A sueca H&M chegou ao Brasil com direito a muitos posts nas redes sociais e filas na inauguração das duas primeiras lojas no Brasil. A C&A e Riachuelo têm entregado alguns de seus melhores resultados da história. O varejo de moda não estava tão “na moda” desde a pandemia. Nesse novo ciclo, até mesmo a líder Renner vê a concorrência apertar. Para o CEO Fabio Faccio, porém, a varejista está mais preparada do que nunca para a briga.

A Renner perdeu o posto de queridinha do mercado de capitais nos últimos anos. A companhia teve de lidar com os efeitos da pandemia sobre o consumo de vestuário, com a alta da taxa de juros e com a invasão dos produtos asiáticos – muito mais baratos. Mas além do contexto macro, a Renner sofreu com o ceticismo do mercado em relação a uma aposta alta feita logo depois de 2020: entre 2021 e 2024, a Renner tirou do papel seu maior ciclo de investimentos da história. Algo entre 10% e 12% e sua receita líquida todos os anos.

O objetivo com esse investimento todo era digitalizar seus processos, colocar de pé um centro de distribuição, em Cabreúva (SP) —totalmente automatizado para dar conta de toda sua operação física e on-line — e criar um modelo de centro de abastecimento item por item em cada loja.

Não foi tão simples. A Renner teve de aprender com os erros dos últimos anos, no que pode ser apontado como o maior desafio até agora da gestão de Faccio, CEO da Renner desde 2019. Na empresa desde 1999, o executivo teve a missão de substituir José Galló, profissional que foi a cara do grupo por anos e fez a varejista Porto Alegre ganhar força em todo o território nacional – Galló permaneceu na empresa como chairman até o fim de 2024.

Aprendendo com os erros

Um dos episódios mais emblemáticos foi o segundo trimestre de 2023, quando a coleção de inverno encalhou e a varejista precisou recorrer à liquidações. Naquele ano, o lucro líquido do primeiro trimestre caiu 76%. A partir dali e com o avanço dos investimentos em tecnologia, especialmente em ferramentas de inteligência artificial, a Renner foi afinando seus modelos de previsão de demanda das peças.

A estratégia da companhia para sustentar rentabilidade inclui uma engrenagem mais rápida de produção e abastecimento. “Hoje conseguimos levar de 20% a 35% da coleção do desenho à prateleira em cerca de 25 dias, se necessário. Isso melhora nossa margem bruta, o giro de estoques e o ciclo financeiro”, diz Faccio em entrevista exclusiva ao InvestNews. Antes disso, o prazo poderia chegar a 45 dias para 5% a 10% da coleção.

Essa foi uma lição que veio na esteira da ascensão de plataformas cross border como a Shein. O e-commerce asiático gerou muitos protestos dos empresários nacionais, com direito ao apelido de “taxa das blusinhas” ao fim da isenção das importações até US$ 50. Embora a briga ali fosse pelo o que os varejistas reclamavam ser uma isonomia de condições tributárias, a popularidade de plataforma e sua capacidade de engajamento exigiu mudanças das varejistas.

Na Renner, a coleção de peças básicas a preços mais baixos de entrada ganhou espaço fixo em todas as trocas de coleções. A agilidade da Shein de reagir a tendências de moda e “ouvir” as novidades mais quentes das redes sociais também foi outra coisa seguida pelas varejistas nacionais, incluindo a Renner. Mais peças passaram a ser lançadas e a chegar no catálogo rapidamente, com direito a coleções de camisetas de coisas de cultura pop desde séries, bandas, filmes a até memes.

E tudo isso ficou mais evidente agora, em 2025, com o centro de distribuição totalmente operacional. A margem bruta da varejista chegou a 57,1%, um dos maiores patamares de sua história. As vendas em mesmas lojas, indicador que mostra o avanço de vendas em lojas com pelo menos um ano de operação, cresceram mais de 17%. Se observado só o indicador para vestuário, o aumento foi de 18,5%, superior ao das concorrentes C&A e Riachuelo.

Foi um resultado “um pouco acima da normalidade” nas palavras do CEO, mas que reforçou a mudança operacional da companhia. O terceiro trimestre deve ter um crescimento mais modesto de vendas – o que parte do mercado já precificou. A ação que chegou a superar os R$ 19 em junho, negocia, agora, mais perto dos R$ 17. Ainda assim, a avaliação de times de análise dos bancos, como Itaú BBA e Santander, é de que agora sim a Renner está normalizando seus números e caminhando para resultados mais saudáveis.

A combinação de logística eficiente e assertividade na coleção reduziu o volume de remarcações e permitiu vender mais a preço cheio — efeito que ajuda a elevar em 6,3% o tíquete médio, para R$ 226,90. No caso das vendas via cartões Renner, o tíquete médio cresceu 6,4%, chegando a R$ 318,80, o que reforça o papel da Realize na estratégia.

A ambição ali não é ser um negócio financeiro por si só, mas criar uma alavanca para as vendas do varejo. Por isso, num cenário de juros elevados e risco de inadimplência ainda alto, a Realize segue conservadora na concessão de crédito. No semestre, a carteira atingiu R$ 6,5 bilhões, ganho de 12% ano a ano, com melhora do perfil de risco.

O menor peso das despesas também começa a ficar mais visível. Esse era um ponto que vinha trazendo cautela entre alguns gestores do mercado. No segundo trimestre, a companhia conseguiu reduzir a relação despesa/receita em 0,8 ponto percentual, mesmo com o nível de investimentos ainda elevado. Faccio argumenta que esse movimento é gradual. “Desde meados do ano passado começamos a ver uma curva crescente de geração de valor com diluição de despesas. A ideia é sustentar esse processo pelos próximos dois ou três anos.”

Essas melhorias deixaram os analistas mais otimistas. Para o Itaú BBA, a tendência é de aceleração da diluição das despesas conforme o ciclo pesado de capex fica para trás e as novas lojas e sistemas ganham escala, o que deve permitir avanço de margem EBITDA mesmo em cenários de crescimento moderado de vendas. Já o time do Santander acredita que, com despesas mais controladas e a margem bruta em trajetória ascendente, a Renner tem potencial de expandir o EBITDA acima de dois dígitos ao ano nos próximos exercícios.

Menos investimentos? Não é bem por aí…

O maior ciclo de investimentos já foi, mas a Renner prevê cerca de R$ 850 milhões em capex em 2025. É 30% a mais do que o investimento feito em 2024. Agora, com mais venda, os investimentos representam menos da receita, algo entre 6% e 8%. A virada de chave, no entanto, está no tempo de retorno, defende o CEO.

Em seu maior ciclo, os investimentos tinham potencial mais transformacional, simbolizado no CD de Cabreúva. A estrutura permite abastecer as lojas de forma granular e reduzir o ciclo financeiro. Agora, os aportes têm foco em reformas, como o novo modelo de loja inaugurado no Shopping Morumbi, e abertura de 30 a 37 lojas, além de tecnologia para aumentar conversão digital.

Loja da Renner no Morumbi Shopping

Esses investimentos devem gerar valor de curto e médio prazo, seja em venda nova ou em aumento de venda por metro quadrado, de acordo com o CEO. A maior parte das inaugurações do ano acontecem justamente a partir do quarto trimestre.

O plano da companhia é abrir lojas em cidades onde ainda não está presente com suas marcas, incluindo aí não só Renner, mas também a marca jovem Youcom. Ao menos 90 cidades foram mapeadas como alvo neste plano. A companhia tem pouco mais de 30% de presença em cidades com 50 mil habitantes ou mais.

O entendimento é que essas lojas dependem de área menor e têm um retorno de capital maior e mais rápido. “Essas lojas trazem mais clientes também para o canal digital, elevando em cerca de 20% as vendas online nesses mercados”, observam os analistas do Itaú BBA. É um ganho relevante para o canal digital da Renner, que vem ganhando relevância, com penetração de 15% sobre as vendas totais.

Atualmente, o grupo Renner tem 691 lojas, cerca de 430 da loja de departamento.

Ainda tem mais eficiência

A abertura de lojas é importante, segundo Faccio, porque a companhia não atingiu o teto de eficiência, embora continue sendo a mais produtiva do setor quando comparada às concorrentes nacionais. Cálculos do time do BBA apontam que a empresa faz vendas de R$ 13,2 mil por metro quadrado ao ano, 59% acima da Riachuelo e 24% acima da C&A.

“Com os investimentos que fizemos, temos um novo ciclo que deve sustentar esse diferencial competitivo por bastante tempo.” A ambição é voltar aos níveis de rentabilidade pré-pandemia. “Acreditamos que é possível, numa jornada de dois ou três anos, atingir os mesmos níveis de rentabilidade que já tivemos no passado — e agora numa escala muito maior”, diz Faccio.

Analistas concordam que esse caminho deve destravar geração de caixa relevante: o Santander projeta crescimento de Ebitda e lucro líquido acima de dois dígitos até 2027 e vê espaço para retomada de dividendos mais robustos a partir desse período.