A grande notícia negativa da semana passada no mercado americano foi a queda das ações da Netflix (NFLX34). Enrolada na estagnação no número de assinantes na Europa e na Ásia e a perda de 700 mil na Rússia depois da decisão da gigante de streaming de deixar o país, pela primeira vez desde 2011 terminou um trimestre perdendo assinaturas – 200 mil.
As projeções do mercado eram de crescimento de 2 milhões. Foi o gatilho para a ação despencar até chegar a uma queda de praticamente 70% no ano, afastando investidores. Um deles foi Bill Ackman, megainvestidor que é fundador e CEO da Pershing Square Capital Management, conhecido pelas apostas de sucesso .
Apenas três meses depois de anunciar a compra de 3,1 milhões de ações da Netflix, ele zerou a posição, acumulando um prejuízo de US$ 430 milhões. Como justificativa, apontou a impossibilidade de olhar hoje, com os dados disponíveis, para o futuro da Netflix e saber o que deve acontecer. Ao se deparar com um grau maior de incerteza, preferiu não arriscar.
Se foi um movimento acertado ou não, só o futuro dirá. Como digo sempre, ninguém tem bola de cristal para saber. Mas o episódio deixa uma lição importante sobre a psicologia dos investimentos. Para começar, o megainvestidor foi surpreendentemente sincero ao admitir que errou ao investir na Netflix. “Estou 100% pronto para admitir meus erros e 100% pronto para fazê-lo rapidamente”, explicou, numa entrevista.
Ao se desfazer das ações, ele evitou também dois erros comuns dos investidores: segurar por muito tempo papéis que estão caindo, vendendo os que sobem, e se arriscar mais para reverter uma perda. São ambas grandes fontes de prejuízo nos portfólios, combinada com uma terceira; fazer operações demais. Neste caso, Ackman até poderia ser acusado, já que montou e desfez uma grande posição em pouco mais de três meses.
Só que aí entra uma grande qualidade do investidor. Ele explicou que caso tivesse posições menores, poderia absorver o prejuízo sem precisar vender. A Pershing, no entanto, conta só com oito ou nove empresas na carteira. Um prejuízo de 43%, como o sofrido, tem potencial muito maior de afetar o retorno do portfólio como um todo. E, com a reversão das expectativas do mercado sobre a empresa, o papel pode cair ainda mais se a onda de vendas continuar.
Certamente foi doloroso absorver um prejuízo tão grande, mas Ackman foi disciplinado ao seguir seu método. Atingido o ponto em que podia suportar o prejuízo, não hesitou em sair mesmo com pouco tempo de investimento e com elogios à Netflix e à gestão da empresa.
A incerteza tem crescido em meio à chamada guerra do streaming, com mais concorrência com a Disney e HBO e a necessidade da Netflix continuar investindo alto para ter sucessos como Round 6 e Ataque de cães e seguir atraindo assinantes. Também terá que buscar novas fontes de receita. Nada que impeça a Netflix de continuar crescendo.
O lado positivo dos resultados do primeiro trimestre mostrou, por exemplo, uma forte alta do lucro por ação. Também é tradição o balanço da Netflix no começo do ano trazer números mais fracos. E, no fim das contas, se a Netflix perdeu assinantes, foi graças a um fator incomum: a guerra na Ucrânia. Se não tivesse excluído a Rússia, a empresa teria terminado o período de janeiro a março com 500 mil novos assinantes.
Paciência, além do mais, costuma presentear investimentos. É importante, porém, se manter fiel à estratégia definida. E foi o que o investidor fez.
*Samy Dana é Ph.D em Business, apresentador do Cafeína/InvestNews no YouTube e comentarista econômico. |
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