Edmar Bacha, um dos criadores do Plano Real, disse certa vez que a taxa de câmbio foi criada por Deus apenas para humilhar os economistas. De fato. Uma das maiores dificuldades dos especialistas é mesmo prever a cotação do dólar.
Para se ter uma ideia, o relatório de mercado Focus, do Banco Central, mantém há duas semanas a previsão para a taxa de câmbio ao final deste ano em R$ 4,95. Na última sexta-feira (12), porém, a moeda americana encerrou no maior valor desde outubro, R$ 5,12.
E agora, nesta segunda-feira (15), o dólar renova forças e testa a faixa de R$ 5,20 – maior valor em um ano. Em 2024, a valorização é de 5,5%, depois de ter encerrado o ano passado na marca de R$ 4,85.
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Meta fiscal mais frouxa
As razões para o câmbio doméstico são, principalmente, externas: tensão renovada no Oriente Médio e as incertezas (também renovadas) sobre o rumo da taxa de juros nos EUA. Mas nesta segunda veio um fator extra, de dentro de casa.
Fernando Haddad disse, em entrevista à GloboNews, que o governo pretende mudar a meta fiscal de 2025. Em vez de um superávit de 0,5% do PIB, um déficit zero, mais frouxo. Isso abre as portas para mais gastos públicos – o que pressiona a inflação e, por consequência, enfraquece o real ante as moedas fortes.
Vai passar?
Para alguns especialistas, entretanto, o cenário atual tende a ser passageiro. Segundo Silvio Campos Neto, economista-sênior da Tendências Consultoria, a expectativa de que o dólar encerre este ano abaixo de R$ 5,00 ainda não mudou.
Isso porque a previsão para o horizonte à frente permanece: o Federal Reserve deve iniciar o ciclo de cortes em algum momento neste ano (ainda que fique lá para setembro) e o cenário geopolítico pode arrefecer. Já no Brasil, de acordo com o economista da Tendências, a questão fiscal tenderia a se acomodar no longo prazo, bem como os ruídos políticos.
Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos, vai na mesma linha. “A leitura é que esse movimento do dólar é transitório. Pode haver um novo momento favorável.”
Ela lembra que o Banco Central chamou a atenção para o impacto das pressões salariais sobre a inflação de serviços – menos sensível ao comportamento do câmbio. O ponto é: caso o aumento da massa salarial leve uma desaceleração mais firme nos cortes da Selic, isso vai “segurar” a desvalorização da nossa moeda – já que torna o juro real brasileiro mais atrativo.
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Efeito Orloff
Seja como for, fica a dúvida sobre os preços dos combustíveis, represados com mão de ferro pela Petrobras. Com a recente alta nos preços do barril de petróleo sendo impulsionada pelo fortalecimento do dólar no mercado internacional, a defasagem da gasolina no Brasil em relação ao exterior já encosta em 30%. Por conta disso, especialistas alertaram para os riscos de um “efeito Orloff” por aqui – ou seja: quando a alta nos combustíveis vier, talvez seja particularmente intensa.
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