Uma combinação de fatores que ajuda a explicar a reação positiva das ações da companhia a um balanço que mostrou o menor lucro anual desde 2019, de R$ 31,6 bilhões.
Mas não foram só as questões financeiras e operacionais que despertaram o interesse de analistas durante a conferência realizada nesta quinta-feira (20), na sede da Vale, no Rio. A retomada das relações com o governo, que vinham bastante estremecidas até o ano passado, também esteve na pauta.
O tema também interessa ao investidor porque a execução e o financiamento de projetos de uma empresa produtora de commodity vai sempre contar com o apoio do poder público, afinal estamos falando de uma empresa que emprega cerca de 200 mil pessoas. E basta lembrar que, para viabilizar o Programa Novo Carajás anunciado na semana passada, a Vale precisará de novas licenças ambientais.
Foi justamente no evento de anúncio da retomada dos investimentos em Carajás, na semana passada, que veio a demonstração pública do novo status de relacionamento da Vale com o governo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez questão de dizer que “o clima desagradável” foi superado. E que, agora com Pimenta no comando da companhia, não haveria mais ruídos.
Pimenta, CEO da Vale desde outubro do ano passado, fez sua parte para distencionar a relação com o chefe do executivo. Além de se mostrar aberto ao diálogo, trouxe para sua diretoria de Relações Institucionais (área que tem interface direta com o poder público) o jornalista Kennedy Alencar, de longa relação com o presidente da República.
O que essas declarações de Lula demonstram é que, em seus cinco meses de gestão, Pimenta tem conseguido executar bem uma de suas principais missões à frente da mineradora: atuar como articulador político e restabelecer as relações com o governo, bastante abaladas desde a tragédia de Brumadinho, em 2019. E que, na visão de analistas e executivos próximos à companhia, não foi bem executada pelo antecessor de Pimenta, Eduardo Bartolomeo.
“Toda empresa, ainda mais as maiores e com impacto relevante na economia, têm por dever de oficio, se relacionar bem com o poder público. Quem não faz isso é mau gestor”, define um executivo próximo à Vale, que prefere não ser identificado.
A expectativa do mercado é que Gustavo Pimenta consiga ter a desenvoltura que Roger Agnelli teve durante seus 10 anos no comando da Vale, entre 2001 e 2011, passando por três presidentes diferentes (inclusive Lula). A habilidade do executivo abriu caminhou para o forte crescimento da companhia, que se tornou naquele período a segunda maior mineradora do mundo.
Pimenta foi o nome vencedor num processo ruidoso de substituição de Bartolomeo. E foi uma espécie de azarão: o nome do engenheiro mineiro, de 47 anos, não aparecia nas listas de candidatos potenciais muitas vezes divulgadas pela imprensa ao longo de quase um ano em que a disputa pelo comando da mineradora, uma das maiores empresas do país, aconteceu.
Lula tentou emplacar o ex-ministro Guido Mantega, por meio dos votos da Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, dona de 8,7% do capital da mineradora.
E não foi só ele: a Cosan, de Rubens Ometto, que detinha cerca de 4% da companhia, brigou pela indicação de seu homem de confiança, Luis Henrique Guimarães. Sem sucesso e com a empresa muito alavancada, Ometto desistiu da aposta na Vale: vendeu as ações em janeiro e levantou cerca de R$ 9 bilhões. Um alívio para o caixa da Cosan. E de certa forma para a Vale, que agora parece ter um conselho de administração mais “alinhado”, nas palavras de um executivo próximo à companhia.
Na conferência de resultados, Pimenta ouviu questionamentos de analistas e jornalistas sobre o efeito dessa nova fase de relacionamento com o governo. Ele disse que o setor de mineração “naturalmente tem alto grau de interface com o estado”, ou seja, com reguladores, ministérios, estados da União, municípios. “Não existe transição energética sem mineração”, disse.
É sob esse argumento que Pimenta e sua equipe negociam, por exemplo, as licenças ambientais de que precisam para seguir com alguns de seus projetos. No caso de Carajás, o plano é investir R$ 70 bilhões até 2030 para expandir a mineração de ferro e cobre.
O desafio externo
Mas o grande e perene desafio da Vale ainda é, sem dúvida, a evolução do preço do minério de ferro. A queda do preço da commodity, de cerca de 11%, pesou sobre o resultado da companhia no ano passado – no quarto trimestre, a empresa teve prejuízo de R$ R$ 4,68 bilhões. Assim, analistas entendem que a evolução do cenário internacional, muito incerto por causa da desaceleração da economia chinesa e da guerra comercial deflagrada pelo governo Donald Trump, é um risco para a Vale.
Pimenta concorda que essa é uma fonte de incerteza. Mas ele diz que há razões para acreditar que a demanda por aço – e, portanto, por minério de ferro – vai continuar aquecida e favorável à companhia. Primeiro, porque ele diz que a indústria manufatureira e de infraestrutura na China pode compensar o enfraquecimento do setor imobiliário do país. Mas também porque, se a economia chinesa fraquejar, o governo tem condição de oferecer estímulos.
Mas existe outro ponto: outros mercados, como a Índia e países do Sudeste asiático, estão crescendo e podem equilibrar a demanda global pela commodity.
A imposição de tarifas pelos Estados Unidos é algo a ser monitorado, afirma Pimenta, porque pode contribuir para desacelerar a economia globalmente, é verdade. Mas é muito cedo para prever um efeito dessa ordem. “A demanda por aço e mineração tem correlação com crescimento econômico e as tarifas podem afetar esse quadro, mas não estamos nesse momento”, diz.
O fato é que a Vale não exporta minério de ferro para os Estados Unidos, apenas níquel – 90% da necessidade americana pelo mineral é suprida pela Vale. Mas, como não há um substituto imediato – os Estados Unidos não produzem níquel -, é improvável que a commodity seja taxada, diz Pimenta.
Outro anúncio que a companhia fez foi a redução do investimento em sua capacidade produtiva, o chamado capex. O número caiu de US$ 6,5 bilhões para US$ 5,9 bilhões. Mas, na prática, o que vai acontecer é que a companhia vai executar os mesmos projetos, gastando menos: é a tal melhora de eficiência que agradou os investidores.