Mas agora é uma rede nascida no Brás, coração da moda popular na capital paulista, que instala uma de suas lojas por lá.
Criada em 1993, a Torra levou tempo para chegar à Paulista. Em entrevistas, o CEO, Marcio Ruiz — um dos quatro irmãos da família fundadora —, diz que esse já era um sonho há pelo menos 8 anos. A rede da família Ruiz colocou o primeiro pé na avenida durante a pandemia: abriu ali, no prédio acima da atual loja, seu escritório administrativo.
Agora, chega com tudo. Inaugurada há pouco mais de uma semana, a loja é grande, de quase 600 metros quadrados, e a vitrine já remete às compras de Natal. A fachada neutra deixa os manequins em evidência, e o que diferencia a loja é o letreiro laranja com o nome da Torra — numa espécie de confronto direto com a fachada toda rosa pink da Marisa – praticamente cara a cara com ela do outro lado da avenida.
O endereço da 91ª loja da Torra, em seu ponto mais nobre, reflete o momento de ascensão da rede, que está entre as 10 maiores varejistas de moda do país e lidera o segmento popular. Mas é, também, o retrato de como esse estrato tem avançado — ocupando, inclusive, espaços que antes não eram considerados para essa fatia do mercado.
Enquanto a C&A e a Riachuelo foram reposicionando seus produtos para alcançar faixas de preço mais elevadas e mais próximas da Renner, a Marisa, que sempre manteve uma oferta mais ligada à classe C, teve de lidar com problemas que diminuiram sua fatia no bolo do varejo de moda.
É nesse vácuo que redes como a Torra, a Caedu, a Lojas Avenida, a Besni e outras populares conseguiram crescer mais, diz Alberto Serrentino, sócio especialista em varejo e fundador da Varese Retail.
“Essas redes foram crescendo de maneira organizada, montando infra, estabelecendo estruturas de gestão e entrando em shopping center. E, hoje, são uma realidade bastante competitiva”, observa Serrentino.
A Torra, por exemplo, começou a profissionalizar o negócio em 2010, quando chegou a pouco mais de 20 lojas. Além dos irmãos, passou a ter executivos vindos do mercado. Em 2024, o faturamento do grupo foi de R$ 2,3 bilhões, 63% a mais do que em 2019. Isso já significa um terço da receita de vendas da gigante Riachuelo no ano passado (R$ 7,2 bilhões). E quase o dobro da Marisa, que faturou R$ 1,39 bilhão. A estimativa, agora, é fechar 2025 com as vendas somando R$ 2,6 bilhões.
O grupo tem lojas em 17 estados do país e projeta abrir ao menos 10 lojas em 2026, superando as 100 unidades, além de manter dois centros de distribuição. O crescimento, porém, é feito todo com capital próprio, para não se expôr a dívida elevada em um ambiente de juros altos.
A lógica é a mesma para a operação de crédito ao consumidor. A Torra banca com recursos próprios um serviço de cartões para financiar as compras de 1,7 milhão de clientes ativos.
Caminho similar foi feito pela Caedu, também nascida no Brás. A empresa foi criada em 1975 por Vicente da Palma, vendendo roupas de atacado e depois varejo. Em 2016, já com mais lojas e até mesmo um cartão de crédito próprio, a empresa profissionalizou a operação.
Atualmente, é a filha do fundador, Leninha da Palma, quem cuida dos negócios de perto, na cadeira de presidente do conselho de administração. A empresa tem 106 lojas e faturou, em 2024, R$ 1,17 bilhão, 9% mais do que um ano antes.
Outro exemplo de ascensão expressiva é da Lojas Avenida. Trata-se de um grupo do Mato Grosso criado em 1978 por Ailton Caseli, com o nome de Maracanã dos Tecidos. Em 2014, atraiu o Kinea para fazer um investimento e entrou na rota para um IPO. Os planos mudaram em 2021 quando a varejista recebeu uma oferta de uma grande varejista da África do Sul, a Pepkor. Em 2024, o faturamento superou os R$ 1,4 bilhão – 20% a mais do que um ano antes.
Espaço no guarda-roupa
Se a estruturação dos negócios ajudou, também é fato que as lojas populares têm surfado um ambiente macroeconômico favorável para elas.
Na ponta do desemprego, o país vive o menor nível já registrado: pelo dado mais recente do IBGE, a taxa de desocupação ficou em 5,4% no trimestre encerrado em outubro de 2025, a menor de toda a série histórica iniciada em 2012.
Por outro lado, 85% dos trabalhadores ganha menos de R$ 5 mil. E 75% das vagas com carteira assinada que surgiram no ano passado foram para beneficiários do bolsa família. Ou seja: o desemprego em baixa cria muito mais clientes para o varejo popular do que para as faixas mais caras.
Além disso, especificamente no vestuário, a inflação não tem dado trégua: depois de subir 0,63% em setembro, o grupo avançou 0,51% em outubro de 2025 no IPCA — ainda a maior alta entre os nove grupos do índice no mês, com destaque para calçados e acessórios e roupa feminina. Em 12 meses, os preços do vestuário sobem 5,07%, acima do IPCA cheio, de 4,68%
E tem os juros, que ajudam a subir a inadimplência. Pelos dados do Banco Central, a taxa da carteira total do Sistema Financeiro Nacional (atrasos acima de 90 dias) está em 3,9% e aumentou 0,7 ponto percentual em 12 meses.
A aposta da Torra na Avenida Paulista e as inaugurações recentes da Caedu em shoppings centers podem ser lidas como um sinal de que o varejo de moda popular está tentando capturar um novo fluxo de consumo — inclusive de gente que antes comprava em redes mais caras — num momento em que juros e inflação apertam o orçamento das famílias.
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Na avaliação de Marcelo Prado, diretor do IEMI Inteligência de Mercado, redes como Torra e Caedu enxergam “uma oportunidade pra elas acima”, porque a classe média “começa a ter um comportamento de consumo mais de classe média baixa”. O consumidor passa a fazer trocas para economizar. E, aí, ele opta pelo por uma roupa mais cara para ocasiões especiais, mas muda a origem do guarda-roupa para os itens básicos. “Uma camiseta básica ele vai comprar numa loja mais barata para controlar as contas”.
A Torra, que nasceu Torra-Torra, numa alusão aos preços baixos, tem tíquete-médio de R$ 120. A Caedu tem tíquete médio na casa dos R$ 130. O patamar é similar ao da Marisa, abaixo dos R$ 195 de C&A e cerca de metade do tíquete médio da Renner. “O macro empurra o consumidor para corte de gastos e cria espaço para as marcas econômicas porque o consumidor volta a buscar preço, preço, preço”, diz Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores.
E, no caso da Torra, o endereço funciona também como vitrine — pela avenida Paulista passam 1,5 milhão de pessoas diariamente — num momento em que construir marca é especialmente crucial para quem está crescendo e precisa cavar seu espaço num espaço muito maior e mais disputado que é o e-commerce.
“Essas redes ainda estão muito atrás nos canais digitais. Isso ajuda fazer a marca mais lembrada e a posicioná-la para além do circuito tradicional do comércio popular.”