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A batalha causada por robôs nos portos americanos 

Os estivadores em greve voltaram ao trabalho, mas a ausência de um acordo sobre a automação impede a paz duradoura

Por Paul Berger The wall street Journal
Publicado em
12 min
traduzido do inglês por investnews

Na convenção anual da Associação Internacional de Estivadores (ILA na sigla em inglês) no ano passado, duas grandes telas exibiram um vídeo do TikTok mostrando um operador de guindaste nas docas de Los Angeles. 

“Tudo isso, cara! Está tudo automatizado”, disse ele, apontando para hectares de contêineres empilhados que se estendiam até o Pacífico. Ele estava maravilhado com os veículos automatizados andando por entre os contêineres: “Nenhuma dessas máquinas tem motorista. Não é brincadeira, cara.”

Do pódio, Harold Daggett, líder combativo do sindicato, não aceita a situação. “Dizem que esse é o futuro”, berrou para os milhares de trabalhadores reunidos. “Por cima do meu cadáver!”

Na semana passada, dezenas de milhares de estivadores voltaram ao trabalho nos portos da Costa Leste após uma greve de três dias, que ameaçou atrapalhar o comércio e prejudicar a economia. Os trabalhadores garantiram um aumento salarial de 62%. Mas uma questão muito maior e mais complexa permanece — uma que também se desenrola em outros negócios, de fábricas a supermercados e Hollywood: quanto e com que rapidez os humanos estão dispostos a ceder espaço às máquinas?

O novo acordo dos estivadores vai durar apenas até meados de janeiro. A oposição de Daggett à automação de qualquer tipo ameaça atrapalhar as negociações que vão continuar nos próximos três meses e levar os trabalhadores de volta à greve.

Estivadores em greve no Porto de Nova York e Nova Jersey, o maior da Costa Leste americana. Foto: Jessica Foley for WSJ (2)

O avanço tecnológico transformou a manufatura e inúmeras indústrias ao longo das décadas — e promoveu tentativas de desafiar essa mudança. Trabalhadores de vários setores hoje temem ser substituídos por máquinas cada vez mais sofisticadas, especialmente com o rápido crescimento da inteligência artificial. 

“Alguém tem que entrar no Congresso e dizer: ‘Ei, pode parar!’”, disse Daggett em uma recente entrevista em vídeo. “De que adianta você deixar as pessoas sem trabalho?”

Executivos do setor de transporte marítimo observam com frustração que os portos dos EUA ficam atrás das instalações na Europa e na Ásia em termos de automação. Os principais portos asiáticos e europeus têm uma classificação consistentemente mais alta que seus equivalentes nos EUA em um ranking anual do Banco Mundial, que mede fatores como a produtividade portuária e o tempo que um navio passa no porto.

Uma das questões controversas é a de adaptar a automação aos empregos. Empregadores dizem que isso cria novos postos de trabalho, pois a automação exige novas funções e traz mais carga para os portos. Os sindicatos falam de funções perdidas para máquinas — um estivador, por exemplo, pode não ser adequado para uma nova vaga que exija habilidades especializadas ou de alta tecnologia. 

Há o desafio de quantificar o impacto. Muitos fatores afetam a quantidade de trabalho em qualquer terminal, incluindo o tamanho e a frequência da ida e vinda dos navios. 

Em todos os setores, Daron Acemoglu, economista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), estima que seis empregos são perdidos para cada robô que começa a ser usado. Cerca de 700 mil empregos americanos — muitos deles na manufatura e em outros trabalhos braçais — desapareceram nos últimos 30 anos devido à automação, disse ele.

Para os estivadores e outros, “a questão é como isso estará daqui a cinco, dez anos?”, disse Timothy Bartl, CEO da HR Policy Association, grupo comercial que representa os principais executivos de recursos humanos. “Como começamos a antecipar isso?”

Mais carga

Autoridades da indústria naval dizem que robôs, como guindastes de empilhamento automáticos e alimentados por inteligência artificial, são necessários para trazer volumes cada vez maiores de carga para os portos de extensas áreas metropolitanas. Alguns dos portos mais eficientes do mundo, como o Khalifa, em Abu Dhabi, são construídos em terrenos baldios ou offshore, onde o espaço é abundante. 

Os EUA já possuem algumas operações avançadas de trabalho com carga. Em seções de portos em todo o país, guindastes automáticos erguem contêineres enormes, veículos autônomos carregam caixas pelas docas e guindastes ainda mais autônomos organizam pilhas de contêineres gigantes. Câmeras e sistemas de computador leem códigos em contêineres e caminhões para automaticamente permitir que entrem e saiam dos portos, além de acelerar e monitorar o fluxo de carga.

A automação impulsiona a previsibilidade e a consistência. As máquinas não faltam dizendo que estão doentes, não param para conversar no estacionamento com amigos nem enviam mensagens de texto para amigos e familiares durante o horário de trabalho. Mas não conseguem resolver tudo. Os problemas na cadeia de suprimentos durante a pandemia de Covid, que fizeram mais de cem navios porta-contêineres permanecer na costa de Long Beach e Los Angeles, foram causados tanto pela escassez de espaço de armazenamento, equipamentos de transporte e vagões quanto por ineficiências nas docas. 

Caminhões deixam o Terminal de Contêineres de Long Beach, na Califórnia. Foto: Allison Zaucha for WSJ

Assim, o único terminal totalmente automatizado em Long Beach recebeu navios e gerenciou pilhas de contêineres melhor do que todos os seus pares durante a pandemia. Agora, as empresas de navegação tentam adicionar guindastes e veículos autônomos a terminais grandes o suficiente para acomodá-los. Naqueles muito pequenos ou com formato desajeitado para a adoção de robôs, pretendem fazer melhor uso de câmeras, inteligência artificial e outras tecnologias. 

A ILA e sua contraparte da Costa Oeste, o Sindicato Internacional de Estivadores e Armazéns, se opõem, protelando e garantindo concessões dos empregadores em troca da aceitação da tecnologia.

A Total Terminals International no Porto de Long Beach negociou recentemente um acordo com o sindicato da Costa Oeste para instalar tecnologias automatizadas. Os detalhes ainda estão sendo elaborados, mas provavelmente incluirão guindastes mais altos, que serão operados a partir de uma sala remota, e guindastes de empilhamento nas docas, disse Ammar Kanaan, CEO da proprietária do terminal. 

Kanaan disse que o número total de empregos no terminal não será cortado, mas o mix de empregos mudará. Ele afirmou que as melhorias permitirão que o terminal movimente o dobro de carga sem expandir suas instalações. 

Alguns integrantes da indústria naval estão preocupados com o fato de a empresa ter assumido compromissos dispendiosos com o sindicato sobre os requisitos de pessoal, de acordo com um funcionário do setor. Os estivadores, por sua vez, estão preocupados com o fato de o sindicato da Costa Oeste estar permitindo a automação em muitos terminais, disse o funcionário: “A Costa Leste viu a situação na Costa Oeste e quer evitar que isso aconteça”. 

O sindicato da Costa Leste diz que o projeto de automação de Los Angeles transmitido para a convenção da ILA custou centenas de empregos de estivadores. A empresa proprietária do terminal, a gigante de transporte marítimo A.P. Moller-Maersk, com sede na Dinamarca, não quis comentar. Mas o grupo de empregadores da Costa Oeste que representa empresas como a Maersk disse que o número de estivadores nos portos de Los Angeles e Long Beach, onde a automação é cada vez mais usada, empregou 13% mais estivadores no ano passado do que cinco anos antes. 

O impacto humano

Na Costa Leste, os contratos de trabalho da ILA geralmente exigem que os empregadores busquem a aprovação do sindicato para o uso de automação nas instalações portuárias existentes. De acordo com uma autoridade da indústria de transporte marítimo, o acordo provisório que aumentaria o salário dos estivadores de US$ 39 para US$ 63 por hora foi alcançado com a condição de que os trabalhadores concordassem com ganhos de eficiência que incluíssem mais tecnologia. 

Marc Santoro se lembra da ansiedade que sentiu quando seu terminal em Bayonne, um dos menores do Porto de Nova York e Nova Jersey, instalou guindastes automatizados há dez anos. Santoro, de 44 anos, disse que o empregador deu a impressão de que os guindastes lidariam com volumes maiores de carga e, portanto, criariam mais trabalho. O que aconteceu, segundo ele, foi que 30 pessoas que trabalhavam em turnos operando 20 guindastes se tornaram quatro funcionários trabalhando em uma sala.

O estivador grevista Marc Santoro, do Porto de Nova York e Nova Jersey. Foto: Chao Deng/WSJ

Santoro, pai de três filhos que estava nos piquetes em frente a Port Liberty na semana passada, disse que as pessoas podem não ter sido demitidas como resultado direto, mas a reestruturação foi imediatamente sentida por operadores de guindastes como ele. Ele logo ligou para outros terminais para garantir novos turnos, mas “definitivamente, não compensou a falta de trabalho”, disse ele.  

“A automação afeta humanos e americanos”, disse ele. “Se você tem filhos, deve se preocupar com ela.”

No Porto de Nova York e Nova Jersey, o maior da Costa Leste americana, o número de estivadores licenciados em 2020 permaneceu praticamente inalterado em relação à década anterior, com pouco mais de 5,8 mil trabalhadores, de acordo com o regulador do porto. 

Autoridades da indústria de transporte marítimo dizem que operações de carga mais eficientes levam a mais carga, o que exige mais estivadores para carregar e descarregar navios. O maquinário necessita de mais mecânicos e funcionários altamente qualificados que possam supervisionar, atualizar e consertar computadores e robôs.

Um executivo da CMA CGM, empresa francesa de transporte marítimo que comprou o terminal Port Liberty há dois anos, disse que a maior automação ajudará a instalação a dobrar sua capacidade para que possa movimentar mais de quatro milhões de caixas anualmente nos próximos anos. 

Daggett disse que quer levar sua luta para o mundo todo. Ele falou nos últimos meses sobre se juntar a sindicatos do resto do mundo para punir as empresas de transporte marítimo que promovem a automação, recusando-se temporariamente a trabalhar com sua carga.

“Não me importo com advogados e governos”, disse ele. “Está na hora de impedir que as máquinas tomem nosso emprego, destruam nossa vida e prejudiquem a economia americana. Está na hora de forçarmos o fechamento de empresas que incentivam a automação.” 

Lições da Alemanha 

Ao longo do século passado, máquinas derrubaram muitas indústrias. Nos EUA, os robôs vêm sendo usados em linhas de montagem automotiva desde pelo menos o início dos anos 1960, com as montadoras recorrendo à automação para aumentar a produtividade, reduzir os custos de mão de obra e o número de lesões, principalmente em tarefas repetitivas. Os robôs assumiram o difícil trabalho de levantar, soldar e pintar carros. Hoje, a indústria automobilística é uma das principais consumidoras de robôs em todo o mundo.

A automação também eliminou a necessidade de muitos trabalhadores administrativos e contadores em funções corporativas. Agora, os avanços na inteligência artificial ameaçam os empregos até mesmo de profissionais altamente qualificados, como desenvolvedores de software.

Para diminuir a crise entre os trabalhadores, os EUA podem aprender com as empresas alemãs que incorporaram automação e tecnologia, disse Acemoglu, do MIT. Lá, sindicatos e conselhos de trabalhadores representam a força de trabalho e defendem mudanças tecnológicas e programas de treinamento, que podem permitir que os funcionários assumam novos postos dentro da mesma organização. “A ILA dizer não aos robôs nunca vai funcionar”, disse ele. 

O desafio para os trabalhadores é como se adaptar, disse Michael Chui, sócio do McKinsey Global Institute, braço de pesquisa da empresa de consultoria. 

“É muito raro que uma máquina chegue e faça tudo o que um funcionário fazia”, disse Chui. “Normalmente, o que vemos é a automação fazendo parte do trabalho das pessoas. Não tem muito a ver com ‘Entra o robô e sai a pessoa’.” 

Os proponentes mencionam os benefícios de segurança da tecnologia. Os estivadores trabalham longas horas, às vezes 24 horas por dia, no calor, no frio, na chuva, e em meio a grandes contêineres, veículos e guindastes. A automação permite que trabalhem no conforto de um escritório climatizado.  

Muitos, de qualquer forma, veem os esforços para conter os avanços tecnológicos como fadados ao insucesso. 

“Desde os luditas, é muito difícil para os trabalhadores conseguirem frear a automação em longo prazo”, disse Harry Holzer, economista da Universidade de Georgetown. “Os sindicatos podem desacelerar um pouco, mas não muito, e não por muito tempo.”

Escreva para Paul Berger em [email protected]

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