O mercado de renda fixa ainda vive uma espécie de “black friday” dos títulos indexados à inflação. As oportunidades na praça são históricas, com títulos públicos e privados pagando a variação do IPCA mais uma parcela de juro real ao redor de 7% ao ano.
É verdade que essa taxa já foi maior em um passado recente, quando se aproximou dos 8%. Mesmo assim, note que, entre os títulos desse tipo disponíveis no Tesouro Direto, a média histórica é de 4,5% acima da inflação – o que já não é nada ruim.
Agora, em dinheiro. Você pega e aplica R$ 10 mil num título assim, com vencimento em 2040. Ao fim de 15 anos, eles se transformam em R$ 27,2 mil em dinheiro de hoje. Note bem: o valor nominal, aquele que vai aparecer no seu saldo, será bem maior, porque vai carregar uma década e meia de inflação.
Mas isso não tem importância. O fato é que, em valor real, seu poder de compra vai praticamente triplicar.
Veja aqui uma simulação considerando três títulos dessa fauna, disponíveis no Tesouro Direto. O ano em cada título é a data de vencimento, ou seja, aquela em que o dinheiro vai cair na sua conta; e a taxa de juros anual é a do dia 02/07:
A discrepância dos valores vem da magia dos juros compostos. Quanto mais longo o título, mais ela age.
Mas aqui é preciso fazer um alerta: se você é daqueles que vive à beira de um ataque de nervos a qualquer soluço das cotações, então melhor continuar no CDI. Títulos mais longos de IPCA+ são para quem consegue resistir aos solavancos do mercado. E olha que, em um país como o Brasil, pode ser uma experiência desafiadora.
A questão é que títulos indexados à inflação de prazos longos, como o Tesouro IPCA+ com vencimento em 10 anos, por exemplo, embora sejam um produto de renda fixa, exibem um comportamento bem menos “fixo” no dia a dia. Se você contratar esse papel, vai receber exatamente o que comprou quando a aplicação acabar. Mas até lá…
Funciona da seguinte maneira: pelos próximos 10 anos, dia após dia, os preços do título vão subir e descer de acordo com as expectativas sobre a Selic, a inflação, a situação fiscal do país e um outro tanto de variáveis. Essa atualização diária se chama marcação a mercado.
No cenário atual, há muitas incertezas com poder de influenciar os valores de negociação do Tesouro IPCA+. Uma dessas variáveis é a situação fiscal do país. Se houver uma piora de percepção entre os investidores, como no caso de o governo chutar o balde e fugir das metas estabelecidas no arcabouço fiscal ou uma piora nos indicadores de endividamento público, os juros podem subir ainda mais.
Na marcação a mercado, significa que a taxa ficará mais polpuda. E, sempre que a taxa sobe, o preço cai. Ou seja: você verá o preço de negociação do seu IPCA+ cair e sentir que está tendo um prejuízo. Mas a perda, na verdade, só vai ocorrer se você vender seu papel nessas condições desfavoráveis.
O tempo premia os pacientes. Se você conseguir manter a calma, sem se incomodar com a marcação a mercado, você também poderá ver o valor se recuperar mais para a frente. E, de novo, caso você leve o Tesouro IPCA+ até o vencimento, vai receber tudo exatamente como contratou.
Tem ainda a questão do custo de oportunidade, ou seja, o retorno que o investidor consegue com o mínimo de risco possível. E essa régua no Brasil é definida pelo CDI, que, por sua vez, segue a taxa básica Selic.
Hoje, com uma Selic de 15%, o CDI faz sombra a praticamente todo o resto da renda fixa, seja prefixada ou atrelada à inflação. Na comparação direta, um título com retorno perto de IPCA + 7% estaria rendendo 12,24% neste ano – levando em consideração a inflação projetada na última pesquisa Focus do BC, de 5,24% em 2025, mais o “spread” de 7%.
Tá bom, então por que investir em IPCA+?
O que acontece é: se, no curto prazo, o muro do CDI está mais alto do que nunca, no médio e longo prazos a história pode ser outra. Ao longo dos anos, o CDI vai variar. Se a taxa básica cair abaixo de 10% ao ano, a vantagem pode virar para o lado dos títulos atrelados inflação. Basta pensar no nosso exemplo anterior.
Ao mesmo tempo, travar uma taxa de juro real de 7% por 5 ou 10 anos significa manter um retorno médio de dois dígitos durante todo esse tempo. Isso porque, mesmo se o BC conseguir alcançar a meta de 3% de inflação anual, o título estará rendendo no total 10% ao ano (IPCA de 3% + “spread” de 7%, numa conta simples). Se o IPCA médio no período estiver mais perto de 4%, o retorno nominal subiria para 11% ao ano. Nada mal.
Desde 2010, o único período no qual um papel público de 10 anos atrelado ao IPCA negociou em patamares semelhantes ou acima ocorreu durante um breve intervalo entre setembro de 2015 e fevereiro de 2016, quando o spread alcançou a máxima de 7,8% ao ano. O período ficou marcado pelo início do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff no Congresso, em 2 de setembro, e a conclusão em agosto do ano seguinte.
“Esses níveis não são sustentáveis no longo prazo”, afirma CEO e gestor de crédito da Sparta, Ulisses Nehmi. “Em algum momento, o cenário deve mudar.” Por mudar, entenda-se: os juros de longo prazo podem começar a cair se houver uma sinalização do governo de que vai adotar uma postura responsável com as contas públicas. Ou mesmo se os investidores passarem a apostar em uma mudança de governo, por exemplo.
Um outro gatilho para a redução dos “spreads” pode vir do BC. A autoridade monetária já pausou o ciclo de alta da Selic e começa a se preparar para o ciclo de baixa de juros. Quando isso acontece, o mercado já inicia um movimento de antecipação. Nesse caso, um fluxo maior de recursos pode migrar para investimentos visto como mais arriscados, mas que trazem potencial de retornos elevados. É a hora do IPCA+ outra vez.