiu mal, desconfiado em relação a uma inadimplência maior.

Para Gustavo Couto, CEO da empresa, o mercado talvez ainda não entenda totalmente as especificidades da companhia, pioneira no setor, e que teve suas ações listadas em 2021.

A piora das perspectivas econômicas nos últimos meses não é necessariamente um problema, na visão de Couto. “Em um ambiente mais recessivo, as empresas ficam mais dispostas a seguir para estratégias de corte de custos e, com isso, a terceirização de frota ganha força”, defende o executivo.

Ilustração representando queda do real
Ilustração: João Brito

O exemplo mais claro de que a crise trouxe negócios para a Vamos ocorreu com o Grupo Petrópolis, dono da cerveja Itaipava, que está com mais de R$ 5 bilhões em dívidas e recorreu à recuperação judicial no ano passado.

Uma das formas de aliviar o endividamento do Petrópolis foi vender a frota própria de 2,9 mil caminhões para a Vamos por R$ 576,2 milhões. Desde setembro, o grupo virou cliente da empresa do grupo Simpar, locando parte de seus antigos veículos. “Isso permitiu que eles reorganizassem suas finanças e nós expandíssemos nosso portfólio”, prossegue Couto. 

Modelo de negócio

A especialidade da Vamos é terceirizar a frota de caminhões e máquinas para grandes empresas. Na prática, ela é procurada por quem deseja priorizar seus investimentos no negócio principal (“core business”) e que acaba alugando a frota de um parceiro – neste caso, a Vamos. Os contratos são de pelo menos cinco anos, reajustados pela inflação (IPCA) ou pelo índice dos alugueis, o IGP-M.

Como o negócio da Vamos é, de maneira muito simplificada, colocar a dívida dos outros no seu balanço em troca de recebíveis de longo prazo, o custo de carregar um passivo de R$ 12,8 bilhões é um desafio. É por isso que a gestão desse endividamento – e dos recebíveis dos clientes – é tão importante quanto conseguir o melhor preço na hora de comprar o maquinário.

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No começo do ano, executivos dos mais diversos setores vislumbravam um Brasil com juros de um dígito já no fim do primeiro semestre de 2024 ou, no mais tarde, no início da segunda metade do ano. O cenário virou e, agora, precisam se adaptar a uma nova realidade, de Selic estacionada em 10,5% anuais por muitos meses – e com chance até de subir ainda mais por conta da pressão inflacionária e da disparada do dólar.

A mudança da trajetória do juro foi um golpe duro para as companhias de capital intensivo. E trouxe impacto também para os preços das ações dessas companhias (os papeis da Vamos acumulam queda de 11,6% em 2024 e de 30,14% nos últimos 12 meses – leia um pouco mais sobre isso logo abaixo).

As ferramentas

Gustavo Couto lembra que a Vamos trabalha com uma série de mecanismos que protegem a empresa da incerteza sobre a política monetária. Uma delas tem a ver com a própria definição de preços: como são contratos longos, de cinco anos aproximadamente, a empresa calcula os valores dos contratos de olho nos juros futuros.

Foi graças a essa política de preços que a companhia evitou um efeito rebote depois de o país atingir o menor patamar de juro desde a Proclamação da República, 2% ao ano, no auge da pandemia. “Naquele momento, a curva futura precificava juros de 9% ao ano, então, quando os juros foram para os dois dígitos, foi mais fácil de administrar [e de repassar]”, explica.

Existe ainda a possibilidade de uma proteção por meio do mercado futuro de juros, em que o Vamos coloca um limite (“cap“) para seu endividamento em juros pós fixados (o “CDI mais alguma coisa”). Se o juro cai, a Vamos colhe o benefício da queda como todo mundo e, se ele sobe, ela está protegida da alta. Isso é o que o mercado chama de hedge.

Gustavo Couto, CEO do Grupo Vamos (Divulgação)

A Vamos ainda pode recorrer à antecipação de recebíveis do contrato. Nesse caso, a empresa toma um empréstimo que tem como garantia o valor que ela tem a receber de seus clientes. Só que essa operação tem um custo e, portanto, não é o instrumento prioritário para a companhia.

Por fim, a última alternativa é uma renegociação de valores e condições do contrato com os clientes, o que também ocorre com certa frequência, relata o executivo.

Um apoio extra para enfrentar os desafios atuais, diz o CEO, é que seus ativos (caminhões e máquinas pesadas) tendem a se apreciar durante períodos de inflação. Essa valorização atua como uma proteção natural, pois permite que a empresa venda seus ativos a preços mais altos no futuro. “Ano a ano, o preço de um caminhão seminovo sobe e, em cinco anos, chega a estar mais de 20% maior. Então, na prática, a minha depreciação é menor”, reforça.

Caso a maré vire e o Banco Central comece a cortar os juros – que é o que o CEO do Vamos e a “torcida do Flamengo” do mundo corporativo esperam –, a tendência é de que a demanda pelos serviços da empresa cresça ainda mais porque as companhias devem retomar investimentos em expansão. “Nosso produto permite que o capex [investimento] dessas empresas vá diretamente para o core business, para que elas possam acelerar suas atividades.”

Sob desconfiança

Apesar da visão positiva do CEO do Vamos, as ações do grupo Vamos vêm mostrando um desempenho negativo: no ano, a ação cai 11,6%. É normal que, em momentos de juros mais altos, o investidor evite comprar papéis de empresas que precisam se endividar muito para crescer. Somente nesta terça-feira (6), um dia após a companhia apresentar o balanço do segundo trimestre, o papel caiu 10%.

O que azedou o paladar do mercado foi uma provisão de R$ 97,9 milhões, sendo R$ 78,6 milhões para cobrir o chamado PDD (Provisão para Devedores Duvidosos) do agronegócio, setor visto como mais seguro e responsável por 5% da carteira de negócios da empresa. “Obviamente que essa queda [das ações] desagrada, mas o lançamento das provisões nos deixou mais leves para focar no que temos pela frente”, afirma.

De janeiro a junho, a receita líquida da Vamos foi de R$ 3,61 bilhões, 14,5% maior do que a observada em igual período de 2023. Apesar disso, o mercado tinha uma expectativa maior de crescimento, que acabou impactada pela frente de concessionárias da Vamos – o maquinário que ela precisa renovar é revendido pela própria empresa –, que registrou prejuízo operacional no semestre.

Já a última linha do balanço registrou lucro líquido de R$ 388,5 milhões nos primeiros seis meses do ano, um avanço de 40,9% em relação ao primeiro semestre de 2023.

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