O mercado financeiro e o risco são parceiros inseparáveis, desempenhando papéis cruciais nas operações globais diárias. No entanto, agora, a avaliação desses cenários inclui a agenda ESG como um fator determinante. As empresas pioneiras perceberam que as crises sociais, ambientais e de governança têm repercussões imediatas e graves nos lucros. Investir na prevenção dessas crises não só protege a reputação e as finanças das empresas, mas também as posiciona positivamente diante de investidores, financiadores, formadores de opinião e a sociedade em geral.
O investimento em ações e financiamentos agora leva em consideração o impacto das empresas na sociedade, bem como a avaliação dos custos socioambientais associados aos lucros. Empresas que não atendem a padrões ESG são cada vez mais cobradas e correm o risco de perder valor de mercado ou enfrentar dificuldades para obter investimentos e financiamentos.
Em um mundo repleto de incertezas, crises locais e globais, inflação crescente e eventos como a guerra na Ucrânia, a consolidação da agenda ESG se torna um porto seguro para aqueles que se aventuram nos mercados e empreendimentos. O Brasil também enfrenta desafios semelhantes, à medida que a agenda ESG se consolida em diversos setores.
A pesquisa global “Global Reporting and Institutional Investor Survey”, da EY – uma das maiores empresas mundiais em consultoria e auditoria – ouviu mais de 1.040 líderes financeiros seniores nas empresas e 320 investidores e revela que 99% dos investidores usam material de divulgação ESG ao tomar decisões de investimento, destacando o poder dos investidores em influenciar o comportamento das empresas.
“Esse conhecimento, por parte dos investidores, é importante porque eles têm um poder muito grande de influenciar a forma como as empresas atuam, pois provêm capital para as companhias, seja através de investimento em ações ou financiamentos”, ressaltou Ana Siqueira, líder da comissão ESG da CFA – Chartered Financial Analyst no Brasil, numa entrevista ao Estadão sobre o assunto. Ela também acrescenta que “não existem empresas perfeitas nessa agenda”, em especial perfeição para cada uma das letras da sigla.
Essa dificuldade ao analisar as práticas ESG é um dos fatores mais apontados por investidores ao fazer suas escolhas, que são praticamente unânimes em indicar a falta de parâmetros e métricas comuns para lastrear as decisões. Ainda assim, o Bank of America (BofA) produziu cálculos que mostram que os fundos globais ESG captaram US$ 21 bilhões nos primeiros sete meses deste ano, um valor próximo de tudo que foi captado em 2022, ano em que os ingressos líquidos somaram US$ 22 bilhões.
Esses resultados convergem com análises como a publicada pelo Diário do Comércio, escrita por Carlos Braga, o Vice-presidente do IBEF MG, Coordenador de Programas ESG da FDC, Consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento e conselheiro de diversas empresas privadas e organizações do terceiro setor:
“Acreditamos que o mercado financeiro saberá recompensar cada vez mais as empresas que adotarem as práticas ESG como parte da sua proposta de valor e planejamento de longo prazo, com benefícios claros para os seus stakeholders e a sociedade em geral.”
Carlos Braga, o Vice-presidente do IBEF MG
A adoção da agenda ESG como critério para investir – e garantir lucros – é parte de uma conjuntura mundial analisada pelo professor titular do Departamento de Sociologia e Antropologia Social da Universidade de Valência, Gil-Manuel Hernández Martí: “As elites capitalistas estão conscientes de que o colapso do atual sistema capitalista global é inevitável, devido à convergência da crise energética, ecológica, econômica e social. Mas as elites capitalistas não estão dispostas a perder sua condição de minoria privilegiada dotada de um poder global.”
O capitalismo em colapso acabou produzindo uma grande contradição, que é a busca – real ou aparente, – de algo mais além dos lucros, mesmo no mercado financeiro. No entanto, colapsando ou não, se identificando como consciente ou não, adotando e valorizando práticas ESG ou não, ainda segue sendo capitalismo, um sistema que é estruturado no ganho de poucos sobre a produção efetivamente realizada por muitos.
21/01/2023 REUTERS/Ueslei Marcelino
Antes que se diga “oh, admirável mundo novo!” diante da valorização da agenda ESG, vale lembrar que o capitalismo mais uma vez está se adaptando diante de uma profunda crise, e continua sendo um sistema em que as riquezas se concentram, o meio ambiente é destruído em processos produtivos e não prevalece a justiça social. Os fundos sustentáveis no mercado financeiro são a face mais visível e – até aqui – bem-sucedida, dessa relação contraditória.
No entanto, a agenda ESG se mantém como uma das potenciais alternativas de construção da transição do capitalismo predatório para outros sistemas que sejam melhores para o planeta, as pessoas e as organizações. Vale ressaltar que, ainda que o mercado financeiro também esteja convergente com a tendência de mirar para além dos lucros, ao menos no discurso, o resultado – ao final – ainda é a maximização da concentração de riqueza, marca maior do sistema capitalista.
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