Tentando manter vendas em alta, CVC lança forma de pagamento com FGTS

As medidas da CVC para faturar mais parecem já estar surtindo efeito, com o balanço do 3º trimestre de 2023 trazendo uma quebra na sequência de quedas de receitas que a empresa vinha amargando. Com o balanço ainda no prejuízo, porém, os esforços continuam. Agora, a operadora de turismo anunciou mais uma medida para tentar subir as vendas: oferecer aos clientes a antecipação do saque aniversário FGTS como forma de pagamento de viagens.

A ideia é que o cliente use os recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para pagar viagens. O objetivo da CVC é aumentar a base de clientes e a taxa de conversão de vendas. A expectativa é de que a nova modalidade de pagamento chegue a representar 10% das vendas da CVC, conforme disse Emerson Belan, diretor geral da CVC Viagens ao InvestNews. 

Para colocar a ideia em prática, a CVC firmou uma parceria com o Banco Digio, plataforma digital do Bradesco. “É nosso correspondente bancário junto à Caixa Econômica Federal, entidade financeira homologada para este fim”, explica Belan. 

“O Digio tem acesso aos valores que são repassados para o cliente, pois o produto ‘antecipação do saque-aniversário’ é realizado pelo Digio, então temos todas as informações aqui”, complementou o banco em nota enviada à reportagem. A receita para o Digio está na cobrança da taxa de 1,99% ao mês do cliente. 

A novidade faz parte de uma série de tentativas da CVC para elevar as receitas desde a mudança de comando da empresa em maio. Com anúncios que incluem facilitação em pagamentos de pacotes e elevação da oferta, a operadora fechou o 3º trimestre com receita de R$ 375 milhões, uma alta de quase 40% sobre os meses anteriores, marcando o primeiro aumento nos ganhos com vendas e serviços em cinco trimestres. 

Em teleconferência com analistas após a divulgação dos números, na segunda-feira (6), o presidente da empresa, Fábio Godinho, disse que “começam pouco a pouco a aparecer os resultados” da nova estratégia, que inclui a abertura de novas lojas.

Mas essa melhora ainda não foi o bastante para tirar a empresa do prejuízo. O resultado ficou negativo em R$ 87 milhões, depois das perdas de R$ 166 milhões no período anterior. No mesmo trimestre do ano passado, o prejuízo havia sido de R$ 75 milhões. 

Mais números da CVC

O balanço da empresa, divulgado nesta semana, mostrou que o endividamento segue como um sinal de alerta. A relação entre a dívida líquida da empresa e o Ebitda – ou seja, o endividamento comparado à capacidade de geração de caixa – subiu de 0,11 no trimestre anterior para 3,34 agora. No entanto, há uma melhora sobre os 5,98 do mesmo período de 2022. 

Já na comparação com o patrimônio líquido da empresa, os números da dívida mostram uma piora. A relação da dívida líquida foi de 69,19 no ano passado para 89,5 agora, segundo levantamento feito pela plataforma ValorPro. 

Em um cenário de dificuldade de crédito para as empresas após fenômenos como o da Americanas, mesmo com a Selic caindo, a CVC vem tentando atrair investidores. 

No mês passado, o presidente da companhia, Fabio Godinho, e o CFO, Carlos Wollenweber, foram aos Estados Unidos em busca de investidores estrangeiros. Os dois executivos estiveram no Latam CEO Conference, evento realizado pelo BTG Pactual, além de participarem, ainda, de um roadshow Bank of America (BofA).

Nesta semana, a CVC promoveu dois encontros com os principais bancos e investidores da companhia, na terça (7) e na quarta-feira (8). 

“O objetivo dos encontros é reforçar com os nossos principais investidores o resultado positivo da empresa no 3º trimestre de 2023, sendo o primeiro trimestre da nossa nova gestão e também o primeiro com lucro caixa da empresa dos últimos 14 trimestres, o que comprova que as mudanças promovidas nos últimos meses estão no caminho certo e indicam uma retomada consistente da companhia”, afirmou Fabio Godinho em nota.

No Rio de Janeiro, o encontro foi no BTG Pactual e contou com a participação de ARX Investimentos Ltda, Clave Gestão de Recursos Ltda, Sharp Capital, Itaú Unibanco Asset Management Ltda e Capstone Gestão de Recursos. Já na agenda de São Paulo, mais de 20 investidores estiveram presentes na agenda, entre eles Safari Capital, Absolute, Alaska Asset, Equitas, Logos e Fourthsail, entre outros.

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Espera pela ‘virada de chave’ 

As medidas para elevar receitas têm sido bem vistas, de forma geral, pelo mercado. Para Fabricio Gonçalvez, CEO da Box Asset Management, a disponibilização do saque antecipado do FGTS para pagar pacotes de viagem “tem sim potencial para aumentar o caixa da empresa de forma significativa”.

Mas os especialistas ainda creditam a esperada virada substancial da CVC ao cenário macroeconômico. Isso porque, apesar de a Selic já ter começado a cair, os juros ao consumidor, que ficaram por um bom tempo em patamares considerados elevados, ainda devem demorar para sentir um impacto mais significativo. 

“Isso (pagamento de viagem com antecipação do saquel do FGTS) é algo que pode potencializar um aumento de receita, é uma facilidade, um parcelamento, crediário. Essas medidas são positivas, mas não são a virada de chave. Essa virada de chave acho que vem muito mais pelo lado macro”

Enrico Cozzolino, sócio e head de análise da Levante Investimentos.

Segundo o analista, o nível de endividamento das famílias segue alto. “O nível de incerteza de manutenção de renda ainda é elevado. A questão dos juros ainda pega muito mais do que os eventos micro”, complementa. 

Também pensando no cenário macro, Vitorio Galindo, head de análise fundamentalista da Quantzed, comenta que as iniciativas da CVC (CVCB3) para tentar aumentar as vendas acontecem na esteira da expectativa de retomada do setor de turismo como um todo – o que deve render bons frutos para a empresa mais à frente, embora o especialista ressalte que “ainda é cedo para dizer”. 

“A companhia tomou várias iniciativas, tanto para aumentar o alongamento do parcelamento quanto para oferecer outras formas de parcelar, como boleto que eles voltaram a fazer com mesa própria. E tem a questão até de demanda reprimida”, diz.

FGTS para pagar viagens: como vai funcionar 

O saque aniversário é uma modalidade que permite ao trabalhador sacar, todo ano, no mês do seu aniversário, parte do valor disponível em sua conta do FGTS. Mas existe a possibilidade de antecipação desse benefício. Podem ser antecipados os próximos 10 saques, que correspondem a 10 anos.

“O pagamento pode ser em até 10 anos e é descontado automaticamente do saldo do FGTS do cliente”, diz Belan, da CVC.

Existem algumas regras a que o cliente deve se atentar. A primeira é que, após aderir ao saque aniversário, a pessoa deve permanecer na modalidade por 25 meses. Somente após esse período é possível retornar à opção do saque rescisão. Além disso, o valor máximo para antecipação não pode exceder 70% do valor disponível no saldo do FGTS.

Na prática, o recurso equivale a um empréstimo consignado com base nos saques futuros. Não há parcelas mensais e o valor é descontado diretamente do FGTS, assim como os juros. 

Assim, é importante ter em mente que uma viagem adquirida por essa modalidade pode sair a um preço mais alto para o cliente. Segundo uma simulação feita pela própria CVC com uma viagem de R$ 10 mil, o valor final após três anos pode chegar a R$ 13.487. Se o financiamento for em 10 anos, a conta pode chegar a R$ 18.100.