Dias depois de fechar a compra da Hess por US$ 53 bilhões, o presidente-executivo da Chevron, Mike Wirth, ligou para seu colega da Exxon Mobil para discutir sua futura parceria em um megaprojeto petrolífero que a Chevron herdaria por meio do acordo. 

Darren Woods disse a Wirth que estava ansioso para colaborar na Guiana, onde a Exxon e a Hess possuem partes dos 11 bilhões de barris de petróleo e gás. A Chevron e a Exxon têm uma parceria de longa data em projetos em todo o mundo, que poderia ser expandida e incluir a costa do país sul-americano coberto de floresta tropical, indicou Woods no telefonema de outubro. 

Semanas depois, a Exxon ligou com uma mensagem totalmente diferente para a Chevron e a Hess: não tão rápido. 

Os executivos da Exxon alegaram que eles e a chinesa CNOOC, uma terceira parceira na Guiana, têm o direito contratual de igualar preventivamente a oferta da Chevron pela participação da Hess na Guiana. Pegas de surpresa, Chevron e Hess discordaram. Ambos os lados estavam irredutíveis e as conversas privadas fracassaram. Em meio a discussões de meses, a Exxon surpreendeu seus rivais novamente ao entrar com um pedido de arbitragem e encerrar as negociações em março. O processo pode afundar o maior negócio da Chevron. 

Baseada na interpretação de vários aspectos de um contrato confidencial, a disputa caiu como uma bomba em Houston, a capital da indústria petrolífera dos EUA, que não via empresas petrolíferas titânicas batalharem assim desde que uma briga judicial com a Pennzoil levou a Texaco à falência na década de 1980. 

O embate entre as duas maiores descendentes do monopólio da Standard Oil de John D. Rockefeller também incluiu alguns dos conselheiros mais influentes de Wall Street, como JPMorgan Chase, Morgan Stanley e Goldman Sachs. 

Agora, as fortunas das três empresas estão entrelaçadas, assim como os legados de Woods, Wirth e John Hess. 

Se a Exxon vencer a arbitragem, a aquisição da Hess pela Chevron seria efetivamente impossível. Para John Hess, isso significaria que sua empresa homônima provavelmente seria muito mais difícil de vender, e coloca em dúvida o que vem por aí para um CEO que estava prestes a completar seu legado com uma transação importante.

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Para Wirth, seria o segundo mega-acordo que perderia nos últimos cinco anos, o que aumentaria a pressão para garantir outro grande negócio de petróleo. Woods, por outro lado, teria a opção de comprar mais do precioso projeto da Guiana, caso Hess esteja disposto a vender.

Recentemente, as perfuradoras correram para garantir suas futuras reservas de petróleo. Muitos campos de petróleo estão se esgotando e novas explorações podem levar décadas para compensarem os investimentos. Wall Street está agora avessa a apostar bilhões em novos campos à medida que os países se afastam dos combustíveis fósseis. Isso tornou o prolífico bloco Stabroek da Guiana um dos mais cobiçados do mundo e uma joia da coroa para a Exxon e a Hess. 

Mapa: Bloco Stabroek no Atlântico e Guayana Esequiba, região disputada por Venezuela e Guiana.

Logo após o anúncio do acordo da Chevron, os advogados da Exxon, acreditando que a empresa tinha direito de preferência que se aplicava à transação, vasculharam todas as linhas do contrato de operação conjunta do projeto da Guiana, que foi escrito décadas atrás — documento visto por poucos.

Acordos de operação conjunta são indispensáveis na indústria do petróleo, onde as empresas muitas vezes se associam em megaprojetos para compartilhar riscos e investimentos. Os contratos geralmente contêm um direito de preferência para os parceiros existentes quando um deles quer vender. A Exxon acredita que o direito é estabelecido pela aquisição corporativa. A Chevron acredita que o direito se aplica apenas a uma venda de ativos.

Em meses de debates, a Exxon expôs uma série de preocupações que a Chevron acreditava que poderia resolver. Ambos os lados pareciam estar trabalhando em direção a uma resolução, embora não esteja claro o que isso implicaria, de acordo com pessoas familiarizadas com as discussões. As negociações terminaram repentinamente em março, quando Neil Chapman, vice-presidente sênior da Exxon, disse à audiência em uma conferência de investidores que sua empresa havia entrado com pedido de arbitragem na Câmara de Comércio Internacional em Paris. A Chevron soube da mudança apenas algumas horas antes, disseram essas pessoas. 

Operário com colete em convés de navio observa guindaste içar contêiner azul.
Um cais na Guiana serve como área de preparação para um grande desenvolvimento petrolífero offshore. Foto: Oscar B. Castillo – WSJ

Se o argumento da Exxon prevalecer, as participações da Hess na Guiana — avaliadas em US$ 40 bilhões ou mais, segundo algumas estimativas — se transformariam em uma espécie de poison pill (traduzido: pílula de veneno – um mecanismo que protege os acionistas). Isso não apenas explodiria a fusão com a Chevron, de acordo com os termos de seu acordo com a Hess, mas provavelmente assustaria quaisquer futuros pretendentes — exceto a própria Exxon.  

Woods e Chapman afirmam que seu interesse é preservar a “santidade” dos contratos e seu objetivo é entender como a Chevron avaliou a Guiana — e então decidir quais opções explorar. Woods disse que não está interessado em comprar a Hess definitivamente, mas não descartou comprar a parte da empresa no projeto ou outras opções.

“Temos um recurso muito atraente que, francamente, nos esforçamos muito para desenvolver”, disse Woods em entrevista. “Temos a opção de entender como seria uma possível transação para nós e avaliá-la para nossos acionistas.” 

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A disputa pela Guiana é um golpe para John Hess, que dirige a última grande empresa de petróleo dos EUA controlada por uma única família. O magnata ficou frustrado com o que vê como uma situação altamente incomum, e está perplexo com o que a Exxon quer, de acordo com pessoas familiarizadas com sua opinião.  

Hess e Wirth lideraram pessoalmente as negociações, depois que tiveram a ideia de um acordo Chevron-Hess durante um jantar em meados de 2021. Os dois discordaram sobre o preço na época, mas iniciaram conversas a sério no ano passado. O negócio foi visto como um golpe para a Chevron, pois lhe deu uma parte do ativo mais importante de sua rival Exxon.

Durante anos, a Exxon e a Chevron foram amigas e inimigas. Elas são parceiras em projetos multibilionários em lugares como Cazaquistão e Austrália. Mas as gigantes do petróleo também competiram ferozmente por um grupo cada vez menor de investidores dispostos a estacionar seu dinheiro em empresas de combustíveis fósseis. 

Apesar da competição, Woods e Wirth desfrutam de relações cordiais — ocasionalmente jantando juntos — desde que seus mandatos começaram em 2017 e 2018, respectivamente, dizem pessoas familiarizadas com o assunto.

Aos olhos de muitos investidores, a Exxon há muito tempo ocupa o papel de irmão mais velho da Chevron, com maior produção de petróleo e lucros superiores. Mas a rivalidade mudou em meados da década de 2010, quando os retornos dos acionistas da Chevron em alguns anos começaram a superar os da indústria, incluindo os da Exxon. 

Wall Street creditou a mudança à abordagem consciente de custos de Wirth, alinhada com a pressão dos investidores por austeridade e foco na redução das emissões de carbono. Os investidores favoreceram o movimento de Wirth de desistir de uma oferta pela gigante de xisto Anadarko Petroleum em 2019, depois que a Occidental Petroleum superou a Chevron com uma oferta bem-sucedida de US$ 38 bilhões. A Chevron embolsou uma taxa de quebra de acordo de US$ 1 bilhão.

“A Chevron, sob a liderança de Mike, navegou muito bem em águas bastante tempestuosas, e é inegável que a empresa está melhor hoje do que em 2018″, disse Dan Pickering, diretor de investimentos da Pickering Energy Partners.

Com a ascensão da Chevron, a Exxon sofreu reveses. O plano de Woods de gastar pesado para aumentar a produção afastou investidores. Em 2020, a Chevron ultrapassou a Exxon como a maior petroleira dos EUA em valor de mercado. Em 2021, a Exxon perdeu um desafio para um investidor ativista pouco conhecido, que colocou três diretores no conselho da empresa pressionando-a por um melhor engajamento na transição energética e por cortes gastos. 

Mas, nos últimos anos, a sorte da Exxon melhorou. Ela obteve lucros recordes em 2022 e pagou dividendos recordes aos acionistas no ano passado. Os investimentos anticíclicos de Woods, impopulares entre alguns investidores na época, valeram a pena quando os preços da energia voltaram a subir após a pandemia. Ele ganhou o apoio total de seu conselho para a compra de US$ 60 bilhões da Pioneer Natural Resources, empresa texana de fratura hidráulica, um negócio bem visto em Wall Street. 

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Woods usou o momento para perseguir agressivamente os interesses da Exxon, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto. Embora a Exxon, que emprega um exército de advogados, seja famosa por sua disposição de lutar, o desafio ao acordo da Hess chamou a atenção em Houston.

Embora a disputa arrisque algum golpe reputacional para a Exxon, o destino do negócio acarretará maiores consequências para Wirth do que para Woods, dizem investidores e analistas. 

Wall Street vê o acordo pela Hess como fundamental para garantir as reservas de petróleo e os lucros de longo prazo da Chevron. Investidores e analistas disseram que, se o acordo da Hess fracassar, e a Chevron não adquirir outra grande empresa ou ativo, eles se preocupam que o portfólio de produção de petróleo da empresa possa diminuir nos próximos anos. Ao mesmo tempo, muitas das maiores e mais atraentes empresas foram arrematadas em uma enxurrada de negócios no ano passado.

Os executivos da Chevron tentaram tranquilizar os investidores acenando com muitas outras perspectivas, incluindo a promissora exploração de fronteira na Namíbia, o potencial do gás natural liquefeito no Mediterrâneo Oriental, seu megaprojeto no Cazaquistão e suas operações no Golfo do México e na Bacia do Permiano, no oeste do Texas e Novo México. 

Mas a participação da Hess na Guiana representa a melhor opção da Chevron para crescer aos olhos de muitos. O consórcio da Guiana deve produzir 1,2 milhão de barris por dia até 2027 e continuar bombeando grandes quantidades de petróleo por anos, tendo aprovado mais de US$ 50 bilhões em gastos com projetos até agora. 

“Se eles perderem, acho que será um golpe substancial em sua reputação”, disse Paul Cheng, analista do Scotiabank. 

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Os conselheiros da Chevron e da Hess detectaram o direito de preferência durante diligência prévia do negócio, mas acreditaram que não se aplicaria à transação e acharam improvável que a Exxon a perseguisse, disseram pessoas familiarizadas com o assunto. Os consultores financeiros da Chevron incluíam Morgan Stanley e Evercore, enquanto Paul, Weiss, Rifkind, Wharton e Garrison atuavam como seus consultores jurídicos. Os consultores financeiros da Hess foram Goldman Sachs e JPMorgan Chase.

Os acionistas da Hess devem decidir se aprovam ou não o negócio na terça-feira. Vários investidores disseram que se absteriam de votar devido à rivalidade com a Exxon. 

A venda para a Chevron deveria ser uma despedida real para John Hess, de 70 anos, permitindo-lhe fundir a empresa que assumiu de seu pai, Leon Hess, com a segunda maior empresa de petróleo ocidental. O acordo de fusão prevê que John Hess se junte ao conselho da Chevron, papel que lhe permitiria opinar sobre o futuro da entidade combinada. 

O lendário advogado de Wall Street Martin Lipton, sócio-fundador do escritório de advocacia Wachtell, Lipton, Rosen e Katz, assessorou Hess no negócio. Pouco depois de ser anunciado, ele disse em uma entrevista que John Hess havia concluído que a Chevron era o melhor comprador possível para a empresa de sua família.

“Não se tratou de forçar um acordo”, disse Lipton.

John Hess e sua família possuem uma participação de cerca de 9% na Hess, no valor de cerca de US$ 4,3 bilhões, e o CEO deve lucrar cerca de US$ 50 milhões em dinheiro e ações apenas com a mudança de controle, de acordo com documentos da empresa. 

Com a transação no limbo, a incerteza chegou à força de trabalho, com funcionários da Hess preocupados com o que vem pela frente, de acordo com vários funcionários.

Uma vitória da Exxon na arbitragem essencialmente daria a essa empresa poder de veto sobre para quem a Hess é vendida — ou mesmo se pode ser vendida. Isso significa que a Hess pode ter que continuar operando como uma empresa independente, o que levanta a questão de se John Hess permaneceria no comando — e, se não, quem o sucederia. Antes do acordo com a Chevron, ele não havia indicado um sucessor e estava preparado para permanecer na cadeira de CEO por anos. 

Agravando a irritação de John Hess com a Exxon está sua visão de que a Hess foi fundamental para ajudar a mudar a sorte do projeto da Guiana. 

Sua empresa comprou a participação da Shell lá em 2014, depois que a Exxon e a Shell registraram dezenas de poços sem petróleo. Executivos da Exxon disseram a John Hess que sua empresa era essencial para o sucesso do empreendimento, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto. O CEO sente que seus geólogos desempenharam um papel importante nos esforços de exploração que levaram a uma descoberta prodigiosa. Woods elogiou publicamente o trabalho da Hess na Guiana.

O preço das ações da Hess disparou nos últimos anos, à medida que o petróleo jorrava da descoberta sul-americana. Alguns grandes investidores da Hess estão esperançosos de que a empresa acabe sendo adquirida pela Chevron ou pela Exxon. 

“Se John Hess quiser vender, alguém vai comprá-la”, disse John Levin, fundador da gestora de ativos Levin Capital Strategies e acionista da Hess.

Escreva para Collin Eaton em [email protected] e Benoît Morenne em [email protected]

Traduzido do inglês por InvestNews

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