Não rolou a 12ª alta seguida do Ibovespa ontem. Pudera. Se tivesse acontecido, seria surrealista. A última vez foi há 27 anos, em 1997. Mas ok. A sequência de 11, estabelecida na segunda-feira, já era algo que não se via há um bom tempo também: 14 anos.
E nesta quarta (17) mais uma alta (0,26%). Com 12 altas nos 13 pregões do mês, o índice soma 4,47% no azul. Se decretassem feriado daqui até o dia 1º de agosto, este já seria o melhor mês da bolsa desde dezembro de 2023 – aquele pródigo final de ano em que o Ibovespa subiu 5,38% em dezembro, depois de ter cravado 12,54% em novembro.
Vale citar aqui o otimismo com o já distante final do ano passado porque as razões para o bom humor lá do passado são basicamente as mesmas daqui do presente: um alívio quanto aos juros do futuro.
Juros combatem a inflação deixando o dinheiro mais caro. Em outras palavras: sufocando a economia. Normal, porque não há outro remédio: a alternativa seria deixar a inflação correr solta e você, banco central, deixar o seu país virar uma Argentina, ou um Brasil dos anos 1980.
Mas esse efeito colateral dos juros cria uma preocupação para qualquer banco central. Se o desemprego começa a crescer, passa a ser recomendável baixar as taxas.
Caso isso aconteça num momento em que a inflação está desacelerando com força, um corte nos juros se torna iminente. E rola a festa – pois não há nada que faça o mercado abanar o rabo com mais satisfação do que dinheiro barato.
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Foi o que se deu nos EUA no final do ano passado e, por consequência, no resto do mundo. Uma inflação em franca queda somada a sinais de fraqueza do mercado de trabalho, com o Payroll (principal relatório de emprego deles) mostrando a criação de poucas vagas, davam a entender que o BC americano começaria logo a cortar os juros – que desde julho do de 2023 estão em 5,50%, o maior patamar em 23 anos.
Só que aí os meses passaram e as coisas mudaram. A inflação parou de cair, a criação de novas vagas subiu e aí, fuén… corte nos juros? Esquece. Em abril, quando esse clima instaurou-se de vez, parte do mercado passou a acreditar que 2024 terminaria sem corte algum – 12% dos investidores, de acordo com o Fed Watch. O Ibovespa respondeu com quedas: -1,70% naquele mês e outros -3,04% em maio.
Junho veio com uma correção (alta de 1,48%), mas o clima seguia turbulento. Em julho, porém, o sol voltou a aparecer. No dia 5, o Payroll mostrou a criação de 209 mil vagas novas. Era mais do que o mercado esperava (190 mil), só que outros dados vieram para dar um alento.
O número de maio, o mês anterior, foi revisado para baixo (de 272 mil para 218 mil), e o de abril também (de 165 mil para 108 mil). Para coroar, o desemprego tinha subido: 4,1%, contra 4,0% em maio e nas previsões. Eram sinais claros de que o mercado de trabalho não estava tão aquecido assim. Isso poderia forçar o Fed a começar logo os cortes.
Mas o presidente do BC americano, Jerome Powell, deixou claro após o Payroll que não seria tão fácil. “Precisamos ver mais dados positivos sobre a inflação”, ele disse.
“Mais dados” porque a inflação até vinha em queda, mas discreta. Veja aqui (pelo CPI, o “IPCA” deles, em 12 meses):
- Março: 3,5% (em alta, após 3,1% em janeiro e 3,2% em fevereiro)
- Abril: 3,4%
- Maio: 3,3%
E aí, no dia 11 de julho, veio o plot twist: a divulgação de um tombo no índice de preços. O mês de junho registrou a primeira deflação desde maio de 2020: -0,1%. E isso puxou o CPI de 12 meses para…
- Junho: 3,0%
O próprio Powell reiterou na segunda (15) que os três últimos CPIs deram mais confiança de que a inflacão está caminhando para a meta, de 2%. E que, claro, não precisa esperar a inflação chegar à meta para reduzir os juros – já que as taxas demoram meses para fazer efeito sobre a inflação.
A baixa de agora é consequência de juros altos lá de trás. E esses juros do passado ainda farão efeito sobre a inflação do futuro. Quem sabe, até fazer com que ela volte aos 2% – e num cenário em que a taxa básica já esteja em queda.
Powell, obviamente, não canta quando virá o primeiro corte. Seria de uma irresponsabilidade atroz. Mas o mercado canta. Agora, 100% dos investidores (de acordo com o Fed Watch) estão fechados na ideia de que o BC americano não passa da reunião de setembro sem cortar os juros. Há um mês, um terço deles achava que a redução da taxa ficaria para mais tarde.
Ou seja: o barateamento do dinheiro parece mesmo questão de (pouco) tempo. E as bolsas comemoram. O S&P 500 renovou na terça seu recorde histórico (5.667 pontos). E mesmo após uma correção relativamente forte na quarta (-1,39%), a alta no mês segue firme: 2,03%.
Não foi só a renda variável que se deu bem neste mês que mal passou da metade. A expectativa de juros mais baixos por lá tira pressão dos juros daqui. E aí o efeito para quem tem certos títulos públicos é avassalador. Olha só.
Renda fixa com alta de renda variável
Um título público do tipo IPCA+ é como um vale que diz “o portador receberá R$ 4.299 em dinheiro de hoje na data do vencimento”. “Dinheiro de hoje” porque esse valor é atualizado todo dia pela inflação (vão fazendo projeções).
Esse vale tem um preço. Digamos que seja de R$ 2.158. E que a data do vencimento seja maio de 2035. A diferença entre os R$ 2.158 que você paga e os R$ 4.299 corrigidos que você terá a receber equivalem a um juro composto de 6,46% anuais mais a inflação.
Então. Quando o cenário é de baixa para os juros do futuro, como começou a se desenhar em julho, esse juro do título cai. Só que o valor final dele, os tais R$ 4.299, seguem iguais. O que muda, então? O preço.
O título fica mais caro. Se o juro cai a 6,12%, por exemplo, significa que o preço de cada título sobe a precisamente R$ 2.269. Uma alta de 5% no valor.
Se você tem uma carteira com esses títulos dentro, então, seu saldo sobe na mesma proporção. É justamente o que está acontecendo desde o início de julho. Eis aqui as altas dos títulos IPCA+ com vencimento em 2035 e em 2045 nesse período.
- IPCA+2035: 5,09%, com a taxa caindo de 6,46% para 6,12%
- IPCA+2045: 5,79%, com a taxa caindo de 6,47% para 6,26% – como o prazo do vencimento aqui é mais longo, uma queda menor em pontos percentuais equivale a uma alta maior no preço; simples, ainda que complexo 😉
Pois é. Mais do que o Ibovespa. Claro que aqui também ajudou, e muito, o alívio com a parte fiscal. No dia 3 de julho, Lula topou um corte de R$ 25,9 bilhões em despesas públicas em nome do cumprimento do arcabouço fiscal – quanto mais saudáveis as contas públicas, menos o governo paga em juros para se financiar. Como ele se financia, entre outras fontes, com títulos IPCA+, os juros deles caem. E o preço sobe.
Também veio a calhar o IPCA amigável de junho: alta de 0,21% no mês, contra 0,32% das previsões. Em 12 meses, estamos em 4,23%. Longe do centro da meta, mas abaixo do teto, que é de 4,50%. Os juros estão fazendo seu trabalho por aqui também.
Só que a grande força motriz das bonanças segue sendo a macroeconomia dos EUA. Não basta ela ir bem para instaurar-se um mar de rosas por aqui, naturalmente. Mas se ela estiver mal, pode tirar o cavalinho da chuva. Felizmente, não é o que está acontecendo neste julho, o mês do mergulho (dos juros futuros).
E que venha agosto, o mês do… Vejamos o que acontece.
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