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‘Harvey Weinstein’ tech: a vida oculta da arma secreta do Google

Joshua Wright abriu caminho para o domínio das maiores empresas de tecnologia do mundo, controlando os reguladores enquanto fazia malabarismos com relacionamentos inadequados e conflitos de interesses

Por Brody Mullins The wall street Journal
Publicado em
22 min
traduzido do inglês por investnews

Joshua Wright, grande advogado da indústria de tecnologia, foi chamado ao escritório de seu chefe no final de 2019 e ouviu uma pergunta que definiu o rumo de sua queda.

Ele estava tendo um caso com uma jovem associada?

A resposta teve consequências para mais do que apenas Wright. O escritório de advocacia Wilson Sonsini Goodrich e Rosati, com sede no Vale do Silício, há muito defendia o Google, a Qualcomm e outros gigantes corporativos de regulamentações indesejadas. Wright era a arma secreta da empresa.

Ele era professor de direito e se tornou uma das figuras mais influentes e pouco conhecidas da era da tecnologia, alavancando posições na academia e no governo para proteger clientes endinheirados. Por mais de uma década, Wright manteve os reguladores antitruste sob controle, enquanto as principais empresas de tecnologia dos Estados Unidos acumulavam um poder econômico não visto desde que a Standard Oil, a AT&T e outros gigantes dominavam suas indústrias no século XX. 

Nesse processo, Wright passou dois anos como regulador, servindo na Comissão Federal de Comércio (FTC). Google, Facebook e Qualcomm se beneficiaram de seu trabalho na FTC e por meio de sua empresa de consultoria. As empresas fizeram doações pesadas para financiar seu nicho acadêmico na Universidade George Mason, dinheiro que continuou fluindo enquanto ele entrava e saía do governo. 

A pergunta sobre o romance de escritório de Wright pôs tudo em risco.

Wright negou o caso. Um investigador do escritório de advocacia questionou a associada da Wilson Sonsini, Lindsey Edwards, que reconheceu um relacionamento sexual de anos com Wright. Tudo começou quando Edwards, aos 24 anos, era aluna da faculdade de direito da Universidade George Mason, e Wright era professor de direito lá. 

A mentira começou a escancarar a vida oculta de um prolífico namorador e expôs como Wright contornou os padrões de conflito de interesses para favorecer suas atividades amorosas e financeiras, segundo o The Wall Street Journal.

Enquanto atuou na FTC de 2013 a 2015, ultrapassou limites com uma ferramenta antitruste potencialmente poderosa, beneficiando corporações que pagaram milhões a ele ou à universidade nos anos anteriores, durante a comissão e depois dela, segundo o jornal. Ele usou laços com executivos, funcionários do governo e a administração Trump para colocar parceiras românticas na FTC, no Departamento de Justiça e em escritórios de advocacia sem revelar as relações.

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A negativa de Wright lhe custou a vaga na Wilson Sonsini, mas o dano em sua carreira se desenrolou por mais três anos. Alegações sobre suas relações sexuais com alunas da faculdade de direito lhe custaram seu casamento e seu emprego na universidade. As empresas de tecnologia que fomentaram sua lucrativa carreira foram as últimas a abandoná-lo, e só o fizeram depois que as alegações se tornaram públicas.

“Você teria que ser deliberadamente ignorante ou cego para não saber que algo estava acontecendo”, disse Brandy Wagstaff, advogada do Departamento de Justiça. Segundo ela, Wright, um de seus professores do primeiro ano, iniciou um relacionamento sexual com ela em 2006, quando Wagstaff era aluna.

Wright, que negou qualquer irregularidade, se recusou a comentar para esta matéria. Seu advogado disse que havia imprecisões, mas se recusou a dizer quais eram. Uma porta-voz do Binnall Law Group, que representa Wright, disse: “Continuamos confiantes de que a verdade prevalecerá, dando ao sr. Wright uma vitória total no tribunal”.

Este relato é baseado em entrevistas com dezenas de ex-alunas de direito de Wright, advogadas e pessoas que o conhecem, bem como documentos judiciais, registros de divórcio, e-mails obtidos da FTC e da Universidade George Mason por meio de solicitações de registros públicos, documentos enviados por Wright para sua audiência de confirmação no Senado, relatórios de divulgação de lobby e outros registros públicos. 

Wright, de 47 anos, era o filho mais novo de uma família de classe média em San Diego. Foi uma estrela do basquete no ensino médio e fez seu caminho profissional pela UCLA, pela Universidade George Mason e na FTC. Conquistou uma excelente reputação entre legisladores e acadêmicos conservadores por sua interpretação analiticamente rigorosa das leis antitruste.

“Ele tinha tudo”, disse William Kovacic, que serviu na FTC de 2006 a 2011. “Era bilíngue em direito e economia, era um escritor e palestrante talentoso e tinha uma grande capacidade de transformar conceitos complexos em ideias de fácil acesso.”

As habilidades de Wright lhe renderam mais de US$ 2 milhões por ano do Google, Facebook, Walmart e outros. A Amazon lhe pagava US$ 600 mil por ano, mais do que qualquer um de seus lobistas. Seu salário universitário superava os US$ 440 mil anuais.

Durante anos, sua visão antitruste favorável aos negócios teve peso entre as autoridades de Washington. No entanto, ele muitas vezes deixou de revelar financiamentos do Google, Amazon, Qualcomm e outros clientes em artigos acadêmicos, blogs, cartas abertas ou depoimentos no Congresso favoráveis às empresas, segundo o jornal, revelações que poderiam ter levantado dúvidas sobre a objetividade de suas pesquisas e opiniões.

EM meados do ano passado, várias ex-alunas de direito de Wright alegaram que ele usou sua posição de professor e, mais tarde, de chefe para pressioná-las por sexo, de acordo com documentos judiciais. Wright as perseguia durante ou depois de suas aulas de contratos, disseram. O curso é obrigatório para alunos do primeiro ano da Faculdade de Direito Antonin Scalia da Universidade George Mason, instituição pública em Arlington, na Virgínia.

A escola contratou um escritório de advocacia para investigar alegações de má conduta sexual depois que uma das ex-alunas de Wright apresentou uma queixa de assédio sexual em dezembro de 2021. O investigador falou com advogados antitruste do Google e do Facebook sobre a denúncia em junho de 2022. Wright ainda era consultor das empresas quando pediu demissão da universidade em julho de 2023.

Depois que anunciou sua saída em um tuíte, várias de suas ex-alunas compartilharam suas histórias. Seus clientes, incluindo Google e Facebook, debandaram. “Ao saber os detalhes das alegações, cortamos imediatamente os laços”, disse um porta-voz do Google. 

Wright entrou com um processo de difamação contra duas das mulheres em agosto, pedindo US$ 108 milhões em indenizações por destruir sua reputação e negócios de consultoria. Wright classificou suas acusadoras como amantes rejeitadas, reconhecendo os casos, mas negando qualquer irregularidade.

“Trata-se de um triângulo amoroso”, diz o processo. “As rés perseguiram o sr. Wright em vários momentos na última década, tiveram relacionamentos consensuais e adultos com ele, e quando esses relacionamentos terminaram, elas sofreram porque tinham fortes sentimentos por ele.”

Algumas das ex-alunas de Wright disseram que permaneceram no relacionamento com ele por anos, beneficiando-se de suas conexões profissionais e políticas, mas se sentindo presas por temores de que ele pudesse sabotar sua carreira se não se submetessem a seus avanços sexuais, de acordo com documentos judiciais. 

Angela Landry, advogada e uma das mulheres que Wright processou, o chamou de “o Harvey Weinstein do direito antitruste”, alegação que ele incluiu em seu processo por difamação – numa referência ao produtor de Hollywood condenado por casos de abuso sexual.

Uma porta-voz da Universidade George Mason se recusou a comentar, dado o litígio em andamento. Wright entrou com um processo federal de discriminação no ano passado contra a escola. 

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Homem de números

Depois que o presidente Obama assumiu o cargo em 2009, funcionários da FTC sinalizaram o interesse em mover processos antitruste contra empresas usando um dispositivo da Lei da Comissão Federal de Comércio de 1914. A lei abriu as portas para que os reguladores antitruste da FTC e do Departamento de Justiça investigassem empresas suspeitas de se envolver em práticas comerciais desleais ou enganosas. 

Wright deixou sua marca em um dos primeiros casos do governo.  

A FTC iniciou uma investigação sobre a empresa de produtos de consumo Church & Dwight em junho de 2009. O governo a acusou de alavancar a popularidade de seus produtos, incluindo o detergente Arm &Hammer, para garantir espaço de prateleira nas lojas para seus preservativos da marca Trojan. A prática prejudicou consumidores e rivais, segundo a FTC.

Wright, trabalhando para uma empresa de consultoria com sede em Boston, produziu relatórios econômicos e estudos baseados em estatísticas. Sua pesquisa armou os advogados da Church & Dwight com evidências de que as ações da empresa não prejudicaram os consumidores, fosse aumentando os preços ou limitando a escolha. 

A FTC perdeu no tribunal, e Wright encontrou sua bala de prata: o uso de dados e de análises irrefutáveis. Poucos juízes ou autoridades tinham os meios ou a inclinação para tentar desmascarar seu trabalho. A consultoria antitruste ocupou um nicho especializado na interseção do direito e do comércio, e Wright se estabeleceu como especialista de ponta.

Um executivo do Google em Washington enviou-lhe um e-mail em maio de 2009 pedindo ajuda. A FTC queria determinar se a empresa havia violado a lei antitruste em seus negócios de busca e publicidade.

“Ouvi muito seu nome recentemente e pensei que seria bom entrar em contato”, disse Adam Kovacevich, gerente sênior de assuntos e comunicações políticas na época. “Também temos tentado fazer um trabalho melhor de conversar com as pessoas sobre a abordagem do Google à concorrência, e adoraríamos conversar com você.”

Wright sugeriu que o Google patrocinasse sua pesquisa em políticas antitruste. Fazer uma contribuição financeira seria do interesse do Google, disse ele a Kovacevich, “dado o ambiente antitruste hostil que está surgindo”. A empresa concordou.

Em março de 2010, Wright e um coautor publicaram um artigo no “Harvard Journal of Law & Public Policy” intitulado “Google and the Limits of Antitrust: The Case Against the Antitrust Case Against Google” (Google e os Limites Antitruste: O caso contra o caso antitruste contra o Google). A conclusão foi que não havia provas de que o Google violará a lei. Abrir um processo contra a empresa “arrefeceria a inovação e a concorrência que atualmente proporcionam imensos benefícios aos consumidores”, diz o texto, que citou o apoio financeiro do Google.

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Wright compartilhou um artigo subsequente com o Google e pediu sugestões antes da publicação. “Adoro este artigo, você realmente utiliza alguns pontos excelentes”, respondeu um advogado do Google em março de 2011. “Acho que exclamei em voz alta ‘sim!’  várias vezes ao lê-lo.”

Por cerca de dois anos, enquanto a FTC prosseguia sua investigação contra o Google, Wright publicou quatro artigos de pesquisa e uma série de blogs e tuítes. Eles tinham um tema em comum: o argumento da FTC era equivocado e não teria chance de prevalecer na Justiça. Em alguns casos, Wright divulgou o financiamento do Google, em outros, não.

Funcionários da FTC estavam entre os que acompanhavam os blogs e artigos de pesquisa de Wright. Dentre os leitores da agência, havia advogados que ajudariam a decidir se entrariam com um processo antitruste contra o Google. O que eles liam em alguns blogs vinha direto da empresa, de acordo com e-mails entre esta e Wright.

Depois que Wright rebateu um crítico do Google em uma de suas postagens, Kovacevich lhe enviou um e-mail. “Obrigado pela boa atuação esta semana”, disse ele a Wright. 

Poucos dias depois, em 11 de outubro de 2011, um funcionário do escritório de economia do FTC enviou um e-mail a Wright para elogiar sua resposta ao crítico: “Bom o trabalho. Cara, esse sujeito é um idiota”. 

Wright encaminhou o e-mail para Kovacevich no Google.

“Também encorajando que eles realmente prestem atenção ao debate externo”, escreveu Kovacevich a Wright no dia seguinte.

“Sim”, disse Wright. “Eles sem dúvida estão prestando atenção.”

Dois dias depois, o Google doou US$ 180 mil para o Centro de Direito e Economia da Universidade George Mason, que publicou a pesquisa de Wright.

À medida que a investigação da FTC ganhava força, o Google recrutou Wright para ajudar a liderar uma equipe de ex-funcionários da comissão, especialistas antitruste e acadêmicos jurídicos. Eles publicaram trabalhos acadêmicos e artigos de opinião e conversaram com repórteres. Seu objetivo era convencer as autoridades de que o caso do governo era furado. A equipe era paga diretamente pela empresa ou em contribuições aos seus empregadores. No entanto, Wright e outros não revelaram que estavam trabalhando em nome do Google.

No Google, a campanha tinha um codinome: Projeto Águia.

Dias antes da investigação antitruste da FTC ser anunciada, em junho de 2011, funcionários do Google ligaram para Wright. Ele concordou em escrever dois posts e um artigo para um meio de comunicação do Vale do Silício que buscava furar as teorias jurídicas da agência.

Em janeiro de 2012, Kovacevich enviou um e-mail aos membros do Projeto Águia como resposta a um post de blog de um crítico do Google. “Vocês poderiam postar algo sobre isso?” disse ele. “Se sim, façam algo curto e rápido”, acrescentou. Pois assim, chega ao noticiário imediatamente.” 

Wright escreveu uma resposta em poucas horas. 

Na mesma semana, ele recebeu um e-mail do repórter da CNNMoney, David Goldman, pedindo sua opinião sobre a investigação da FTC. “Suspeito que qualquer autoridade antitruste teria muita dificuldade em provar esse caso”, afirmou Wright a Goldman.

“Eu o encorajei a me contatar”, disse Kovacevich mais tarde a Wright. 

Wright usou suas conexões com o senador Mike Lee, de Utah, um dos principais republicanos do comitê antitruste do Senado. “Uma boa notícia é que quase todos em sua equipe desse comitê são meus alunos, antigos ou atuais”, Wright escreveu por e-mail a Kovacevich em fevereiro de 2012. 

No final de 2012, o presidente da FTC, Jon Leibowitz, decidiu encerrar a investigação do Google. Ele não conseguiu reunir uma maioria no FTC para entrar com um processo contra a empresa.

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Passando a responsabilidade

O senador Mitch McConnell, do Kentucky, republicano de alto escalão, queria um conservador capaz na FTC, e seu gabinete passou o nome de Wright para o governo Obama. Em setembro de 2012, o presidente nomeou Wright.

Wright pôde traçar sua experiência na FTC até seus anos de graduação na Universidade da Califórnia, em San Diego. Em 1997, ele era um estagiário de 20 anos no prédio de calcário e granito da agência em Washington. A entrada é famosa por duas estátuas de figuras musculosas lutando para conter um cavalo. A obra de arte da era do New Deal, intitulada “Man Controlling Trade” (Homem controlando o Comércio), simboliza a missão do governo federal de proteger os americanos do poder corporativo descontrolado.   

Na época do estágio, o tio de Wright, George Cary, era vice-diretor do escritório de concorrência do FTC, que analisa propostas de fusões à luz das leis antitruste.

Wright mais tarde disse às namoradas que a carreira de seu tio era um mapa. Cary deixou a FTC e trabalhou como advogado de sucesso, ajudando a garantir a aprovação do governo para fusões corporativas históricas. 

Depois de se formar, Wright se matriculou na UCLA, onde seu tio havia se formado em direito. Wright foi além, obtendo um diploma de direito e um Ph.D. em economia. Em 2004, começou a trabalhar como professor na faculdade de direito da Universidade George Mason, que promovia o livre mercado e se opunha à interferência do governo. Em 2007, tornou-se o primeiro acadêmico residente da FTC.

A nomeação do presidente o colocou no centro do trabalho antitruste do país. Ele passou o final de 2012 se preparando para sua audiência de confirmação no Senado. Durante esse tempo, o Google fez três doações para o Centro de Direito e Economia da universidade, mostram os registros da escola, totalizando US$ 207 mil. 

Na audiência no Senado, Wright revelou que fez trabalho de consultoria antitruste e econômica para mais de uma dúzia de associações comerciais, empresas de consultoria econômica e outras, incluindo Google, Microsoft, Express Scripts e AT&T. Sob questionamento da senadora democrata Maria Cantwell, do estado de Washington, Wright prometeu que não participaria de assuntos da FTC envolvendo o Google por dois anos. 

Wright foi confirmado pelo Senado no dia de Ano Novo de 2013. Dias antes de ser empossado, a FTC anunciou um acordo com o Google no caso antitruste. 

Ele contratou várias alunas da Universidade George Mason para trabalhar para ele na agência. Uma delas foi Landry, cujo caso com Wright começou quando ela era sua aluna de direito, em 2010. Ele também conseguiu estágios para outras, incluindo Edwards, que mais tarde se tornou mais uma parceira romântica. 

Wright trouxe uma visão cética da intervenção do governo e rotineiramente se opunha às ações antitruste da FTC. A agência suspeita que a Qualcomm usou seu domínio na indústria de chips de telefonia móvel para fazer a Apple e outros fabricantes de celulares pagarem taxas inflacionadas para acessar suas patentes 5G. Wright votou contra o prosseguimento do caso, mas a investigação continuou.

Várias empresas que Wright defendeu com seu voto enquanto estava na FTC, incluindo Google e Qualcomm, doaram para o Centro de Direito e Economia da Universidade George Mason. Não há regras que proíbam as contribuições, e Wright não era obrigado a denunciá-las. O centro divulga os nomes dos doadores corporativos, mas não o valor das contribuições. Registros da universidade obtidos pelo WSJ mostram que o Google deu US$ 200 mil ao centro durante o primeiro ano de Wright na FTC.

Em novembro de 2014, Wright coescreveu um artigo favorecendo a farmacêutica mais tarde renomeada Allergan, que havia sido alvo de um processo da FTC em 2009. A agência alegou que a empresa usou táticas anticompetitivas para manter um medicamento rival de testosterona fora do mercado. Em 2015, a fundação Allergan fez uma doação para o Centro de Direito e Economia da universidade.

Naquele mesmo ano, Wright conseguiu o que chamou de uma das “experiências mais gratificantes da minha carreira”. 

Ele há muito tempo ajudava empresas a combater as alegações da FTC de práticas comerciais desleais ou enganosas. Wright acreditava que a autoridade dava à agência poder ilimitado porque não definia o que constituía prática desleal. A FTC, disse ele, deve dar às empresas “orientação sobre qual conduta é lícita e qual conduta é ilegal”.

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Em agosto de 2015, Wright convenceu a maioria democrata da FTC a se juntar a ele em uma votação de 4 a 1 para esclarecer e limitar os fundamentos de ações judiciais do governo sobre práticas comerciais desleais, encolhendo a autoridade antitruste da agência. 

Quatro dias depois, Wright anunciou sua renúncia. Ele havia cumprido dois anos de um mandato de seis anos. 

No início de 2016, conseguiu um emprego de US$ 1,5 milhão por ano com a Wilson Sonsini. A firma de advocacia ocupava escritórios em um prédio de vidro e concreto no coração do distrito de lobby de Washington, a cerca de dois quarteirões da Casa Branca. 

Apenas almoço

Depois que Donald Trump venceu as eleições presidenciais de 2016, o nome de Wright surgiu como candidato a chefe da divisão antitruste do Departamento de Justiça. Ele não conseguiu o cargo, mas comandou a equipe de transição da FTC, fazendo recomendações para as principais posições antitruste.

Ao longo dos anos, ajudou muitos ex-alunos a conseguir estágios ou empregos na FTC, no Departamento de Justiça e em escritórios de advocacia, de acordo com e-mails, arquivos legais e outros documentos. Pelo menos 50 alunos de direito da Universidade George Mason trabalharam como estagiários da FTC de 2010 a 2020, segundo análise da organização sem fins lucrativos Tech Transparency Project (que tem um número maior de alunos do que as universidades de Yale, Harvard ou Stanford).

O presidente interino da FTC, nomeado por Trump, escolheu Abbott “Tad” Lipsky e Alan Devlin — dois homens do pequeno círculo de advogados antitruste de Washington — para servirem como diretor e vice-diretor do escritório de concorrência da FTC.

As nomeações deram a Wright uma vaga para um de seus clientes da Wilson Sonsini.

Três dias antes de Obama deixar o cargo, a FTC votou para processar a Qualcomm por supostamente alavancar seu domínio na indústria de chips para obter acordos de licenciamento para iPhones da Apple e outros dispositivos móveis. Wright havia votado contra o prosseguimento do processo enquanto estava na FTC e foi proibido de representar a Qualcomm sob uma lei federal de conflito de interesses.

Wright, no entanto, enviou um e-mail para Lipsky em seu endereço de e-mail pessoal e o convidou para almoçar. Eles se encontraram no BLT Steak, em Washington, no dia cinco de maio de 2017. Wright disse a ele que havia sido contratado pela Qualcomm, segundo e-mails. Durante o almoço e em um e-mail posterior, Wright pressionou Lipsky e a FTC a desistir de seu processo contra a Qualcomm e a buscar um acordo.  

Na semana seguinte, Wright enviou um e-mail a Lipsky e Devlin, sugerindo que “nos reuníssemos para um bate-papo preliminar e relativamente informal como um primeiro passo”. 

Em uma reunião da FTC dias depois, houve uma discussão sobre o convite de Wright. Um funcionário questionou se ele tinha permissão para representar a Qualcomm no caso. O envolvimento de Wright foi relatado ao escritório do inspetor-geral da FTC, que abriu uma investigação. 

Quando o inspetor-geral entrou em contato com Wright, ele “inicialmente negou participar” de discussões sobre um possível acordo, segundo um relatório da agência. “Talvez eles estejam se confundindo?”, disse Wright ao investigador da FTC. Wright mais tarde reconheceu seu envolvimento.

O escritório concluiu que ele havia violado uma lei federal que lida com restrições de conflito de interesses e recomendou um processo. O Departamento de Justiça não deu prosseguimento ao caso. 

Lipsky e Devlin renunciaram à FTC após alguns meses. Mais tarde, Lipsky assumiu um emprego no Instituto Antitruste Global da Universidade George Mason, do qual Wright havia se tornado diretor executivo.

A Qualcomm precisou da ajuda de Wright com outro problema. Em seis de novembro de 2017, a Broadcom, na época uma empresa de semicondutores com sede em Singapura, fez uma oferta não solicitada — e indesejada — para comprar a Qualcomm por US$ 105 bilhões. No dia seguinte, Wright enviou uma carta à empresa propondo que a Qualcomm doasse US$ 2,9 milhões ao instituto. A empresa concordou.

A Qualcomm disse no mês passado que a doação estava em andamento antes de a Broadcom anunciar a tentativa de fusão.

Em fevereiro de 2018, Wright e outros especialistas antitruste assinaram uma carta alertando que qualquer ligação entre a Broadcom e a Qualcomm “enfrenta riscos antitruste significativos”. O presidente Trump anunciou sua oposição no mês seguinte, citando preocupações de segurança nacional. Dias depois, o negócio estava morto.

A Qualcomm também escapou da investigação antitruste da FTC. Depois que um tribunal no norte da Califórnia ficou do lado da FTC em 2019, Wright respondeu com um artigo acadêmico que criticava a decisão. O artigo dizia que Wright aconselhou a Qualcomm, mas não recebeu apoio financeiro da empresa para escrever a crítica. Um tribunal federal de apelações acabou revertendo a decisão, dando à Qualcomm — e Wright — outra vitória.

Em meados de 2019, a esposa de Wright, Anhvinh Wright, se deparou com um recibo de viagem com o nome Lindsey Edwards.

Ela suspeitava de um caso, mas não tinha certeza de nada.

Wright também não sabia o que estava por vir.

traduzido do inglês por investnews