Um banco ser “grande demais para quebrar” é expressão que voltou à moda com as dificuldades atuais do Credit Suisse, mas também do sinal dos tempos. E a última escolha do Nobel de Economia, o prêmio entregue ao ex-presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, e outros dois economistas, Philip Dybvig e Douglas Diamond, gira em torno justamente desta ideia.
A lógica é salvar o sistema financeiro de uma corrida dos clientes aos saques. O que valeria para o caso do banco suíço enquanto a Europa entra em recessão. Mas, mesmo grande, um banco vai à falência por problemas isolados e causados por uma única pessoa? É a história de uma das quebras mais espetaculares da história, a do banco Barings, da Inglaterra.
Instituição tradicional britânica, fundada
no século XVIII, tinha entre os clientes a rainha Elizabeth quando deixou de
existir em 1995 graças a um único operador, Nick Leeson, na época com 28 anos,
que perdeu US$ 1,5 bilhão apostando em derivativos.
Depois de preso, ele escreveu uma
autobiografia, Nick Leeson: “A história
do homem que levou o Barings à falência”, lançada no Brasil. Há um filme
também, “A fraude,” com Ewan McGregor
no papel do especulador. Livro e filme são uma tentativa de se defender. Mas
para quem se interessa pela psicologia dos investidores, a história também
ilustra como comportamentos equivocados levaram um banco de séculos a
desaparecer.
Nick Leeson não era um golpista nato ou não
levava a sério os riscos do mercado. Jovem operador, nascido no subúrbio
londrino, lucrava fazendo arbitragem com a diferença entre cotações nas Bolsas de Cingapura e Tóquio
no comando da operação de
derivativos do Barings Bank.
A fraude começou para ocultar o erro de uma colega de trabalho
inexperiente e necessitada do emprego, que vendeu 20 contratos quando deveria
comprar, causando um prejuízo de US$ 22 mil ao banco. Tentando cobrir o rombo e
evitar que ela viesse a ser demitida, o operador passou a operar a descoberto,
perdendo mais e mais dinheiro, usando uma conta para encobrir o que acontecia.
Não
é fácil transformar um prejuízo de US$ 22 mil em US$ 1,5 bilhão. Só foi
possível devido à necessidade de Nick Leeson apostar cada vez mais e mais alto,
confiando que a próxima tacada iria compensar as perdas anteriores e encerrar a
conta no negativo antes que os superiores descobrissem. A operação estava
submetida a auditores internos e externos, que, no entanto, falharam devido a
uma espécie de cegueira do comando do banco para perceber que havia algo
errado.
Como
humanos, tendemos a prestar mais atenção nas informações positivas do que nas
informações negativas. E a informação positiva que Nick Leeson tinha a oferecer
eram os lucros de milhões de dólares que produzia para o banco. Chegam a ser
cômicas as ocasiões em que, chamado por um superior, achava que finalmente fora
descoberto só para saber que todos seguiam satisfeitos, desde que continuasse
operando.
Mas
há algo ainda mais atraente no relato: a relação emocional dele com um buraco
financeiro que não parava de crescer, chegando a um montante que parecia quase
irreal até a sexta-feira em que abandonou o emprego, foi até em casa, contou
tudo à mulher e fugiu de Cingapura para a Alemanha, onde foi detido. O final
não foi feliz. Sua esposa pediu o divórcio e Nick Leeson teve câncer na prisão.
Ao ser solto, em 1999, o pai havia morrido e a mãe estava moribunda.
Ele chegou a ser CEO de um clube da Irlanda, mas, depois de seis anos, a experiência não deu certo. Depois, virou palestrante, falando geralmente para o staff de empresas sobre risco e responsabilidade. Mas certamente será lembrado até o fim da vida como o operador que, (quase) sozinho, quebrou um banco com séculos de existência.
*Samy Dana é Ph.D em Business, apresentador do Cafeína/InvestNews no YouTube e comentarista econômico. |
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