Se você costuma acompanhar as notícias sobre a Petrobras, talvez fique um pouco confuso com o vai e vem das informações sobre a empresa. É como se houvesse várias versões da petroleira.
Tem a companhia que, vira e mexe, sofre intervenções políticas e outra que bate recorde de lucro e ganha recomendação de compra – como a da última segunda-feira (26), do Morgan Stanley. Tem também aquela empresa com dezenas de bilhões de dólares de investimento para aumentar a produção, e a que perde dezenas de bilhões segurando preços de combustíveis.
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Nesse multiverso Petrobras, há muito ruído gerado pelas inúmeras menções à empresa feitas diariamente na internet – natural quando o assunto é uma companhia com mais de 900 mil acionistas pessoa física, segundo dados de abril deste ano.
O resultado é um quadro caótico e, por vezes, míope. Na verdade, quando a fumaça se dissipa há muito mais a se apreciar do que se depreciar.
A projeção mostra uma curva ascendente de extração de petróleo e gás no Brasil nos próximos cinco anos e meio. A Empresa Brasileira de Energia (EPE) coloca essa produção em 5,3 milhões de barris de petróleo para 2030. Ou seja, um avanço de 56% no período se comparado a abril deste ano, quando a extração alcançou 3,4 milhões de barris diários.
O Brasil ocupou a oitava colocação em 2023 entre os maiores produtores mundiais de petróleo. O ranking é liderado pelos EUA, com 12,9 milhões. Em seguida, aparece a Rússia, que extraiu uma média diária de 10,6 milhões de barris no ano passado. A Arábia Saudita surge em terceiro com produção de 9,6 milhões.
Com um volume de 5,3 milhões por dia, o Brasil disputaria a quarta posição ombro a ombro, ou poço a poço, com o Canadá – que hoje produz 4,9 milhões de barris diários, e, pelos cálculos da Agência Internacional de Energia (IEA), alcançará os mesmos 5,3 milhões.
Lá no vizinho dos EUA, o trunfo tem sido o óleo extraído do xisto, que responde por três quartos da quantidade produzida e funciona para eles como o pré-sal por aqui.
A Margem Equatorial
Mas nessa conta ainda falta entrar uma potencial fonte de petróleo extra, a chamada Margem Equatorial. Trata-se de uma nova fronteira para extração em águas profundas, localizada entre o Amapá e o Rio Grande do Norte. Há projeções, como a do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), que acrescentam mais 1,1 milhão de barris na cota de produção nacional até 2029 com a operação nessa área.
Isso significa que a extração de óleo brasileira poderia subir para 6,4 milhões de barris por dia nos próximos cinco anos. Tal volume consolidaria o país entre os quatro maiores do mundo.
As reservas da Margem Equatorial têm potencial para superar 30 bilhões de barris recuperáveis nas estimativas do setor. Hoje o Brasil conta com um volume de 15 bilhões de barris em reservas provadas, ou seja, validadas como viáveis comercialmente.
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A exploração de petróleo na nova área, porém, ainda enfrenta incertezas diante da polêmica sobre o impacto ambiental. A Petrobras já perfurou 700 poços exploratórios nessa área e encontrou reservas significativas, mas não tem as licenças ambientais que precisa para deslanchar a produção. Nos planos da petroleira, há previsão de investir US$ 3,1 bilhões ou R$ 17 bilhões na conversão do câmbio atual até 2028 para instalar 16 plataformas por lá.
A gigante brasileira respondeu por 88% da produção de óleo e gás do país no ano passado. Se mantiver um percentual parecido nos próximos anos, a companhia pode alcançar sozinha uma produção de 4,7 milhões de barris em 2030. Isso sem contar com um reforço da Margem Equatorial. Se a nova área entrar no jogo em tempo, o volume pode subir para 5,8 milhões de barris.
Esse nível de produção colocaria a Petrobras entre as três maiores companhias produtoras do mundo. A brasileira, na verdade, entraria na briga pela medalha de prata da extração de óleo global – atrás apenas da imbatível Saudi Aramco, a estatal saudita. Atualmente, ela ocupa a 7ª posição.
Em resumo, se tudo correr bem, o Brasil pode se tornar o quarto maior produtor mundial, a Petrobras a segunda no ranking entre as empresas e a receita com exportações de petróleo subiria espantosamente. A FGV calcula um salto de 70% das receitas arrecadadas pelo setor até 2030. A instituição vê uma subida de uma participação de 1,33% do PIB em 2021 para 2,25% daqui a seis anos. Isso sem considerar a Margem Equatorial.
Os riscos intrínsecos
O que pode dar errado? Muita coisa. A EPE prevê que os 5,3 milhões de barris em 2030 seriam o pico da produção. Dali em diante viria o declínio. É aí que entra a pressa da Petrobras em começar a tirar óleo da nova área. Como o processo todo, desde a descoberta de petróleo até a efetiva operação da plataforma, demora anos para acontecer, a companhia precisa acelerar o passo se quiser evitar a queda de produção.
Se a operação atrasar, por outro lado, não significa que o Brasil vá perder o status de potência petrolífera nas décadas seguintes. A projeção é que a extração recue para um nível médio de 4,5 milhões de barris diários ao longo de vários anos, sem a adição de novas áreas e reservas. Além disso, a petroleira já tem um plano B, ou melhor, um programa de expansão internacional com perspectiva de explorar campos em outros países da América Latina e na costa da África voltada ao oceano Atlântico.
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A interferência política na direção da empresa é outro obstáculo que surge de tempos em tempos. O governo federal detém 50,26% das ações ordinárias da empresa. Isso significa que a companhia está sob controle efetivo de quem senta na cadeira de presidente da República. Esse tipo de atuação, no entanto, ganhou alguns limites com a aprovação da Lei das Estatais, de 2016. A legislação define regras mais rígidas para empresas controladas pelo poder público em relação a compras, licitações e nomeação de diretores, presidentes e membros do conselho administrativo. Um progresso.
Existem ainda riscos de mercado. O preço do barril do petróleo tipo Brent, extraído do Mar do Norte e referência para mercado internacional, chegou a cair para abaixo de US$ 20 em 2020. A culpa foi da pandemia. Há quatro anos houve um momento inusitado, em abril, quando o barril do WTI, a referência de preços do produto nos EUA, chegou a ser negociado com preço negativo. Isso mesmo, abaixo de zero, a menos US$ 13. Se o mercado fosse um simples balcão de compra e venda, os vendedores teriam de pagar para os compradores levarem a mercadoria. Essa distorção, de qualquer forma, só durou de um dia para o outro.
Cenários de queda drástica dos preços do petróleo parecem um risco distante no momento atual. A IEA prevê que a demanda global pelo produto vai continuar aumentando até 2029. Nos próximos cinco anos, o mundo vai consumir 3,2 milhões de barris por dia a mais do que os atuais 102 milhões diários.
As tensões geopolíticas também afetam grandes regiões produtoras, como o Oriente Médio e a Rússia. Imersas em guerras, os dois territórios enfrentam dificuldades tanto no aumento de produção quanto na distribuição do produto.
Os maiores perigos ao desempenho da Petrobras, portanto, parecem controlados. A companhia atual é uma máquina de pagamento de dividendos. Só em 2023, a empresa distribuiu R$ 94,35 bilhões de seu lucro para os acionistas. No primeiro semestre de 2024, mais R$ 27 bilhões foram aprovados pela companhia.
O banco Morgan Stanley reforçou essa análise na segunda-feira, o que ajudou as ações da empresa a ganharem 9% naquele dia. Os especialistas ressaltaram a capacidade de geração de caixa, que continua resiliente e “pode suportar distribuições mesmo em ambientes de mercado desafiadores”.
A questão existencial para a Petrobras, no fim das contas, é aquela pela qual todas as petroleiras passam: a queda na demanda global para o longo prazo. A IEA prevê que o pico será em 2029. Dali em diante o mercado entraria em contração, ano após ano, principalmente por conta do crescimento da frota de carros elétricos, entre outras substituições energéticas.
O longo prazo não é amigo dos combustíveis fósseis, definitivamente. Mas, até ele chegar, tudo indica que uma parte razoável do petróleo consumido no mundo será nosso.
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