Conforme o Relatório das Nações, produzido pela Association of Certified Fraud Examiners (ACFE), a maioria dos fraudadores ocupacionais são réus primários com históricos profissionais limpos. Aproximadamente 87% nunca foram acusados ou condenados por um delito relacionado a fraude e 84% nunca foram punidos por conduta relacionada a fraude.
Além disso, dos quase 3 mil executivos entrevistados para a Pesquisa Global de Fraude da EY, 42% assumiram que poderiam justificar o comportamento antiético para atingir metas financeiras.
A maioria dos escândalos contábeis, observados ao longo da história, não pode ser justificada por crises econômicas ou má gestão. Na verdade, foi resultado da ganância excessiva de alguns indivíduos, cujas ações levaram a consequências desastrosas, derrubando empresas, afetando milhões de pessoas e comprometendo a credibilidade do mercado.
Claramente, a corrupção continua profundamente enraizada nas empresas privadas de hoje, independente dos vários milhões de dólares investidos no desenvolvimento de programas de compliance.
Enumerei as sete maiores fraudes recentes, arquitetadas por nomes respeitados e conhecidos, no mercado internacional e brasileiro. Há lições a serem aprendidas com cada uma dessas fraudes, a mais relevante é “nunca acredite em gurus, ídolos e heróis para te apontar um caminho”, segundo Luiz Roberto Bodenstein.
Os maiores escândalos contábeis da história recente
1 – WorldCom
A empresa de telecomunicações aumentou artificialmente o valor de seus ativos para quase US$ 11 bilhões, levando a US$ 180 bilhões em perdas para os investidores e mais de 3 mil empregos encerrados.
O CEO Bernie Ebbers foi identificado como o principal articulador do golpe, subestimando os custos e inflando as receitas com lançamentos contábeis falsos. Ele foi condenado a 25 anos por fraude, conspiração e apresentação de documentos falsos.
2 – Enron Corporation
A empresa americana de energia, commodities e serviços usou brechas contábeis para esconder bilhões de dólares em dívidas incobráveis, inflando os ganhos da empresa. O escândalo resultou na perda de acionistas de mais de US$ 74 bilhões, já que o preço das ações da Enron caiu de cerca de US$ 90 para menos de US$ 1 em um ano.
A empresa de auditoria Arthur Andersen foi considerada envolvida e conivente. O CEO Jeff Skilling foi condenado a 24 anos de prisão. O ex-CEO Kenneth Lay faleceu antes de cumprir pena. O ex-CFO Andrew Fastow, que se declarou culpado de duas acusações de conspiração, cumpriu pena de prisão e perdeu US$ 24 milhões.
3 – Waste Management
A empresa norte-americana de gerenciamento de resíduos relatou US$ 1,7 bilhão em ganhos falsos, obtidos elevando a duração da depreciação de suas propriedades, instalações e equipamentos nos balanços patrimoniais.
A Securities and Exchange Commission (SEC) considerou o proprietário e ex-CEO da empresa, Dean L Buntrock, culpado, junto a vários outros altos executivos.
Além disso, a SEC multou os auditores da Waste Management em mais de US$ 7 milhões.
A Waste Management acabou resolvendo uma ação coletiva de acionistas por US$ 457 milhões.
4 – Tyco
A empresa suíça de sistemas de segurança foi alvo da SEC por práticas contábeis questionáveis que inflaram a receita em US$ 500 milhões e renderam ao CEO e ao CFO US$ 150 milhões.
O dinheiro foi desviado por meio de empréstimos não aprovados e vendas fraudulentas de ações, disfarçadas de bônus e benefícios executivos.
O CEO L. Dennis Kozlowski e o CFO Mark Swartz foram condenados a 25 e 8 anos de prisão. A empresa teve que pagar US$ 2,92 bilhões aos investidores como resultado de uma ação coletiva.
5 – Luckin Coffee
Com sede na China, a empresa viu suas ações subirem de US$ 20 para US$ 50 em apenas um ano após a enorme oferta pública inicial em 2019.
Em 2020, analistas financeiros descobriram que o crescimento da empresa foi artificialmente inflado devido a US$ 310 milhões em vendas a granel para empresas ligadas ao seu presidente, Jenny Zhiya Qian. O anúncio da fraude fez com que as ações despencassem mais de 75% em um único pregão.
Os investigadores também descobriram que a administração da Luckin planejou de forma fraudulenta a compra de US$ 140 milhões em matérias-primas de fornecedores.
6 – OGX Petróleo
A empresa abriu capital na bolsa de valores brasileira captando R$ 6,71 bilhões, 63,5% aplicados por investidores estrangeiros. A promessa de bilhões de barris de petróleo extraíveis nos poços de Vesúvio, Pipeline e Fortaleza eram falsas e cinco anos depois a empresa deu um calote de US$ 45 milhões nos credores.
O empresário Eike Batista foi condenado a uma pena de 11 anos e 8 meses de prisão por crimes contra o mercado de capitais e a pagar uma multa de R$ 871 milhões pelos crimes de insider trading (uso de informação privilegiada) e de manipulação de mercado.
7 – Petrobras
A organização envolvida em irregularidades investigadas pela operação Lava Jato (abordando questões de controles internos, registros contábeis e demonstrações financeiras da companhia, durante o período de 2003 a 2012), se torna alvo de uma ação coletiva e 27 processos individuais movidos na justiça dos Estados Unidos.
Em 2021, a Petrobras concluiu as obrigações previstas em acordo firmado com a justiça dos Estados Unidos, pagando US$ 853,2 milhões (10% como multa criminal para o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, 10% como multa civil para a SEC e 80% para as autoridades brasileiras).
Outros casos
Além destes sete casos descritos, esta lista poderá ser ampliada para as suspeitas sobre: a General Eletric (GE), investigada pelo Departamento de Justiça (DoJ) e pela SEC, por fraude contábil superior a US$ 38 bilhões; e as Lojas Americanas, que deve ser investigada por um suposto “erro contábil” nas demonstrações financeiras, no montante de R$ 40 bilhões.
Por que os sistemas de compliance são incapazes de identificar as fraudes?
A ineficiência e a nulidade com que os sistemas de compliance são desenvolvidos e aplicados poderia render vários artigos. No entanto, deixo uma suspeita, se não um alerta, a desconexão entre as normas e a prática.
As empresas gastam milhões de dólares anualmente em linhas diretas de denúncias, treinamento e outros esforços para garantir a adesão às leis, regulamentos e políticas da empresa. No entanto, a má conduta continua arraigada no mundo corporativo.
Muitas empresas tratam de programas de compliance como um exercício de verificação, fazendo com que os funcionários assistam ao treinamento e atestem que entendem as regras, mas falham em avaliar a eficácia de seus programas ou o fazem com métricas incorretas.
Conforme o estudo feito pela Harvard Business Review, Why Compliance Programs Fail — and How to Fix Them, as empresas devem começar vinculando iniciativas de conformidade mais estreitamente a objetivos específicos, como prevenir má conduta, detectá-la ou alinhar políticas com leis e regulamentos.
Então, usando um design de modelo cuidadoso e alguma criatividade, as empresas podem desenvolver métricas melhores para medir o que está funcionando e o que não está.
Claudia Kodja, mentora da Liga dos Empreendedores da FGV, membro da Copenhagen Institute for Futures Studies e gestora executiva da Kodja Escola de Negócios. |
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