Diante do forte calor e tempo seco na região Centro Oeste, a produtora de commodities SLC Agrícola (SLCE3) anunciou na última terça-feira (5) que reduziu as estimativas de plantio de soja para a safra de 2023/24. O plano é substituir parte do cultivo da oleaginosa por algodão já na primeira leva. E o maior causador do novo guidance é o fenômeno climático El Niño, que vem impactando de forma desigual a agricultura do país.
A SLC prevê uma produtividade 7,3% menor para a soja que na estimativa anterior. Ela pretende abrir mão de uma área plantada de 16 mil hectares, a serem destinados ao algodão, além de replantar outros 19 mil hectares. Com isso, a previsão é de que a safra destas culturas seja 4,8% menor que a anterior, alcançando 320,5 mil hectares.
A mudança de planos da companhia levou analistas a revisarem para baixo as estimativas para a ação. É o caso da equipe de research da XP, que enxerga uma queda nos preços dos grãos no curto prazo, com potencial para impactar os resultados da SLC. A instituição financeira cortou o preço-alvo de SLCE3 de R$ 58,8 para R$ 43,9, rebaixando a recomendação de compra para neutro.
“Embora ainda vejamos a empresa negociando com um valuation descontado, acreditamos que uma perspectiva de commodities mais pessimista desencadeará uma revisão de lucros para a companhia”.
Leonardo Alencar e Pedro Fonseca, ANALISTAS DA XP, em relatório.
A analista do Merryll Lynch no Brasil Isabela Simonato calcula que se o novo guidance se confirmar, o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação) da companhia deve sofrer uma queda de 7% em 2024, o que comprometeria a expectativa de geração de caixa para o futuro.
Por esse motivo, o BofA manteve a avaliação “underperform” (desempenho abaixo dos pares no setor) para a ação, apostando que os lucros podem começar a normalizar após resultados recordes da safra 2022/23, “enquanto condições adversas do clima devem impactar negativamente a performance operacional no próximo ano”.
De olho no impacto negativo, a SLC recorreu a um aumento do hedge (mecanismo de proteção contra perdas financeiras) para a temporada de soja e algodão de 2023/24. Na soja, por exemplo, 50% da produção está fechada a US$ 12,75 por bushel, com 46% da variação cambial protegida em R$ 5,30, contra R$ 5,32 em novembro.
Efeito desigual no país
O El Niño vem atingindo de forma desigual regiões de plantio no país. Tanto que, enquanto algumas plantações do Sul e Sudeste têm sido, via de regra, beneficiadas por chuvas abundantes, áreas no Centro-Oeste e Norte vêm sofrendo com uma seca severa. Por essa razão, enquanto SLC reduz a previsão da safra, outras empresas dedicadas às mesmas culturas, mas em outras áreas, podem ter mantido ou aumentado suas projeções.
De toda forma, houve uma queda na área total plantada de soja no país. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o percentual de plantio da safra 2023/24 na semana até o dia 2 de dezembro era de 83%, abaixo dos 90,7% no mesmo período de 2022.
Após visita a plantações de soja em Goiás e Mato Grosso na semana passada, a Levante Investimentos constatou, em relatório, que as condições das lavouras estão bastante distintas, mas, de modo geral, “piores do que no ano passado”, mas melhores que em anos como 2016, uma das referência para condições climáticas.
“A comercialização está muito lenta neste momento, com os produtores aguardando uma melhora nos preços, já que há o sentimento de que haverá uma grande quebra na produção brasileira. Neste ponto, recomendamos muita atenção, pois há alguns dados que não estão alinhados com o sentimento geral”, diz a casa de análise.
O lado positivo da história é que os ganhos dos produtores não devem cair com a redução da área de plantio. Levantamento do Datagro Grãos estimou que a renda dos sojicultores do país para o ano que vem deve ser positiva, ainda que “possivelmente aquém dos excelentes desempenhos de 2021 e 2022, e até mesmo do razoável ano de 2023”.
Os analistas da XP avaliam que a visão para o setor do agronegócio em 2024 permanece construtiva. “Apesar dos preços mais baixos da soja e do milho, os produtores, em média, ainda contabilizarão margens saudáveis”, escreveram.
Para o agronegócio como um todo, a presença do El Niño deve continuar forte pelo menos até meados de 2024, como prevê a Agência Climática Nacional dos EUA (NOAA), com potencial de impactar os preços globais dos alimentos.
Economistas da Allianz Research, parte da Allianz Trade, concluíram em estudo publicado na semana passada que, de forma geral, os preços das commodities agrícolas devem permanecer mais altos e mais voláteis no próximo ano. Eles indicaram que, embora alguns tenham caído, espera-se que sigam acima do nível de 2019, devido a fertilizantes caros, dólar mais fraco e intensa especulação financeira.
“Desde a pandemia até o início da guerra na Ucrânia, o mercado de commodities agrícolas passou por um percurso acidentado nos últimos três anos. No entanto, o documento aponta que diferentes commodities seguiram trajetórias de preços distintas”..
TRECHO DE ESTUDO DA Allianz Research.
O El Niño é parte de um fenômeno no qual o oceano Pacífico Equatorial (e a atmosfera adjacente) fica mais quente que o normal, resultando em mudanças nos padrões de circulação atmosférica, umidade, temperatura e chuvas que afetam várias regiões do planeta. Com isso, regiões da América do Sul, incluindo o Brasil, têm vivido uma intensificação deste fenômeno.
A SLC Agrícola é controlada pelo Grupo SLC – grupo este 100% controlado pela família Logemann – que detém 53% da SLC Agrícola e 100% da SLC Máquinas. Dentre as demais ações da SLC Agrícola, 2% são retidas em tesouraria e as demais 47% ficam em free float no mercado.
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