Chegou a vez dos bureaus de crédito entrarem na corrida para estrear na bolsa de brasileira: a Boa Vista SCPC (BOAS3) começa a negociar suas ações na B3 nesta quarta-feira (30), após ter movimentado R$ 2,17 bilhões em sua oferta pública inicial de ações (IPO, em inglês). O preço fixado por ação foi de R$ 12,20. Coordenaram a oferta os bancos JPMorgan, Citi e Morgan Stanley.
Os papéis da companhia (BOAS3) estrearam com fortes ganhos nesta quarta-feira (30). Por volta das 10h22, as ações BOAS3 tinham alta de 5,98%, cotadas a R$ 12,93.
A companhia está listada no Novo Mercado, maior nível de governança da bolsa de valores. Ao todo, 154,6 milhões de ações ordinárias da companhia foram ofertadas em dois blocos:
- Oferta primária (quando os recursos vão para o caixa da companhia): 54% das ações, em média 83,3 milhões.
- Oferta secundária (quando os atuais sócios vendem parte da sua participação e embolsam os recursos): 46% das ações, em média 71,3 milhões; No caso, os vendedores são a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) que controla 51,96% da companhia, o fundo de private equity TMG Capital, que detém 30,05% de participação e a Equifax, com 14,17% da Boa Vista. Existe a possibilidade de que a ACSP reduza sua participação para 30,02%.
Após a oferta pública inicial, a Boa Vista terá um freefloat de 33,84% do seu capital social. Freefloat é o montante de ações com livre circulação no mercado.
Para onde vai o dinheiro?
Os recursos da oferta primária, que representam 54% das ações, movimentaram R$ 1,3 bilhão. Deste valor, 94% serão destinados para financiar novas aquisições e 6% para investir em tecnologia. Segundo a Suno Research, os principais objetivos com as aquisições são:
- Fortalecer o leque de produtos B2C (business to consumer) : até o momento, as soluções oferecidas ao consumidor facilitam o controle da vida financeira, como o histórico de crédito, score e aviso sobre inclusão de novos débitos.
- Acelerar a capacidade analítica: oferece dados a partir das informações dos clientes, da base da companhia e pela base do Cadastro Positivo.
- Ampliar a presença na área de recuperação de recebíveis: os serviços de recuperação de crédito incluem plataformas de cobrança, cartas impressas aos inadimplentes, notificações eletrônicas e meios digitais para análise. O objetivo é reduzir a taxa de inadimplentes com soluções que superem os concorrentes como Serasa Experian, SPC Brasil e Quod.
- Potencializar o crescimento de marketing services: produtos que ajudam os clientes na identificação, prospecção e gerenciamento de consumidores para aumentar a previsão de lucro com cada cliente.
- Capturar demanda por ferramentas para gerenciar risco antifraude
Como a empresa atua?
Com mais de 60 anos, a Boa Vista SCPC é um bureau de análise de crédito, ou seja, uma empresa que coleta e vende informações sobre a capacidade de pagamento dos consumidores ou o histórico deles para honrar suas dívidas. Os clientes da Boa Vista pagam uma taxa para obter estes dados. Entre seus principais concorrentes estão a Serasa Experian, SPC Brasil, Quod e Fico Analytic Consulting.
Sob o comando do fundo de private equity TMG Capital, a Boa Vista se tornou a segunda maior empresa em gestão e analise de dados do Brasil e a que teve maior crescimento nos últimos cinco anos em receita líquida. Segundo a Eleven Financial Research, no primeiro semestre de 2020, a Boa Vista tinha uma receita líquida de R$ 303 milhões.
O lucro líquido da companhia saltou de R$ 17 milhões em 2017, para R$ 47 milhões em 2018. No ano passado foi de R$ 74,3 milhões. O nível de endividamento também vem caindo. Em 2017 o grau de alavancagem era de 1x o ebitda e em 2019 a proporção foi de 0,82x. Veja dados financeiros:
Dados financeiros (R$ milhões) | 2017 | 2018 | 2019 | 1S19 | 1S20 |
Receita Líquida | 572 | 601 | 662 | 316 | 303 |
Serviços para decisão | 407 | 463 | 529 | 252 | 251 |
Serviços para recuperação | 165 | 137 | 133 | 64 | 52 |
Lucro Líquido | 17 | 47 | 74 | 32 | 24 |
EBITDA Ajustado | 185 | 233 | 285 | 135 | 128 |
Margem EBITDA Ajustado (%) | 32,3% | 38,9% | 43,1% | 42,8% | 42,4% |
Dívida Bruta | 237 | 262 | 291 | 243 | 363 |
Dívida Líquida | 185 | 144 | 234 | 168 | 224 |
Dívida líquida/ EBITDA ajustado | 1,00 x | 0,62 x | 0,82 x | n/a | n/a |
A companhia concentra a sua receita em dois tipos de serviços: os de decisão e os serviços de recuperação. Os serviços de decisão foram responsáveis por 80% das receitas da Boa Vista em 2019, como soluções analíticas, relatórios de risco, soluções de marketing e soluções para o consumidor.
Os serviços de recuperação representaram 20% das receitas no ano passado. Eles auxiliam as empresas na recuperação de dívidas com soluções digitais, impressas e relatórios.
Comprar ou não comprar?
As casas de analise Eleven Financial e Suno Research não recomendavam a participação dos investidores no IPO da companhia e também são resistentes quando o assunto é a compra da ação no mercado secundário.
Para Carlos Daltozo, head de renda variável da Eleven Financial, o valor da ação está alto e não garante forte valorização do papel nos próximos meses. “Nossa estimativa de preço é de R$ 11 até o final de 2021. Mesmo se a ação sair no piso, não vemos espaço para valorizar e não seria um bom investimento”, explica.
O mercado já teria precificado oportunidades como o Cadastro Positivo e o Open Banking, o que deixa a Boa Vista sem espaço para uma alta significativa.
Daltozo recomenda que os investidores aguardem até a ação estabilizar seu preço antes de comprar o papel. Nem mesmo para dividendos a Boa Vista apresenta um cenário claro. “É preciso esperar a política de distribuição de lucros, mas também não recomendamos a compra do papel para esta estratégia”, reforça.
Para Rodrigo Wainberg, analista da Suno Research embora o lucro da companhia aumentou nos últimos anos é importante observar que isso não foi necessariamente pelo crescimento da receita da Boa Vista e sim pela redução de gastos com postagens de carta. Ele avalia que a posição competitiva da empresa também não é das melhores, esta é muito menor que a Serasa.
Para o analista a Boa Vista é um case de crescimento com base nas aquisições que acontecerão com o dinheiro do IPO, que podem ser bem sucedidas ou não. “No segundo caso, provavelmente o múltiplo cai bastante e o investidor perde seu dinheiro de forma quase permanente, mesmo a companhia dando lucro”, adverte Wainberg.
Em relatório, a Suno Research defende que nos últimos anos os ganhos da receita foram constantes porém não expressivos, o que deve permanecer mesmo após a abertura de capital. “Entendemos que se trata de um setor muito competitivo, de rápida adaptação e que existem riscos elevados quanto a substituição ou não contratação dos seus serviços. Assim, entendemos que haverá dificuldades para atingir ganhos expressivos de receitas” aponta a casa de análise.
Wainberg também acredita que o IPO da Boa Vista muda pouca coisa no setor, apesar de ser o único bureau de crédito listado na B3.
Veja abaixo as vantagens e desvantagens apontadas pelos especialistas ao investir nas ações da Boa Vista:
PONTOS POSITIVOS
- É um segmento diferente, que chama a atenção do mercado e deve se fortalecer com a evolução do Cadastro Positivo e o Open Banking.
- A Boa Vista SCPC conta com uma base de dados abrangentes. É a segunda maior player do mercado depois da Serasa.
- A companhia não precisa ampliar sua estrutura de custos nos próximos anos para ganhar lucratividade: tem um modelo de negócios escalável e uma forte geração de caixa.
- Possui executivos experientes e controladores que agregam valor ao negócio.
- O setor tem forte potencial de crescimento no Brasil com a Selic baixa, alta concentração de crédito e baixo crescimento econômico do país.
PONTOS NEGATIVOS
- Riscos com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). A Equifax, um dos sócios da Boa Vista, já teve um processo por vazamento de dados nos EUA. O investidor precisa avaliar os riscos com a segurança cibernética.
- A companhia tem sua receita concentrada em poucos clientes, o que pode trazer prejuízos.
- Ainda é incerto o valor das aquisições para as quais serão destinados os recursos do IPO.
- Ausência de incentivos de longo prazo para os executivos.
- A competição no setor está aumentando e, mesmo com capital aberto, a Boa Vista ainda tem concorrentes de peso como a Serasa. A Quod também representa uma ameaça e pode ganhar um marketshare maior nos próximos anos.