Na vida em geral, a
frequência com que usamos as palavras segue uma lei não escrita sobre o poder
nas sociedades. “Homem”, por exemplo, é muito usada. Já algumas expressões como
“plúmbeo” (relativo ao chumbo) raramente são usadas. A frequência maior ou
menor de uma expressão no vocabulário traduz a importância que têm na vida das
pessoas ou de determinado setor da economia.
Também no mercado
financeiro. Seja em um ambiente real, como o dia a dia de uma casa de análises,
um banco ou uma corretora, ou virtual (o home broker, fóruns, vídeos, etc)
todos os investidores, gestores, analistas e também jornalistas de certa forma
frequentam o mesmo espaço. Estão todos no mesmo barco – alguém poderia dizer –
e falam a mesma língua, o jargão de finanças.
Mas, mesmo falando a
mesma língua, neste barco as pessoas também usam vocabulários diferentes.
Jornalistas e especialistas no mercado em geral costumam usar expressões mais
sóbrias do que as de gestores e investidores. Um caso notório é “bolha”. Poucos
que atuam comprando e vendendo ações costumam definir uma alta como se fosse
pura especulação. No noticiário, é uma palavra bem mais comum.
E, segundo dois
cientistas cognitivos de universidades irlandesas, Aaron Grow (Trinity College)
e Mark T. Keane (University College Dublin), é bom que seja assim. Ao contrário
da lenda de Babel, não é boa notícia se o mercado e especialistas em analisá-lo
começam a compartilhar as mesmas opiniões positivas.
O trabalho examinou 18
mil artigos publicados online entre 2006 e 2010 pelo jornal inglês The
Financial Times, um dos mais importantes no mundo sobre finanças, pelo
americano New York Times e pela BBC, investigando o vocabulário da imprensa
antes e depois da crise do subprime, em 2008.
Em certo momento, antes do estouro da bolha dos empréstimos do mercado imobiliário americano, investidores e jornalistas passaram a usar as mesmas expressões otimistas, como “alcançou novos patamares” e “disparada”. Sinal de que todos estavam focados apenas nos aspectos positivos do momento, sem dar a mesma atenção aos problemas. E uma indicação, não percebida por quase ninguém, de que as bolsas caminhavam para um colapso.
Há aí um comportamento bastante humano. Em momentos de euforia, ninguém quer ser o estraga-prazer, então analistas e jornalistas acabam se encaixando nas previsões otimistas dos gestores para não destoar. Como ressalta o estudo, todos querem ser felizes da mesma maneira. O problema é que os momentos de infelicidade são vividos de maneiras diferentes.
Quando as bolsas começaram a cair, o foco das análises voltou a ser mais variado, com uma diversidade de opiniões sobre o momento dos mercados. Análises e reportagens se tornaram mais críticas, beneficiando os investidores. O problema é que para muitos era tarde demais.
Ninguém gosta de ser o chato da festa. Mas quando se trata de investimentos, vale a pena um pouco de ceticismo se de repente todo mundo parece eufórico pelo mesmo motivo.
*Samy Dana é Ph.D em Business, apresentador do Cafeína/InvestNews no YouTube e comentarista econômico. |
As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação.
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