Para a Petrobras, manter o pagamento de gordos dividendos no longo prazo não será tarefa fácil.
Enquanto lida com o declínio na produção de petróleo em seus campos mais antigos e as dificuldades para prospectar e extrair o óleo de novas áreas, a empresa acompanha com lupa os debates sobre a demanda futura por combustíveis fósseis.
Hoje, a Petrobras está comprometida em revitalizar áreas maduras na Bacia de Campos e também e tenta provar ao Ibama que é possível extrair petróleo na foz do rio Amazonas de forma segura e ambientalmente responsável. Cada gota conta, mas o custo de buscar petróleo não é nada desprezível – no último ciclo de investimentos, a Bacia de Campos drenou US$ 22 bilhões.
As decisões de onde, quando e quanto investir em novos campos serão tomadas em meio a um cenário complexo. De um lado, a transição para fontes renováveis trabalha contra a demanda futura. Idem para as perspectivas menos otimistas de crescimento global e a produção rampante em países de fora da Opep, como os EUA, que enchem os estoques.
De outro, o risco de uma escalada bélica no Oriente Médio estimula investimentos na produção em áreas menos explosivas.
Por conta de tudo isso, é cada vez mais desafiador adivinhar qual será a variável mais importante para os investimentos em produção: o preço do barril nos próximos anos.
Felizmente, este é um dos trabalhos do Banco Mundial. Ele prevê que em 2025 a produção global de petróleo será maior do que a demanda em 1,2 milhão de barris por dia, um descompasso muito raro: nos últimos 30 anos, só aconteceu em 2020, no pico da pandemia, e em 1998, como consequência da crise financeira asiática.
Os argumentos do Banco Mundial são os três primeiros dos cinco listados abaixo – que compõem o conturbado plano de fundo no qual a Petrobras e seus investidores estão de olho:
1) É petróleo que não acaba mais
A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) pode muito, mas não pode tudo.
Embora o cartel venha segurando como pode a produção, nações que não fazem parte do grupo continuam extraindo mais e mais óleo, com destaque para a Guiana – que compartilha com o Brasil a Margem a Equatorial – e para os Estados Unidos. A maior economia do mundo, aliás, é também quem mais produz petróleo, quebrando recorde após recorde nos últimos anos.
2) Carro na tomada
O mercado automobilístico da China tem um papel importante na demanda global por petróleo. Sendo o maior do mundo, o rápido processo de eletrificação da frota chinesa exerce uma pressão negativa nos preços da commodity. Em 2021, elétricos e híbridos representavam 7% dos carros vendidos no país. Em julho de 2024, pela primeira vez, mais da metade dos novos carros eram desses tipos.
Nos Estados Unidos, segundo maior mercado de carros, elétricos e híbridos foram 18% das vendas no mesmo mês. No Brasil, onde o fenômeno é recente, eles ainda representam 7%. Mas o crescimento é veloz. No ano passado, eram só 4%.
3) Crescimento menor
Economia crescendo menos significa uma diminuição da necessidade de petróleo. E esse tende a ser o cenário nos próximos anos.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) espera um crescimento global médio de 3,1% ao ano daqui até 2029, o menor em décadas. A China também é protagonista desse processo e a perda de ritmo na economia chinesa deve afetar também o crescimento de países da América Latina. A Europa é outra região cujos países ficam entre o crescimento lento e a estagnação econômica.
Essas são as bases da projeção do Banco Mundial. Mas sabe como é: treino é treino, jogo é jogo… E o jogo da economia mundial neste momento está movimentado pelo Oriente Médio. O que nos leva ao próximo fator que pode chacoalhar a cotação do barril.
4) Notícias da guerra
O risco de o conflito do Oriente Médio escalar para uma guerra mais abrangente e que possa incluir grandes produtores globais de petróleo, como o Irã, também compõe o quadro global da commodity. Recentemente, subiu a tensão entre Israel e Irã, e especialistas tem destacado a possibilidade de ataques de Israel a poços de petróleo iranianos.
Convém lembrar que a Rússia ocupa o número dois no ranking dos países produtores e segue há dois anos e meio em guerra com a Ucrânia.
Até aqui, nem o conflito no Oriente Médio e nem a guerra no Leste Europeu fizeram os preços do petróleo disparar por longos períodos, mas possíveis interrupções no fornecimento de petróleo também fazem parte da análise.
5) A IA e o gás natural
Embora ainda seja um assunto um tanto abstrato para muita gente, a inteligência artificial já virou um desafio energético. E dos grandes. Para processar a montanha de dados que são as bases dos grandes modelos de linguagem (LLMs) da IA generativa, os data centers gastam uma quantidade absurda de energia.
Absurda mesmo. Em 2022, os data centers consumiram 3% da energia do planeta. Mas isso foi antes da explosão da IA. E um data center dedicado a LLMs consome de cinco a dez vezes mais energia que um “normal”. Faça as contas, considerando que a tendência é a construção de mais e mais data centers, conforme a IA vá se entranhando em nossos celulares, e nas nossas vidas.
Isso se transformou em um problema de relações públicas para as big techs, inclusive. Porque nos últimos anos elas assumiram compromissos ousados para reduzir a emissão de gás carbônico relacionada às suas atividades.
A explosão na demanda por energia protagonizada por Google, Amazon, Microsoft e companhia deu até uma nova vida aos debates sobre a energia nuclear – já que, apesar dos perigos, as usinas movidas a urânio providenciam energia de forma ininterrupta sem emitir gases estufa. Mas o fato é que o grosso da energia mundo afora segue dependendo de combustíveis fósseis. E o Google, por exemplo, aumentou em 48% suas emissões.
O petróleo é irrelevante para a produção de energia elétrica. O combustível fóssil que reina aí é outro: o gás natural – nos EUA, ele responde por 43% da matriz.
A Petrobras extrai muito gás natural – ele é um subproduto da dos poços de petróleo. Mas a companhia devolve a metade para o subsolo, pois custa caro canalizar o gás lá das plataformas martímas para a terra firme. Num cenário de valorização extrema do gás natural, talvez faça sentido a Petrobras investir nesse tipo de estrutura – e temos aí mais uma peça para o quebra-cabeças.
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