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Na China, os preços estão em queda livre — e Pequim quer resolver isso

Empresas continuam produzindo em meio à queda dos preços, criando um ciclo vicioso que prejudica a confiança

Por Hannah Miao The wall street Journal
Publicado em
9 min
traduzido do inglês por investnews

O país que inventou o papel está produzindo muitas folhas.

Então, a Shandong Chenming Paper, uma das maiores fabricantes de papel da China, fez o que qualquer empresa que enfrenta excesso de capacidade faria: cortou os preços para vender mais na tentativa de enfrentar a crise. 

Contudo, suas perdas aumentaram. No mês passado, a empresa disse que acumulou cerca de US$ 250 milhões em dívidas vencidas. Os credores abriram processos e algumas das contas bancárias da fabricante foram congeladas, segundo a empresa.

Esses problemas são apenas o mais recente exemplo do caos causado pela queda dos preços na China, em um momento no qual as fábricas lutam para lidar com o excesso de capacidade e a demanda fraca.

Nesta semana, os líderes chineses prometeram fazer mais para estimular a economia, inclusive cortando as taxas de juros e aumentando os empréstimos do governo. Mas há uma pressão cada vez maior sobre Pequim para que medidas mais enérgicas sejam tomadas para evitar uma espiral descendente de deflação, que pode se autoalimentar, potencialmente levando a China a uma recessão de longo prazo.

Os preços dos produtos que saem das fábricas chinesas estão caindo há 26 meses consecutivos. Em novembro, a retração foi de 2,5% em relação ao mesmo período do ano anterior, e há poucos sinais de que voltem a subir em breve. O deflator do Produto Interno Bruto da China, indicador mais amplo dos níveis de preços em toda a economia, está em território negativo há seis trimestres consecutivos, o período mais longo desde o final da década de 1990.

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Uma possível nova guerra comercial com o presidente eleito Donald Trump poderia piorar o problema, dificultando para a China desovar o excesso de produção industrial nos EUA. Diante da impossibilidade de o mercado chinês absorver essas mercadorias, os estoques com certeza subiriam.

O medo é que a deflação esteja se enraizando no país. À medida que a queda dos preços prejudica a lucratividade, as empresas podem adiar investimentos ou demitir trabalhadores, levando mais pessoas a cortar gastos. Outros podem adiar as compras porque acham que os preços cairão ainda mais.

“Torna-se um ciclo vicioso”, disse Penelope Prime, diretora fundadora do China Research Center, think tank com sede em Atlanta.

O índice de preços ao consumidor da China ainda está acima de zero, mas apenas por pouco, subindo apenas 0,2% em novembro em relação ao ano anterior, em comparação com um aumento de 2,7% nos EUA. A taxa chinesa está bem abaixo do nível de cerca de 2% que a maioria dos bancos centrais considera saudável para a economia. 

Muitos economistas estão observando bem de perto os dados de inflação dos preços ao produtor na China — que capturam os preços no nível da fábrica —, dada a dependência do país na manufatura como um motor de crescimento.

Os líderes chineses já tomaram uma série de medidas nos últimos meses para colocar um piso sob a economia, que tem lutado contra o colapso do mercado imobiliário e o aumento da dívida em muitas cidades. As autoridades cortaram as taxas de juros e, no mês passado, formuladores de políticas aprovaram um plano de troca de dívida de US$ 1,4 trilhão na tentativa de fortalecer as finanças de governos locais.

Esta semana, o Politburo chinês, composto por 24 indivíduos, disse que adotaria uma política fiscal mais proativa e uma política monetária “moderadamente flexível” no ano que vem — a primeira introdução desse tipo de linguagem desde 2008. Os líderes também prometeram impulsionar a demanda doméstica e estabilizar o mercado imobiliário, que alguns economistas acreditam ser necessário para reacender a inflação.

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Embora haja sinais de que a economia da China está recuperando algum impulso, as políticas até agora não parecem estar afetando os preços. Uma razão é que elas se concentraram principalmente em afastar riscos financeiros imediatos, em vez de promover um aumento sustentado nos gastos do consumidor. 

Outra razão é que Pequim tem concedido empréstimos e subsídios às fábricas chinesas. Isso apoia o crescimento, mas também agrava o problema do excesso de oferta, que promove a queda dos preços.

Na Shandong Chenming Paper, quase três quartos da capacidade de produção foram fechados. A empresa não respondeu a um pedido de comentário.

Outras empresas continuaram produzindo mais. A produção de papel e papelão do país no acumulado do ano até outubro aumentou cerca de 10% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com o Escritório Nacional de Estatísticas da China. Os preços dos produtos de papel que saem das fábricas chinesas vêm caindo ano a ano desde outubro de 2022.

Outras indústrias seguiram um padrão semelhante. William Li, presidente-executivo da empresa chinesa de carros elétricos NIO, disse em uma teleconferência com analistas em setembro que os fabricantes de veículos com motor de combustão interna na China entraram em um “ciclo insustentável, ou um ciclo vicioso” de corte de preços, prejudicando os lucros. A produção de veículos no país continua a aumentar. 

Alguns economistas acreditam que os preços ao produtor continuem em território negativo pelo menos até o ano que vem, com o Nomura esperando que o índice de preços ao produtor da China caia 1,2%, enquanto a Macquarie estima uma queda de 1% em 2025. O Bank of America e o Goldman Sachs estão prevendo que os preços ao produtor fiquem estáveis em 2025.

O problema é que, uma vez que as expectativas de preços mais baixos virem um costume, fica difícil revertê-las. O Japão descobriu isso da maneira mais difícil na década de 1990, quando o estouro das bolhas imobiliárias e do mercado de ações deixou consumidores e empresas focados em pagar dívidas em vez de gastar ou investir, mesmo com os formuladores de políticas reduzindo as taxas de juros a praticamente zero. Isso levou a cerca de três décadas de crescimento fraco e deflação persistente. A demografia desfavorável não ajudou.

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Richard Koo, economista do braço de pesquisa do banco de investimento japonês Nomura Securities, cunhou o termo “recessão do balanço” para descrever o que aconteceu no Japão e diz que a China passa por isso hoje. 

Em um sinal do quão seriamente os investidores veem o problema de deflação da China, os rendimentos dos títulos chineses de 30 anos caíram recentemente abaixo dos do Japão pela primeira vez desde 2006, de acordo com a FactSet. A queda dos rendimentos dos títulos de longo prazo, que se movem inversamente aos preços, sinaliza que os investidores acham que a economia da China está instável, levando-os a buscar a segurança dos títulos em vez de investimentos como ações.

“Quanto mais tempo dura a deflação, mais arraigada ela vai se tornando nas expectativas das pessoas sobre as perspectivas econômicas futuras”, disse Eswar Prasad, professor de política comercial da Universidade de Cornell e ex-chefe da divisão chinesa do Fundo Monetário Internacional. “Fica cada vez mais difícil usar o estímulo macroeconômico.”

Durante os períodos anteriores de deflação, a China tomou medidas mais dramáticas. Após a crise financeira asiática no fim da década de 1990, quando os preços ao produtor caíram por 31 meses seguidos, a China lançou um doloroso processo de controle do excesso de capacidade. Sob o então primeiro-ministro Zhu Rongji, muitas empresas estatais fecharam ou reduziram seu tamanho, levando a demissões em massa. 

Os preços na porta de fábrica também caíram por cerca de quatro anos seguidos entre 2012 e 2016, estimulados novamente pela superprodução de produtos como pneus e painéis solares. Os líderes chineses fecharam siderúrgicas e outras fábricas vistas como desnecessárias. 

Desta vez, Xi parece estar comprometido com o impulso ao crescimento por meio de mais produção. Ele vê o crescimento impulsionado pelo consumo ao estilo americano como um desperdício, disseram pessoas familiarizadas com a tomada de decisões em Pequim.

O Ministério das Finanças da China não respondeu a um pedido de comentário.

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Uma diferença fundamental hoje é que a economia chinesa está se expandindo em um ritmo mais lento do que antes. O PIB do país cresceu a uma taxa anual de cerca de 7% em 2015 e 2016. No terceiro trimestre deste ano, a economia da China cresceu 4,6% em relação ao ano anterior e muitos economistas acham que o crescimento será mais lento no ano que vem. 

Lisa Wang, vendedora de uma fábrica têxtil na província chinesa de Zhejiang, disse que as novas tarifas de Trump podem aumentar a pressão. Sua fábrica já teve que cortar preços para competir com muitas outras fábricas que produzem roupas de cama semelhantes, consumindo os lucros e forçando-a a reduzir sua força de trabalho de cerca de 600 pessoas antes da pandemia de Covid-19 para cerca de 400 hoje. 

Ela disse que sua empresa está tentando desenvolver novos produtos em categorias que não estão tão saturadas — como o cobertor feito com um tecido que parece frio ao toque —para tentar atrair mais clientes, incluindo novos compradores chineses. Seus clientes atuais são estrangeiros na maioria.

Com as possíveis tarifas de Trump ainda no ar, ela disse que a empresa está dando um passo por vez.

“Vai ser muito difícil para nós”, afirmou ela.

Escreva para Hannah Miao em [email protected]

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