O Comitê de Política Monetária do Banco Central realiza nesta semana sua primeira reunião após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em meio a um ambiente de alta nas expectativas para a inflação, incertezas sobre a política econômica e piora nas projeções para a taxa básica de juros, quadro incrementado por ruídos gerados pelo novo governo nas últimas semanas.
As atenções sobre o encontro, que acontece nesta terça (31) e quarta-feira (1), devem se voltar especialmente ao tom e aos recados do comunicado do BC, já que os agentes de mercado apostam maciçamente na manutenção da taxa Selic em 13,75% pela quarta vez seguida.
Apesar do avançado estágio de aperto monetário após o BC promover um duro ciclo de alta nos juros para debelar a inflação, as projeções de mercado têm apontado para uma desancoragem da inflação não apenas para 2023, mas em períodos mais longos, incluindo anos que ainda não estão no alvo da atuação do Copom.
O Boletim Focus, coletado pelo BC para captar as expectativas do mercado, mostra que a mediana das expectativas para a inflação deste ano passou de 5,08% logo após a reunião do Copom de dezembro para 5,74% nesta semana -quase 1 ponto acima do teto da meta para o período.
Para 2024, atual foco da atuação da autoridade monetária, a projeção foi de 3,50% para 3,90%. O efeito também é sentido em 2025, com expectativa subindo de 3,02% em dezembro para 3,50% agora, e em 2026, passando de 3% para 3,5%. Até as projeções para 2027, que começaram a ser colhidas este mês, também já aumentaram, de 3,25% para 3,50%.
As metas para a inflação perseguidas pelo BC são de 3,25% em 2023 e de 3,00% em 2024 e 2025, com margem de tolerância de 1 ponto percentual. A meta de 2026 deve se fixada neste ano pelo governo.
Na avaliação do economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, atos e sinais do novo governo têm contribuído para pressionar as expectativas.
“Tem a ver, fundamentalmente, com a quantidade de barulho que o novo governo tem feito, o Lula dizendo que a meta de inflação é muito baixa, que a autonomia do Banco Central é uma bobagem, tem a PEC da transição que gera um déficit primário de 1,5% a 2% do PIB, uma política fiscal claramente expansionista, aumento real do salário mínimo. Isso afeta a política monetária”, disse.
Lula afirmou este mês que o BC independente não faz mais agora do que quando o presidente da instituição era trocado sempre que um novo governo assumia, e também reclamou do nível da taxa de juros.
Segundo Camargo, apesar da iniciativa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de defender uma gestão fiscal responsável e apresentar medidas nesse sentido, o mercado tem interpretado que as posições de Lula devem prevalecer nas decisões de política econômica.
“Nossa expectativa é que a taxa deve ser mantida em 13,75% e o Banco Central deve fazer algum comentário sobre o aumento das expectativas para a inflação, tentar segurar um pouco essa desancoragem com um discurso mais duro, enviesando seu balanço de riscos um pouco mais para uma política mais contracionista”, disse.
Na reunião de dezembro, o Copom manteve seu balanço de riscos para a inflação simétrico, citando fatores que podem pressionar a inflação para cima ou para baixo, mas já deu um tom mais duro ao abordar o risco de alta gerado por questões fiscais.
Em meio às incertezas que rondam o novo governo, os economistas também passaram a ajustar as previsões para cortes na Selic, antecipando que o BC deve ter que segurar a taxa em patamar mais alto por um período mais longo.
Em dezembro, após o último encontro do Copom, o Focus projetava que a taxa básica de juros encerraria 2023 em 11,75% ao ano. Agora, a mediana do boletim aponta para um patamar de 12,50% ao ano em dezembro. Os níveis da Selic também subiram nas projeções dos analistas para os anos seguintes.
As taxas de mercado praticadas na negociação de títulos do governo também apontam um aumento das projeções para os juros desde a posse de Lula, mas ainda abaixo dos níveis vistos no último Copom.
O economista chefe do Banco Original, Marco Caruso, aponta a expansão fiscal, as incertezas econômicas e os ruídos do novo governo como dificultadores para a política monetária e adiciona um fator, argumentando que há dúvidas sobre a taxa neutra de juros estar com viés de alta.
A taxa real neutra é o nível de juros que não estimula nem contrai a atividade econômica. Caruso explica que se a taxa neutra –hoje estimada pelo BC em 4%– estiver mais alta, como vem sugerindo alguns analistas, a política monetária praticada até o momento pode ter efeito menos restritivo, o que demandaria um esforço maior do BC para baixar a inflação.
Para ele, o Copom desta semana trará recados, provavelmente em seu balanço de riscos para a inflação.
“Acho que vai ter o recado, com seus disfarces. O que interessa saber é se eles vão mudar a ideia de que os riscos são simétricos”, afirmou. “Como é uma discussão ainda ruidosa, eu desconfio que essa simetria dos riscos tem pelo menos mais uma reunião de sobrevida, mas o desconforto do Banco Central parece maior”.
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