O petróleo despencou 15,5% em poucos dias como efeito da guerra comercial promovida por Donald Trump, derrubando o Brent para níveis não vistos desde 2021. Para as refinarias, a lógica seria simples: matéria-prima mais barata, margens maiores. No Brasil, no entanto, a realidade é mais complexa: uma disputa silenciosa com as petroleiras, em especial com a Petrobras, torna esse cálculo mais complexo.

O nó está no acesso à matéria-prima: embora a Petrobras determine seus preços com base nas cotações internacionais, as refinarias independentes dizem que a estatal restringe a oferta do óleo e, quando oferece a elas, cobra mais caro.

O resultado é que as refinarias privadas são obrigadas a importar 40% do petróleo que processam, pagando 15% a mais em custos, segundo Evaristo Pinheiro, presidente da Refina Brasil, associação que representa sete refinarias privadas responsáveis por um quinto da capacidade nacional de refino.

“Embora a gente tenha terminado com o monopólio de petróleo no Brasil, na prática ele continua existindo”, diz Pinheiro. O executivo relata que um sistema complexo de incentivos tributários e de preços favorece a exportação de petróleo bruto por parte das petroleiras em detrimento da indústria local. De 2014 a 2023, a capacidade de refino do país cresceu de forma marginal: de 2,35 milhões para 2,43 milhões de barris por dia.

As refinarias são o elo que transforma o petróleo bruto em produtos que impactam o dia a dia das pessoas: gasolina, diesel, querosene de aviação, gás de cozinha. Se o petróleo é o “cru”, a refinaria é a cozinha que prepara o que realmente move carros, aviões e toda a logística do país. Por isso, as disputas pelo acesso ao petróleo — e as margens de lucro das refinarias — acabam influenciando os preços que chegam na bomba e no bolso do consumidor.

O efeito Petrobras

A concentração da Petrobras no mercado de extração e refino de petróleo gera um efeito dominó que repercute em toda a cadeia produtiva, critica a Refina Brasil. Mesmo 28 anos após o fim oficial do monopólio estatal do petróleo, a Petrobras controla mais de 90% da produção nacional de petróleo e 60% do mercado de combustíveis refinados.

“A Petrobras continua sendo o price maker [formador de preços] de combustíveis do Brasil e então os movimentos que ela fizer vai naturalmente influenciar o resto do mercado para acompanhar”, explica Evaristo Pinheiro, que acumula experiência no comércio exterior, tendo trabalhado no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior entre 2003 e 2010.

Sob este cenário, o presidente da Refina Brasil aponta que hoje existem dois problemas capitais para as refinarias privadas: a discriminação no fornecimento de petróleo bruto pela Petrobras e a existência de incentivos tributários que faz com que seja mais favorável para as petroleiras exportar do que negociar no mercado interno.

Preços

A Refina Brasil acusa a Petrobras de praticar discriminação de preços. O argumento da associação é que a estatal estaria vendendo petróleo para suas próprias refinarias a preços mais favoráveis do que os oferecidos às refinarias independentes – quando estas conseguem comprar.

“Quando você controla um insumo e concorre em paralelo, você é obrigado a oferecer o insumo ao mesmo preço que você vende para as suas próprias empresas coligadas”, diz Pinheiro, citando que este é um princípio básico da lei antitruste que, segundo ele, está sendo ignorado no setor.

O caso mais emblemático é o da Acelen, dona da refinaria de Mataripe, na Bahia. Privatizada em 2021 por US$ 1,65 bilhão, a segunda maior refinaria do Brasil importa 40% do petróleo que processa, conforme já mostrou o InvestNews. Diante dos problemas de competitividade, o fundo Mubadala, controlador da Acelen, está em conversas desde o ano passado para vender a refinaria de volta para a Petrobras.

“É muito impactante, porque Mataripe são 300 mil barris por dia [refinados], mais da metade do refino privado”, observa Pinheiro. “Eu imagino que os acionistas da refinaria de Mataripe não estariam querendo vender de volta se não tivesse essas distorções regulatórias.”

Replan, em Paulínia (SP), a maior refinaria do país (Foto: Marcos Peron/Agência Petrobras)
Replan, em Paulínia (SP), a maior refinaria do país (Foto: Marcos Peron/Agência Petrobras)

A discussão entre as refinarias privadas e a Petrobras foi parar no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Em um dos processos, a estatal fechou o compromisso de oferecer petróleo às refinarias independentes, mas a estatal ainda pode determinar livremente o preço – o que mantém a barreira competitiva, argumenta a Refina Brasil.

Em paralelo, outro processo, movido pela Acelen, está em curso na autarquia para avaliar uma eventual discriminação de preços, mas com a tramitação parada há quase um ano.

‘Distorção’ tributária

O segundo problema, os incentivos tributários que favorecem a exportação, surgiu a partir da fórmula de “preço de referência”, estabelecida pela Agência Nacional do Petróleo e Gás Natural (ANP) para cálculo de royalties e base de tributação nas exportações. No ano passado, o petróleo superou a soja e liderou as vendas do país ao exterior, com 1,75 milhão de barris de petróleo bruto exportados diariamente.

Utilizando o petróleo do tipo Brent como parâmetro, o cálculo aplica descontos de qualidade ao petróleo brasileiro, ignorando que o óleo do pré-sal possui características superiores e deveria ter um prêmio, não um desconto, afirma Pinheiro.”.

Esse mecanismo técnico tem consequências fiscais significativas: quando uma petroleira exporta para uma coligada no exterior, ela paga Imposto de Renda e CSLL sobre o “preço de referência” (que, neste cálculo, sai mais barato). Já nas vendas domésticas, a tributação ocorre sobre o preço de mercado real, registrado em nota fiscal, que tende a ser maior.

Essa diferença na cobrança de impostos ganhou um novo capítulo com a regulamentação da Reforma Tributária. A Refina Brasil classificou como “inconstitucional” a decisão do relator Eduardo Braga (MDB-AM) de retirar do texto final a cobrança do imposto seletivo sobre a exportação de minerais e petróleo. 

O tema deve voltar à pauta na segunda quinzena de abril, quando o Congresso analisará novamente a questão do Imposto Seletivo, tornando o debate ainda mais urgente para o setor. “Taxar a extração e não a exportação representa gerar empregos no exterior”, criticou o executivo.

“Eu estou exportando lucro para o exterior em vez de tributar o lucro adequadamente”, prossegue Pinheiro, estimando que a distorção cause um prejuízo anual de R$ 30 bilhões aos cofres públicos federais, estaduais e municipais.

Falta estrutura

O efeito prático dessas distorções é que mesmo o Brasil sendo o oitavo maior produtor de petróleo do mundo, com 3,4 milhões de barris extraídos diariamente, não tem autossuficiência no refino do óleo. Desde 2014, a capacidade instalada cresceu de forma marginal – 0,37% ao ano.

Isso significa que, além das distorções que favorecem a exportação, o Brasil também não tem estrutura para refinar tudo o que produz. Resultado: acaba forçado a exportar 600 mil barris de petróleo por dia por não ter capacidade instalada.

“É um contrasenso”, argumenta Pinheiro. “Fazemos como Portugal fazia com a Inglaterra: panos e vinhos. Eu exporto petróleo e tenho que importar o produto de maior valor agregado, que é a gasolina e o diesel.”

Esta equação ganha contornos mais preocupantes quando considerada a capacidade de armazenamento: apenas 2 milhões de barris, contra 500 milhões nos Estados Unidos e 200 milhões na China. A vulnerabilidade resultante expõe o país a choques de preço e oferta em crises internacionais, como bloqueios nos estreitos de Ormuz ou no Canal de Suez.

Soluções

A Refina Brasil estima que suprir o déficit de 600 mil barris diários na capacidade de refino seria capaz de gerar 4,5 mil novos empregos diretos e 40 mil postos de trabalho durante a construção de novas refinarias. Estima-se que as novas instalações poderiam gerar R$ 80 bilhões em faturamento adicional e R$ 20 bilhões em arrecadação de impostos.

A associação trabalha atualmente com o Ministério de Minas e Energia e o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) em uma proposta de contratos de longo prazo que permitiriam à PPSA (Pré-Sal Petróleo S.A.) fazer leilões para refinarias processarem o petróleo da União.

“Se houver essa política implementada, isso sem dúvida vai estimular o mercado de refino no Brasil e o investimento”, afirma Pinheiro, destacando que a solução não se resume a subsídios, mas a condições competitivas em nível de igualdade.