Apesar das estatais brasileiras estarem entre as maiores pagadoras de dividendos e terem registrado lucros expressivos em 2022, a mudança de governo preocupa investidores que aportaram seu dinheiro nestas empresas. Os temores têm relação com o risco de intervenção política e má gestão.
Uma das promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi de que as estatais devem cumprir seu papel social e contribuir para o desenvolvimento do país. Conhecidas por serem empresas que atuam em setores estratégicos do país e com demanda constante, as estatais costumam ser apontadas como atrativas para investimentos.
A Petrobras (PETR3, PETR4), que no ano passado conquistou a 1ª posição no ranking mundial das maiores pagadoras de dividendos, pode ter que mudar a distribuição dos seus proventos no novo governo. Em novembro do ano passado, logo após vencer as eleições, Lula criticou o atual modelo de distribuição e disse que a “Petrobras tem que servir ao povo brasileiro”, em vez de enriquecer apenas os acionistas.
Uma possível alteração na política da companhia de Preço de Paridade Internacional (PPI), que foi instituída em 2016 no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) e baseada no mercado internacional, é outro fator que preocupa os investimentos.
Oportunidade ou risco?
Fabrício Gonçalvez, Ceo da Box Asset Management, ressalta que as estatais geralmente atuam em setores essenciais, como energia, transporte, telecomunicações, entre outros, o que pode garantir uma demanda constante por seus produtos e serviços, independentemente das condições econômicas.
Além disso, como elas têm o apoio do governo, podem ter prioridade em licitações e projetos estratégicos, o que pode proporcionar oportunidades de crescimento e desenvolvimento. No entanto, apesar dos pontos positivos apresentados, ele alerta para os riscos.
“É importante lembrar que investir em estatais também pode apresentar alguns riscos, como a influência política, a regulamentação, a questão da gestão, a possibilidade de intervenção governamental, e é importante fazer uma análise cuidadosa antes de investir. É recomendado diversificar a carteira de investimentos e acompanhar os resultados das companhias”, afirmou.
Para Vitor Polli, analista da Levante commodities esse não parece ser o momento ideal para se investir em estatais, mais especificamente na Petrobras. “Apesar de um valuation que nos parece não ser tão exigente, algumas outras opções no setor também parecem descontadas e sem o risco político. Recomendamos a compra de 3R Petroleum e PetroRio.”
Para Eduardo Siqueira, analista do setor financeiro da Levante, o investimento no Banco do Brasil tem risco mais moderado. “Em relação ao BB, os principais nomes da nova gestão já foram divulgados. Nomes lidos de forma positiva pelo mercado, pessoas com longo retrospecto dentro do próprio banco”, disse.
O professor de Economia e Relações Internacionais do Ibmec-SP, Alexandre Pires, também menciona o risco político, mas alerta que são empresas atrativas devido sua rentabilidade.
“Todas essas estatais assumem características de regime monopolista com preços acima dos preços de mercado, pouquíssimas enfrentam concorrentes. São empresas que estão sob controle de agentes políticos que acabam colocando a governança e a lógica das empresas sob maior risco. Nem sempre uma ação mais arriscada deixa de ser interessante desde que o prêmio seja obtido.”
Já Elcio Cardozo, sócio da Matriz Capital, disse que, desde o governo Temer, a gestão realizada nas estatais tem sido bastante eficiente, com uma menor intervenção do estado nessas empresas.
“O mercado não costuma se interessar pelos motivos pelos quais o estado possa vir a intervir nestas empresas, mas se interessa pelos resultados apresentados a cada trimestre. Eu acredito que hoje não há tanto espaço para grandes intervenções como foram realizadas nas décadas passadas, mas qualquer intervenção mínima que possa prejudicar os resultados apresentados poderá ser mal recebida pelo mercado.”
Cardozo também disse que nos governos do PT, entre 2002 e 2016, as estatais não possuíam a eficiência que o mercado vem precificando para essas empresas nos últimos anos.
Lei das Estatais
Sancionada em 2016, a Lei das Estatais dispõe sobre o estatuto jurídico de qualquer empresa pública, sociedade de economia mista ou subsidiária que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens e prestação de serviços, mesmo que esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de serviços públicos.
A lei foi criada com o objetivo de estabelecer regras mais claras e rígidas para empresas estatais no que diz respeito a compras, licitações e nomeação de diretores, presidentes e membros do conselho administrativo da empresa.
Com o objetivo de evitar intromissões na gerência de empresas públicas, a lei estabelecia um “prazo de 36 meses de quarentena para pessoas que tenham atuado na direção de partido político ou na organização de campanha eleitoral”, mas que foi alterado para 30 dias, permitindo a indicação e posse do novo CEO da Petrobras, o ex-senador petista Raul Prates.
Segundo Vitor Polli, a estatal foi muito pressionada por conta de sua política de preços, por ser a responsável pela definição dos preços dos combustíveis, algo muito sensível à população e à popularidade do presidente.
“Um nome político pode defender mais o interesse do presidente, que é quem o indica, do que dos acionistas da companhia. Dessa forma, uma política de preços que não acompanha os preços no mercado internacional pode afetar fortemente seus resultados, como foi no passado.”
Já Elcio Cardozo, da Matriz Capital, a alteração na Lei das Estatais não é uma certeza que os investimentos das empresas serão afetados.
“A nomeação de políticos para a diretoria de empresas públicas não deve ser encarada como algo negativo de forma automática. Existem políticos extremamente capazes de fazer uma boa gestão nestas empresas, assim como existem nomes técnicos que podem prejudicar as atividades da empresa. O que ocorreu nas Lojas Americanas é um exemplo de como não há uma regra para uma boa gestão”, argumentou.
Pontos positivos x pontos negativos
As empresas estatais tendem a ser menos voláteis do que as empresas privadas, o que pode ser atraente para investidores mais conservadores. Elas também podem ser menos suscetíveis a pressões de curto prazo, uma vez que as decisões de investimento a longo prazo geralmente são priorizadas.
“A regulamentação estrita e a burocracia podem tornar a operação das estatais mais complexa e onerosa. Investir em estatais pode ser menos atraente para investidores mais agressivos, que procuram empresas com potencial de crescimento mais rápido”, afirmou Fabrício Gonçalvez.
Ele também afirmou que a nomeação de políticos na diretoria de empresas estatais pode ser considerada um fator de risco para os investimentos, pois esses indivíduos podem não ter a experiência ou habilidades necessárias para gerir uma empresa de forma eficiente.
Dividendos das estatais
Um levantamento do TradeMap mostra que volume de dividendos distribuídos por empresas estatais com ações na bolsa de valores em 2022 deve ser o maior já registrado, puxado pelos mais de R$ 43 bilhões distribuídos pela Petrobras (PETR3 e PETR4). Com isso, o montante total pode ultrapassar a marca de R$ 233 bilhões.
A projeção faz parte de um levantamento do TradeMap com informações até o terceiro trimestre do ano passado – ou seja, o valor fechado do ano deve ser ainda maior.
Os números mostram que, até setembro, as estatais de capital aberto já haviam distribuído R$ 189,5 bilhões aos seus acionistas. Em novembro, houve o pagamento de dividendos pagos pela Petrobras no valor de R$ 3,35 por ação, o que representa um desembolso de mais de R$ 43 bilhões.
O levantamento mostra que o ano de 2022 será o ano com melhor resultado consolidado das estatais em valores nominais, com lucro de R$ 179,6 bilhões. O número poderá superar os R$ 200 bilhões após a divulgação dos resultados consolidados do ano.
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