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Economia

Em seu 1º ano de volta ao poder, Lula repete feito raro de agradar a pobres e a Wall Street

No entanto, crescimento já esfriou e deve cair pela metade em 2024, à medida que impulso do agronegócio sinaliza escolhas difíceis.

Em sua primeira passagem pela presidência, Luiz Inácio Lula da Silva agradou tanto os eleitores de baixa renda quanto os investidores. Em seu primeiro ano de volta ao poder, ele conseguiu o mesmo feito.

A economia de US$ 2 trilhões do país cresceu perto de 3% em 2023 — o triplo do que os analistas esperavam em janeiro do ano passado, quando Lula regressou ao cargo. A inflação tem desacelerado e as sondagens mostram que os apoiadores do presidente, predominantemente os brasileiros mais pobres, sentem que ele está cumprindo o que prometeu. Enquanto isso, a bolsa atingiu um nível recorde e a classificação de crédito do país melhorou.

Luiz Inacio Lula da Silva. Crédito: Andressa Anholete/Getty Images

Agora, a questão é se as ideias econômicas que tornaram o líder brasileiro bem-sucedido – chamadas no exterior de “Lulanomics” – vão funcionar até o final 2024, ano em que a desaceleração da atividade, restrições fiscais e eleições municipais difíceis representarão um grande teste de sua estratégia.

O Lula de duas décadas atrás se beneficiou de um boom das commodities que gerou receitas para programas de combate à pobreza, ao mesmo tempo em que empreendia grandes projetos de infraestrutura e concedia financiamento público barato — tudo isso sem assustar os investidores.

No início de seu atual governo, a economia teve um desempenho superior em 2023, em grande parte graças às “supersafras” de milho, soja e cana-de-açúcar, que provavelmente foram um caso isolado. A prorrogação de benefícios pós-pandemia ofereceu outro impulso temporário.

“Os fatores desta surpresa positiva não são sustentáveis”, diz Gabriel Barros, economista-chefe da Ryo Asset, no Rio de Janeiro.

O crescimento já esfriou e deve cair pela metade em 2024, à medida que o impulso do agronegócio diminui e sinaliza algumas escolhas difíceis. O governo promete expandir os programas sociais e ao mesmo tempo zerar o déficit primário. O consenso nos círculos financeiros é de que a conta não fecha.

Entre 2003 e 2010, os dois governos de Lula são creditados por terem tirado cerca de 20 milhões de brasileiros da pobreza extrema, tornando o presidente um dos líderes mais populares do mundo antes de cair em desgraça em meio ao escândalo de corrupção que o levou à prisão. Agora, aos 77 anos e mais preocupado com seu legado depois de um regresso espetacular, Lula enfrenta ventos contrários ainda maiores, tanto políticos quanto econômicos.

Rosemere dos Santos, autônoma do ramo de alimentos, diz que preços estão altos. Crédito: Bloomberg

Lula venceu Jair Bolsonaro por uma margem apertada, e apoiadores do ex-presidente saquearam o Congresso dias após sua posse, alegando que a votação foi roubada.

Embora o crescimento melhor do que o esperado do ano passado tenha sido crucial para solidificar o domínio de Lula no poder, agora até a sua equipe econômica prevê uma desaceleração. O primeiro semestre de 2024 será o período mais desafiante, quando poderá ser obrigado a abrir as comportas dos gastos públicos para sustentar uma economia fraca, segundo um membro da equipa econômica.

Se Lula conseguir chegar até agosto sem pôr em risco a confiança dos investidores no compromisso de seu governo com a responsabilidade fiscal, o resto do ano será mais fácil de navegar, uma vez que as taxas de juros mais baixas apoiarão novamente o crescimento, disse a autoridade, que pediu anonimato para discutir o pensamento da equipe econômica.

“Se tiver sucesso, o Brasil poderá se beneficiar de taxas de juros de longo prazo mais baixas, valorização cambial e aumento do investimento produtivo”, disse Adriana Dupita, economista da Bloomberg Economics.

O antigo líder sindical continua empenhado em usar o poder do Estado para estimular a economia e ajudar os pobres. No ano passado, ele reiniciou o “Minha Casa, Minha Vida”.

‘Não vou parar’

O ministro das Cidades, Jader Barbalho Filho, que supervisiona o programa, afirma que superou a meta de financiar 375.000 moradias em 2023. “Nosso governo não vai parar”, disse, acrescentando rapidamente que também está comprometido com a responsabilidade fiscal.

Esse equilibrismo pode ficar mais difícil. Especialistas mais conservadores relembram o que aconteceu há uma década, quando Dilma Roussef intensificou as obras públicas e concedeu financiamento público barato para evitar uma crise. Em vez disso, o Brasil acabou em uma profunda recessão e perdeu a classificação de crédito de grau de investimento, enquanto a inflação disparou.

A equipa econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, embarcou em uma revisão das regras fiscais que aliviou as preocupações dos investidores.

Leia Santana em frente ao prédio em São Paulo onde comprou sua primeira casa. Crédito: Bloomberg

A agenda fiscal de Haddad foi bem recebida pela S&P Global Ratings e pela Fitch Ratings, que aumentaram a pontuação de crédito do Brasil em 2023. Ambas citaram o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária como acréscimos a uma série de reformas econômicas implementadas nos últimos anos.

Os dados fortes de atividade, juntamente com a queda dos juros e uma ampla recuperação do apetite por risco levaram o Ibovespa a um nível recorde no final do ano passado. A volatilidade no mercado de câmbio caiu para uma mínima de 10 anos, e a combinação de relativa estabilidade política e taxas de juros ainda atraentes abrem espaço para que o real se torne um das moedas preferidas dos investidores em mercados emergentes.

Mas poucos analistas esperam que o Brasil realmente atinja a meta de déficit zero este ano. O que eles estão de olho é como o governo Lula vai lidar com isso.

O momento crítico provavelmente chegará em março, quando as revisões do orçamento deveriam levar a cortes de gastos obrigatórios se os números não estiverem na trajetória certa. Mudar as regras nessa fase geraria dúvidas sobre o compromisso de Lula com o fiscal, diz Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs.

“É como mover as traves do gol e depois dizer que você marcou um gol”, disse.

Além de alarmar os investidores, um aumento dos gastos públicos arrisca impulsionar a inflação bem quando os brasileiros respiram um pouco mais aliviados com a estabilização dos preços.

“Os preços estavam absurdos”, disse Rosemere dos Santos, de 51 anos, cozinheira autônoma no Rio. Com a comida tão cara, disse, seus clientes pararam de fazer pedidos para eventos e refeições e ela teve que viver com os R$ 600 do Bolsa Família.

Agora, o custo do arroz e de outros alimentos básicos baixou, diz ela, e “as pessoas não só estão realizando eventos de novo, como estou conseguindo novos clientes”.

‘Sob pressão’

Com as eleições municipais em outubro, haverá mais pressão de gastos. Muitos congressitas do Partido dos Trabalhadores estão irritados com as restrições que Haddad tentou impor.

Programas como Minha Casa, Minha Vida podem conquistar votos. Leia Sant’ana, auditora de vendas de uma companhia telefônica em São Paulo, de 51 anos, se diz descrente da política e que só apoiou Lula para se livrar de Bolsonaro. Mas ela se qualificou para o programa e comprou seu primeiro imóvel. Agora, ela diz que o presidente “é quem mais zela por nós”.

Os programas socias, depois de instaurados, tendem a se expandir. O Bolsa Família custava inicialmente cerca de 0,5% do PIB e agora está perto de 2%, segundo pesquisadores da Fundação Getulio Vargas.

Thomas Traumann, que foi ministro da Secretaria de Comunicação Social no governo de Dilma Rousseff, diz que as ações de Lula no início de seu novo governo são uma indicação de “quais botões ele irá apertar” se a economia piorar e ele tiver de escolher entre promessas sociais e fiscais.

“Sob pressão”, diz Traumann, “ele vai direcionar todos os seus esforços para as pessoas pobres que elegeram ele”.

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