O dólar começou o mês de abril no maior patamar em quase seis meses: R$ 5,05, na contramão das expectativas para 2024. O relatório Focus ainda aponta para R$ 4,95 ao final do ano. E para alguns analistas, vale lembrar, a moeda americana poderia chegar a otimistas R$ 4,70 – por cortesia da balança comercial, prevista para fechar o ano em US$ 82 bilhões, bem como a entrada de investimento direto no país, de cerca de US$ 65 bilhões.
Mas há uma pedra no meio do caminho: o pessimismo quanto aos próximos passos do Federal Reserve. E a valorização do dólar acendeu o sinal de alerta do Banco Central (mais sobre isso adiante).
A alta, aliás, não é só em relação ao real. No exterior, o índice DXY, que mede o comportamento do dólar em relação a uma cesta de moedas fortes, fechou a segunda-feira (1º) acima de 105 pontos – nível mais alto do ano.
A força renovada do dólar está relacionada aos Treasuries, que voltaram a escalar. Os títulos com vencimento em 10 anos também chegaram ao maior patamar de 2024: 4,35% a.a. nesta terça (2). Para comparar: eles tinham fechado 2023 em 3,86%.
Tudo isso acontece à medida que os investidores reduzem as apostas de corte dos juros. Até a semana passada, 29,8% do mercado achava que o Fed só começaria a reduzir os juros no segundo semestre – ou seja, mantendo a taxa inalterada por mais duas reuniões, as de maio e junho. Agora, este percentual é de 36,5%.
Culpa de dois dados. Um é o PCE. O núcleo do índice de inflação que o Fed acompanha mais de perto ficou dentro da expectativa do mercado. Mas os gastos dos consumidores, que o PCE traz consigo, subiu mais que o esperado em base mensal, mostrando ainda aceleração em relação a janeiro. Na opinião do economista-chefe da Avenue, William Castro Alves, trata-se de que precisa ser observado pelo potencial impacto inflacionário.
O outro dado que frustrou as expectativas de quem espera pelo início dos cortes nos juros em junho foi o PMI apurado pelo ISM, que saiu na segunda. O Índice dos Gerentes de Compras mostrou expansão da indústria pela primeira vez em 18 meses. A abertura do dado mostra maior pressão sobre os preços.
Combinados, os dados reforçam a mensagem do presidente do Fed, Jerome Powell, de que não há pressa. E tende a atrasar a chegada do primeiro corte. De acordo com a ferramenta do CME FedWatch, a probabilidade de redução na taxa de juros dos Estados Unidos ainda neste semestre está ao redor de 60%.
Com Fed parado, BC se move
Enquanto os juros nos EUA se mantêm, a taxa Selic já tem uma nova queda de meio ponto contratada para maio. Com isso, o diferencial de juros entre Brasil e EUA tende a ser reduzido.
Em julho de 2023, com a Selic em 13,75% e os juros do Fed já em 5,50%, a diferença era de 8,25%, considerando-se a inflação projetada para os 12 meses à frente. Neste momento, com a Selic 3 pontos percentuais abaixo disso e os juros americanos inalterados, ela está em 5,25%, também na conta ex-ante.
Em maio, ao que tudo indica, a diferença entre as taxas básicas deve ir a 4,25%, quase metade do pico recente. Fica bem mais difícil para o real se manter valorizado num cenário assim.
“A moeda americana volta a ser pressionada pelo diferencial de juros, com a Selic aqui caindo e a perspectiva de cortes mais para frente por lá”, afirma o analista da Criteria Investimentos, Thiago Pedroso.
Por isso o BC brasileiro resolveu agir, mostrando certo desconforto com a recente disparada do dólar, e seus efeitos sobre os juros futuros. A autoridade monetária realizou na terça-feira (2) um leilão de swap cambial. Foi a primeira intervenção em mais de um ano.
Na prática, tal operação equivale à venda de dólar futuro. Apesar da justificativa do próprio BC, de que a oferta equivalente a US$ 1 bilhão visa atender à “demanda por instrumentos cambiais” devido ao resgate de títulos públicos, o mercado ainda digere a intervenção.
Em comentário, o economista da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, cita dados do Tesouro para destacar que os títulos indexados ao dólar que vencem em abril somam “apenas” R$ 6 bilhões. “Assim, sob tal justificativa, o BC demonstra zelo extremo com a liquidez, diminuindo a volatilidade”.
Mas nas mesas de operações, a história é outra. “Os principais players já sabiam desse vencimento de títulos – isso é informação pública, e qualquer operador de câmbio estava ciente disso”, ressalta Sandro Sobral, diretor-gerente de mercados do Santander Brasil.
Profissionais de mesas de derivativos consultados pelo InvestNews chamam a atenção para a posição comprada (aposta na alta) dos investidores estrangeiros no mercado futuro. Ao final de março, eles estavam comprados em 136,3 mil contratos, ou US$ 6,8 bilhões.
No primeiro dia do novo mês, essa posição foi reduzida para 107,5 mil contratos (US$ 5,4 bilhões). Um operador explica: “Os gringos aproveitaram o dia de formação da Ptax [taxa de referência do BC] para liquidar posição e realizar um pedaço. Isso puxou a cotação no mercado à vista”.
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