A notícia de que a rede de materiais de construção C&C vai precisar fechar pelo menos 1/3 das lojas acendeu um sinal de alerta para os investidores deste segmento. Sua rival, a rede Telhanorte, que pertence ao grupo francês Saint-Gobain, também está à venda. De acordo com especialistas do mercado, esse modelo de grandes lojas varejistas estaria enfrentando prejuízos e passando por reestruturações para sobreviver.
A necessidade de fechamento de lojas da C&C foi constatada após a análise de uma consultoria contratada para reestruturação da empresa e mudanças no modelo de negócio. A C&C, que possui 36 lojas no país, foi anunciada para venda, mas até agora não atraiu o interesse de compradores. A companhia foi colocada à venda pela família após a morte do banqueiro Aloysio Faria, fundador da rede de materiais de construção, entre outras empresas.
De acordo com o analista Hugo Queiroz, da L4 Capital, a venda das duas lojas ao mesmo tempo é uma grande coincidência. Ele afirma que o modelo de loja física de lojas de materiais não está ultrapassado e ressalta que, talvez, os “homes centers” grandiosos precisem ser repensados, já que têm grandes custos fixos, como pagamento de funcionários e alugueis.
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“Não é uma tendência desinvestir ou vender. A C&C foi uma reestruturação do espólio para fazer caixa e dividir. E sobre a Telhanorte, a Saint Gobain está tendo um modelo de negócio incorreto da companhia e por isso quer vender”, diz.
Segundo o analista, é uma tendência ter um “mix”, modelo híbrido de pequenas e grandes lojas. Ele cita que a Leroy Merlin está abrindo lojas menores, assim como a Unicasas e Portobello Shop (PTBL3), além das Lojas Quero Quero que possui unidades pequenas distribuídas no interior do Brasil.
“Pelo contrário, estamos vendo as companhias investindo em expansão, a Quero Quero tem aberto de 30 a 50 lojas todos os anos, a Portobello também tem investido em expansão, a própria Eternit tem discutido a possibilidade de trazer um braço do varejo dentro do modelo industrial. A Leroy Merlin tem feito abertura de lojas.”
Hugo Queiroz, da L4 Capital
Já Lucas Lima, analista da VG Research, diz que o modelo de negócio das varejistas é bastante desafiador, com um setor muito competitivo e sem tanta diferenciação de produtos, implicando em uma margem extremamente apertada e dificuldade para gerar lucro.
“Acredito que o problema atual de empresas como a C&C e a Telhanorte não está relacionado ao fracasso das lojas físicas, mas nas estratégias que são utilizadas nesses pontos.”
Lucas Lima, analista da VG Research
Boom da pandemia
Para a analista de varejo da Levante Inside, Caroline Sanchez, se analisarmos apenas a quantidade de lojas de materiais de construção e decoração pedindo a reestruturação da dívida, podemos pensar que é uma tendência do setor. No entanto, ela destaca que, depois do boom da pandemia, quando artigos e materiais de construção tiveram vendas em patamares elevados, devemos esperar uma readequação para o cenário atual.
“A pandemia trouxe uma mudança de hábitos do consumidor e o que a gente mais observa é que está tendo uma readequação do mix entre marketplace e loja física. Essa é uma conta que acho que as empresas demorem algum tempo para se reequilibrar.”
analista de varejo da Levante Inside, Caroline Sanchez
“O digital e o físico são complementares, o que a gente pode entender em tendência é que não existe um único modelo vencedor. As empresas vêm passando agora por uma readequação de formato de acordo com os novos hábitos do consumidor”, diz Sanchez.
O crédito caro, com a taxa básica de juros, a Selic, atualmente está em 13,75% ao ano, também esfriou as vendas do setor. Lucas Lima, analista da VG Research, explica que o boom que houve na pandemia em relação aos materiais de construção foi algo muito específico daquela época. Taxa de juros baixa, estímulos do governo e o maior tempo das pessoas em casa impulsionaram compras nesse segmento.
“Atualmente, com a taxa de juros bastante elevada e a inflação corroendo o poder de compra do consumidor, esse tipo de compra de material de construção é deixado de lado. Visualizamos empresas na bolsa como PortoBello sofrendo nos seus últimos resultados”, comenta.
Na divulgação dos resultados do primeiro trimestre de 2023, a PortoBello reportou receita líquida de R$ 488 milhões, uma queda de mais de 7% na comparação com o mesmo período do ano anterior.
“O apetite do consumidor por reformas da sua casa e renovação dos móveis reduz bastante em um cenário de enfraquecimento do crédito com taxa de juros elevada. Assim, empresas como Camicado, Tok&Stok e C&C estão sendo forçadas a alterar o plano de expansão e repensar nas estratégias do modelo de negócios”, diz Lima.
Modelo híbrido
O modelo híbrido entre lojas físicas e online é defendido por especialistas, já que o consumidor tem a necessidade de ver o produto.
O aposentado Antônio Lopes disse que não compra nenhum material de construção antes de ver em “suas próprias mãos” o modelo antes de fechar o negócio. “Sempre que vou fazer uma reforma ou comprar algum material que preciso em casa vou até a loja física pra ter certeza da qualidade do produto. Olhar só pelo computador engana”, afirma.
Lima aponta que “em relação aos materiais de construção, quase sempre há uma necessidade de visualizar o produto pessoalmente. A visão é algo muito importante na percepção e na decisão de compra do consumidor”.
“O consumidor também por muitas vezes entra numa loja de material de construção sem saber exatamente o que deseja comprar, então a exposição do produto em loja física juntamente com um atendimento de qualidade termina influenciando na venda final”, afirma o especialista.
O analista da VG Research defende que a solução mais adequada deverá ser sempre buscar o crescimento no digital, mas sem abrir mão das lojas físicas que podem ser utilizadas de maneira estratégica, como funcionando como um HUB para melhorar a logística e o relacionamento com o cliente.
Setor cíclico
Assim como a economia, as vendas de materiais de construção são cíclicas no país, de acordo com os especialistas. “Em ciclos positivos, essas lojas de home center decolam porque elas tem muito mais força do que as pequenas, tanto no crédito quanto no estoque e até na margem. Pra mim, o modelo ideal é o híbrido entre modelos de loja”, afirma Hugo Queiroz.
O analista destaca que a pandemia antecipou ciclos, com as pessoas fazendo reformas antes do previsto após ficarem a maior parte do tempo dentro de casa devido ao isolamento social.
“O potencial no Brasil é imenso. A gente tem déficits habitacionais de 8 milhões de residências na faixa mais pobre da população, tem muita residência pra ser concluída e entregues nos próximos 3 anos. Então vamos ver um novo ciclo de compras, de investimentos em reformas”, diz Queiroz.
Varejistas de decoração
As Lojas Camicado, maior varejista do mercado de artigos de decoração e acessórios, tiveram 13 unidades fechadas no país no primeiro trimestre deste ano. A rede, que pertence às Lojas Renner (LREN3), também teve unidades que passaram a ocupar um menor espaço físico e dispor de uma menor variedade de produtos.
O fechamento das lojas da Camicado corre em meio à crise que culminou com o fechamento de lojas da concorrente Tok Stok, que está renegociando dívidas com credores e teve pedido de decretação de falência feito por um fornecedor.
A companhia, que não é listada em bolsa, passa por dificuldades financeiras. A empresa contratou recentemente a consultoria Alvarez & Marsal pare renegociar dívidas cujos valores não foram divulgados.
A Etna também é um exemplo de empresa do setor de móveis e decorações em dificuldades, já que fechou as portas em meados do ano passado.
“O modelo de lojas de decoração não está ultrapassado, mas, efetivamente, essas lojas precisem trabalhar com um mix de produtos para resgatar o ritmo de vendas e expansão. Tanto é que as Lojas Riachuelo, a Guararapes, abriu uma parte especializada em decoração de casa”, afirmou o analista da L4 Capital Hugo Queiroz.
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