Após um período fora do radar de investidores, a Guararapes parece começar a voltar ao jogo do mercado. Bancos de investimento retomaram a análise das ações da companhia e há sinais de que investidores estrangeiros aproveitaram os preços atrativos dos papéis para comprar – o que ajuda a explicar a alta de 93% da ação este ano.

O que está no centro dessa retomada é o reposicionamento estratégico da companhia, que combina ajustes operacionais, simplificação de portfólio e mudanças na proposta da marca Riachuelo — movimento que inclui a venda do Midway Mall, maior shopping center de Natal (RN). A estratégia inclui ainda uma combinação de produção integrada, maior uso de tecnologia nas lojas e expansão do crédito ao consumidor.

Fundada no fim dos anos 1940 em Natal pelos irmãos Nevaldo e Newton Rocha e listada na Bolsa desde 2007, a Guararapes atravessou um período de menor visibilidade no mercado de capitais. Nos últimos dois anos, porém, voltou ao radar: bancos de investimento retomaram a cobertura, gestores estrangeiros com horizonte de longo prazo passaram a participar de apresentações da companhia e ampliaram sua participação acionária — apesar da baixa liquidez dos papéis. A partir de fevereiro de 2026, as ações passarão a ser negociadas na B3 sob o ticker RIAA3, substituindo o código GUAR3, com o nome de pregão alterado para Riachuelo.

A melhora operacional ajuda a explicar esse movimento. Entre 2023 e 2024, a margem EBITDA consolidada subiu de cerca de 12% para mais de 15%, enquanto o retorno sobre o capital investido (ROIC) avançou de 5,8% para aproximadamente 10,6%. Segundo o BTG Pactual, a projeção é que o indicador se aproxime de 14% até 2027.

A empresa acumula nove trimestres consecutivos de crescimento de vendas e oito trimestres de expansão de margens. O próximo passo é acelerar a abertura de lojas: de uma unidade inaugurada em 2023 para cerca de 15 por ano a partir de 2026, afirma André Farber, CEO da Guararapes há quase três anos, em entrevista ao InvestNews. Com passagens pela Dafiti e pelo Grupo Boticário, Farber é o primeiro presidente-executivo da companhia sem vínculo com a família fundadora.

André Farber, CEO da Guararapes, dona da Riachuelo

O plano prevê entre 150 e 200 novas lojas ao longo da próxima década, com foco nas regiões Sul e Sudeste, além da reforma de unidades existentes sob um novo conceito. A empresa vai testar esse modelo em quatro ou cinco lojas, em regiões diferentes, a partir de uma operação temporária inaugurada nesta semana na rua dos Pinheiros, em São Paulo. Segundo estimativas de analistas, as inaugurações e reformas podem adicionar entre R$ 2 bilhões e R$ 3 bilhões em receita incremental.

Com novo logotipo e o slogan “incrivelmente Brasil”, a companhia busca reposicionar a Riachuelo mais próxima do universo da moda do que do varejo de preço baixo. A estratégia não implica abandonar a base popular, mas ajustar a forma de apresentação da marca ao consumidor, afirma Farber.

De acordo com a empresa, pesquisas indicam aumento de dois pontos percentuais na preferência pela marca, que alcançou a segunda posição no segmento, além de avanço de sete pontos percentuais na aceitação entre consumidores das classes A e B.

Apesar disso, o tíquete médio ainda cresceu de forma moderada, na faixa de 5% a 8% nos últimos anos, segundo o executivo. Atualmente, o valor supera R$ 200, aproximando-se do nível da Renner, acima dos cerca de R$ 195 da C&A e distante dos R$ 120 a R$ 130 observados em redes mais populares, como Torra e Caedu.

Consumidor “ampulheta”

Para explicar como a companhia pretende conciliar tíquetes mais altos com acessibilidade, Farber recorre à ideia de consumo em formato de ampulheta. “O mesmo cliente pode, em determinados momentos, buscar um produto muito barato e, em outras ocasiões, pagar R$ 500 por uma peça específica”, diz.

Em uma ponta, permanecem itens de entrada, como camisetas a partir de R$ 29; na outra, peças mais elaboradas, com maior valor agregado e foco em moda. “As marcas consolidadas operam com essa elasticidade”, afirma.

Relatórios de casas como Itaú BBA, Santander e BTG Pactual descrevem estratégia semelhante: sofisticar sortimento e apresentação das coleções — por meio de sub-marcas como Pool e D-Ultra, linhas assinadas e narrativa mais estruturada — sem afastar o consumidor que associa a Riachuelo a uma proposta de custo-benefício.

Fábrica como motor

Por trás desse reposicionamento está uma estrutura que segue como um dos principais diferenciais do grupo. A Guararapes opera o maior parque fabril de vestuário da América Latina, com capacidade para produzir cerca de 40 milhões de peças por ano. Aproximadamente metade do vestuário vendido nas lojas vem dessa produção própria, que inclui malharia, jeans e tecido plano, além de tingimento, lavanderia e customização.

Segundo estimativas do Itaú BBA, essa verticalização garante uma vantagem de 6 a 8 pontos percentuais de margem bruta em relação à compra de fornecedores externos, impulsionada por escala e benefícios fiscais. Essa estrutura permite manter preços competitivos em itens básicos enquanto a empresa testa produtos de maior valor agregado.

Nos últimos dois anos, a Guararapes reforçou a disciplina na cadeia de suprimentos. Implementou processos formais de planejamento de vendas e operações, elevou a taxa de aderência no recebimento de mercadorias de cerca de 70% para 90% e passou a adotar um modelo mais analítico de “make or buy”, comparando vendas, qualidade e margens entre produção própria e terceirizada.

A lógica é usar a fábrica quando ela oferece vantagem de custo ou rapidez e complementar com importados ou parceiros quando isso faz mais sentido. Em categorias como jeans masculino, o mix entre produção nacional, importada e própria já foi redesenhado para ampliar margens sem perda de competitividade.

Nas lojas, a companhia passou a utilizar modelos de inteligência artificial para sugerir ajustes de preços com base na projeção de demanda, buscando equilibrar margem e giro de estoques. Também avançou na clusterização das unidades por clima e perfil de cliente e adotou rotinas mais rígidas de revisão de sortimento e exposição.

A adoção de etiquetas RFID permite rastreamento mais preciso de estoques em loja e centros de distribuição, reduzindo rupturas e abrindo espaço para incremento de vendas sem aumento proporcional de inventário, segundo analistas.

No digital, a meta é que entre 20% e 25% das vendas totais venham dos canais online, com rentabilidade próxima à das lojas físicas. De 2023 a 2025, a receita digital cresceu cerca de 50%, enquanto a margem avançou nove pontos percentuais, apoiada em ganhos de eficiência em tráfego, conversão e operação.

Financeira ganha protagonismo

A Midway Financeira também passou a ocupar papel mais central na estratégia. Após a revisão de políticas de crédito e produtos, a unidade deixou de ser vista apenas como apoio ao varejo e passou a operar com metas próprias de retorno.

Segundo o Itaú BBA, a Midway já responde por cerca de um terço do resultado financeiro do grupo, e os empréstimos pessoais representam aproximadamente 30% do EBITDA desse braço, com potencial de dobrar nos próximos anos. Hoje, esse crédito é ofertado principalmente a clientes do cartão da rede, mas a empresa pretende expandir a oferta para além dessa base a partir de 2026.

Um dos efeitos dessa estratégia é o aumento da fidelização. Entre clientes que utilizam o cartão Midway, a taxa de recompra em 60 dias subiu de 45% para 54%, o que representa um ganho estimado de cerca de dois pontos percentuais nas vendas mesmas lojas (SSS).

Na outra ponta, os cerca de 13 milhões de clientes que não utilizam o cartão compram, em média, uma vez por ano. Pequenos avanços nessa frequência podem gerar impacto relevante no volume de vendas.

Sem shopping center

Enquanto reforça os pilares de varejo de moda e serviços financeiros, a Guararapes segue simplificando a estrutura. Reduziu alavancagem, alongou prazos da dívida e estruturou um FIDC para diversificar o funding da Midway. Nesse contexto, o Midway Mall, em Natal, passou a ser tratado como ativo não estratégico.

A venda do shopping foi anunciada em 7 de novembro. A companhia não divulga valores, mas fontes de mercado indicam avaliação em torno de R$ 1,6 bilhão. O ativo foi adquirido por um grupo liderado pelo fundo Capitânia, com aprovação do Cade no fim de novembro.

O Itaú BBA destaca que o shopping gera lucro líquido anual próximo de R$ 80 milhões e retorno sobre patrimônio em torno de 30%, mas deixou de ser prioritário diante da decisão de concentrar capital em moda e serviços financeiros.

Santander e BTG avaliam que a venda, somada à monetização de outros imóveis, pode destravar valor e abrir espaço para eventuais distribuições aos acionistas no futuro, dada a posição de liquidez da companhia.

Segundo Farber, a Guararapes busca ser avaliada pelo que considera seu núcleo de atuação. “Não somos uma empresa de shopping. A decisão foi concentrar investimentos nos negócios que entendemos como nosso core, mesmo sendo um ativo rentável”, afirma.