“Uma palavra: plásticos.” O conselho de carreira dado ao personagem sem rumo de Dustin Hoffman em “A Primeira Noite de um Homem” acabou sendo bastante acertado. Desde o lançamento do filme em 1967, o uso global de plásticos aumentou 20 vezes. Mas a trama está ficando mais complexa, exatamente no momento em que a indústria do petróleo se torna cada vez mais dependente desse material maravilhoso.
À medida que as pessoas migram para carros elétricos ou compram versões mais eficientes de veículos tradicionais, as empresas de energia estão lidando com um excedente de petróleo.
Atualmente, o transporte representa mais da metade da demanda global por petróleo. Ciarán Healy, analista de mercado de petróleo da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), aponta que, mesmo sem um aumento adicional nas vendas de veículos elétricos, as melhorias na eficiência dos motores a combustão interna significam que o mesmo volume de viagens exigirá menos gasolina no futuro. A IEA prevê que o mundo terá uma capacidade excedente de petróleo de oito milhões de barris por dia até 2030.
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As empresas que produzem o óleo esperam que os consumidores absorvam esse excesso por meio de roupas, alimentos e produtos eletrônicos. A Exxon Mobil projeta que a demanda por produtos com componentes derivados de combustíveis fósseis, como celulares, suprimentos médicos e materiais usados para conservar alimentos e melhorar a higiene, aumentará. A BP, listada na bolsa de Londres, acredita que o crescimento dos petroquímicos compensará o declínio no uso de combustíveis por mais uma década.
O petróleo bruto e o gás natural são transformados em matérias-primas petroquímicas, como nafta ou líquidos de gás natural, em plantas de processamento de gás ou refinarias de petróleo. Essas matérias-primas são então “craqueadas” em blocos básicos de plásticos comuns. O etileno é processado em polietileno, que acaba em sacolas plásticas, frascos de xampu e brinquedos infantis. O polipropileno é usado em tudo, de para-choques de carros a carpetes.
Hoje, 15,4% da demanda global de petróleo é impulsionada pelos petroquímicos, segundo dados da consultoria Wood Mackenzie. Essa fatia deve aumentar para 19,1% até 2035, à medida que mercados emergentes enriquecem e classes médias crescentes gastam mais em roupas sintéticas e fazem compras em grandes redes de supermercados, onde os alimentos são mais propensos a serem embalados em plástico para prolongar sua vida útil.
Economias avançadas, como os EUA, consomem até 20 vezes mais plástico per capita do que países em desenvolvimento, segundo a IEA. A aposta da indústria do petróleo é que os consumidores de mercados emergentes reduzam pelo menos parte dessa diferença.
As empresas de energia estão investindo bilhões de dólares em instalações petroquímicas, especialmente na China, onde a capacidade de produção de etileno quase dobrou desde 2019. A capacidade também está aumentando nos EUA e no Oriente Médio. A Arábia Saudita planeja investir US$ 600 bilhões em petroquímicos até o final da década para garantir usos não combustíveis para seu petróleo bruto.
No entanto, a indústria global de petroquímicos já está saturada, e a capacidade deve superar a demanda até pelo menos 2030. Isso indica margens de lucro fracas e taxas de utilização abaixo do ideal nas instalações petroquímicas.
Plantas em regiões de alto custo estão fechando. A Exxon Mobil vendeu refinarias na Itália no ano passado e planeja fechar uma unidade de craqueamento de etileno na Normandia, França. Devido aos altos custos de energia na Europa e à dependência do petróleo como matéria-prima, plantas na região só conseguem produzir petroquímicos a US$ 750 por tonelada métrica, diz Irene Himona, analista de petróleo e gás europeu na Bernstein. Isso é três vezes mais caro do que produtores nos EUA e no Oriente Médio, que têm acesso a gás de xisto barato e petróleo de baixo custo como matéria-prima.
Investir em petroquímicos enquanto governos tentam resolver o problema do lixo plástico parece arriscado. Este mês, países dependentes da exportação de petróleo, como Arábia Saudita e Rússia, bloquearam um tratado global que propunha limitar a produção de plástico. No entanto, regulamentações mais rigorosas estão a caminho. Mais de 100 países introduziram restrições ao plástico, incluindo uma proibição de plásticos de uso único na União Europeia.
Embalagens descartáveis parecem vulneráveis a novas restrições. Uma proibição mundial de plásticos de uso único eliminaria um terço da demanda global por plástico proveniente de itens como amenidades de hotel, embalagens de fast-food e talheres descartáveis, embora categorias como bolsas intravenosas médicas provavelmente fossem isentas.
Taxas mais altas de reciclagem de plástico também dificultariam que as empresas petroquímicas obtivessem retornos aceitáveis em seus investimentos, caso isso reduzisse a demanda por material virgem. Por ora, os produtores de petróleo estão seguros. Apenas cerca de 10% do plástico é reciclado atualmente, e o plástico novo continua sendo a opção mais barata.
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Este ano, o PET reciclado na Costa Leste dos EUA custou quase um terço a mais do que os preços do PET virgem nos mercados à vista, segundo Emily Friedman, especialista em plásticos reciclados da empresa de pesquisa de commodities ICIS. Algumas empresas de bens de consumo estão revertendo compromissos de sustentabilidade em embalagens, já que mudar para materiais reciclados tem se mostrado muito caro.
A indústria do petróleo está resignada a perder lentamente sua participação no transporte rodoviário. Apostar em um setor petroquímico saturado e marcado por desperdício é uma estratégia arriscada.
Escreva para Carol Ryan em [email protected]
Traduzido do inglês por InvestNews
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